Situação Geral dos Tribunais

Tem a Polícia o direito de alterar o trajecto do desfile de manifestação com base na segurança e ordem pública

      Chiang Meng Hin, na qualidade de Presidente da Associação de Novo Macau e de promotora de manifestação, a realizar no dia 15 de Maio de 2016, com início às 15:00 horas, interpôs recurso para o Tribunal de Última Instância do despacho do Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública, Substituto, de 11 de Maio de 2016, que, alegadamente, determinou que quando o desfile chegar às proximidades do silo de Nam Van, na Avenida Panorâmica do Lago Nam Van, teria de circular no passeio, deixando a faixa de rodagem dos veículos, até ao destino da manifestação. O recorrente considerou que de acordo com o n.º 2 do artigo 8.º da Lei n.º 2/93/M, que o Comandante da Polícia tem poderes para determinar que o desfile se faça por uma das faixas de rodagem, mas não impor que o mesmo circule pelo passeio.

      Finda a apreciação da causa, entendeu o Tribunal Colectivo do Tribunal de Última Instância que a interpretação literal da norma é, efectivamente, aquela que o recorrente defende. O problema é que é pacífico que o elemento literal da interpretação, sendo importante e o ponto de partida para interpretação de qualquer norma, não é, frequentemente, decisivo. Diz expressamente o artigo 8.º do Código Civil, dedicado à interpretação da lei, que : A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada. De acordo com o n.º 2 do artigo 8.º da Lei n.º 2/93/M, referindo-se que embora os manifestantes tenham o direito de desfilar pelas artérias da Região, a Polícia pode impor restrições de modo a que o desfile não ocupe todo o espaço disponível das ruas e estradas. É que, se há um direito à manifestação, esta não pode impedir que tudo pare numa cidade por causa desse direito. Há outros interesses a compatibilizar, há pessoas que têm o direito de também circular nas ruas, o trânsito de pessoas, bens e veículos não pode parar completamente, porque mesmo quando há manifestações a decorrer, há pessoas que adoecem e têm de ser transportadas aos hospitais, acontecem crimes que têm de ser reprimidos, as pessoas continuam a ter de se alimentar, os turistas não deixam de entrar em Macau, etc. Quer dizer, as necessidades quotidianas de segurança pública, manutenção da ordem e tranquilidade públicas mantêm-se e têm de ser preservadas, sendo que a circulação pelas vias públicas é uma condição dessa preservação. E cabe à Policia de Segurança Pública zelar pela manutenção daquelas necessidades e interesses públicos. Os manifestantes têm o direito de desfilarem pelas artérias, mas não têm um direito à ocupação das fixas de rodagem. Parece até que se o desfile se puder fazer pelos passeios, isso é preferível a que o mesmo circule pelas faixas de rodagem, sabendo-se que estas se destinam primacialmente à circulação de veículos. É facto notório, por ser do conhecimento geral que o passeio na Avenida Panorâmica do Lago Nam Van tem uma largura apreciável de vários metros, pelo menos 5 ou 6 metros, que é uma largura superior a muitas ruas de Macau, mesmo somados os passeios e as faixas de rodagem. Largamente suficiente para permitir a passagem de um desfile, mesmo com centenas ou milhares de manifestantes. Não repugna, pois, considerar que, com vista ao bom ordenamento do trânsito de pessoas e veículos nas vias públicas, o comandante da Polícia de Segurança Pública possa limitar, numa parte, aliás, menor do trajecto do desfile, que este se faça pelo passeio, desde que este seja suficiente para permitir o cortejo em condições de tranquilidade e segurança.

      Assim, a decisão do Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública, Substituto não violou a lei. Improcede a questão suscitada.

      Face ao expendido, negam provimento ao recurso.

      Cfr. o acórdão do processo n.º 28/2016 do Tribunal de Última Instância.

 

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

13/05/2016