Situação Geral dos Tribunais

Homem que dolosamente acolheu a sua mulher que se encontrava em situação de excesso de permanência para ter filho em Macau foi condenado pela prática do crime de acolhimento

      A (arguido) é cônjuge de B, e este não é residente de Macau. No dia 1 de Junho de 2014, B entrou em Macau com o seu passaporte e viu o seu prazo de permanência expirado em 3 de Junho. Decorrido o período autorizado, B entrou em situação de excesso de permanência em Macau. Estava alojada, desde o início, na residência do arguido aguardando o parto. Assim foi até 19 de Junho, quando, em companhia do arguido, B foi dar à luz ao Hospital Kiang Wu, onde, ao exibir o seu passaporte chinês com visto expirado, foi entregue ao Corpo de Polícia de Segurança Pública para se sujeitar a diligências adequadas, ficando, deste modo, descortinado o facto supramencionado.

      O Tribunal Judicial de Base condenou o arguido pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de acolhimento p. e p. pelo art.º 15.º, n.º 1 da Lei n.º 6/2004, na pena de 4 meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano.

      Inconformado, o arguido interpôs recurso para o Tribunal de Segunda Instância.

      Desde logo, defendeu o recorrente que os factos subjectivos dados como provados pela sentença recorrida são todos factos conclusivos e, assim, insusceptíveis de servirem de base ou fundamento à decisão, pugnando, portanto, pela existência na sentença recorrida do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada contemplado no art.º 400.º, n.º 2, al. a) do Código de Processo Penal.

      No entender do Tribunal de Segunda Instância, os factos dados como assentes pelo Tribunal a quo, a serem de natureza conclusiva, podem ser deixados de lado. Sempre que os outros factos assentes permitam chegar a conclusão por meio da inferência, não existe a alegada lacuna na matéria de facto, nem tampouco o vício assacado. Ora, relativamente à falta de elemento constitutivo do crime, trata-se de uma questão de direito, em vez de um vício ocorrido na apreciação dos factos como alegado pelo recorrente.

      Ademais, o recorrente manifestou que se verifica por sua parte erro sobre a ilicitude, na medida em que ele não sabia que a sua conduta era contrária à lei penal. Invocou também o conflito entre o dever de cuidar da sua mulher e o dever de não acolher indivíduos encontrados em situação de excesso de permanência, considerando que a sentença recorrida padece do vício de violação da lei substantiva, por se olvidar de atender às causas de exclusão da culpa e da ilicitude estabelecidas nos art.ºs 16.º, 30.º e 35.º do Código Penal.

      Segundo o Tribunal de Segunda Instância, o legislador não exige que o agente esteja ciente de que a sua conduta envolve o direito penal ou um determinado ramo de direito, mas tão-só a consciência da contrariedade entre o seu comportamento e o Direito lato sensu, a qual engloba até uma atitude antissocial ou contrária à moral. Basta que a sua atitude seja censurável para o agente não poder dizer que a ignorância da lei exclui a culpa. Obviamente, o recorrente sabia, pelo menos, que a sua mulher não podia entrar em Macau sempre que lhe apetecesse, e que só podia a mesma cá permanecer no prazo autorizado, além do qual a sua permanência seria multada. Questão diferente desta é a possibilidade de dar à luz em Macau e de obter o direito de residência em Macau, que não se confunde com a possibilidade da sua mulher permanecer no Território. Nesta conformidade, improcede a argumentação do recorrente em torno da causa de exclusão da culpa.

      Por outro lado, para o conflito de deveres ser causa de exclusão da ilicitude, é necessário que os dois deveres jurídicos sejam incompatíveis entre si no seu cumprimento, de tal modo que o obrigado não os consiga cumprir ao mesmo tempo. Todavia, no caso em apreço, o recorrente, manifestamente, não se encontrava numa situação em que, em face dos deveres legalmente previstos, acabou por optar pela violação do art.º 8.º da Lei n.º 2/90/M. Em primeiro lugar, foi o próprio recorrente que criou, por sua vontade, a circunstância de ter residência e emprego fixos em Macau, pelo que não se pode invocar tal circunstância impeditiva do cumprimento dum dos deveres, até porque lhe assiste a possibilidade de cumprir o dever conjugal de coabitação previsto no Direito Civil, sem violar as normas de Direito Penal: basta aguardar que a sua mulher obtenha autorização para residir em Macau. Em segundo lugar, o recorrente já sabia há muito tempo a data prevista para o parto, mas sempre chamou a sua mulher para Macau um pouco antes dessa data, donde resulta claro o seu propósito de ter filho em Macau. Isso demonstra, precisamente, que o recorrente provocou intencionalmente a situação de “conflito” onde se encontrava, a qual não pode excluir a ilicitude da sua escolha de violar o disposto na Lei de Imigração Ilegal, dado que não se caracteriza a escolha pela passividade objectiva. Dest´arte, improcede também o recurso na parte referente à causa de exclusão da ilicitude.

      Face ao exposto, o Tribunal de Segunda Instância negou provimento ao recurso interposto por A.

      Vide Acórdão do TSI, processo n.º 262/2015.

 

 

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

11/03/2016