Situação Geral dos Tribunais

Indeferido pelo Tribunal de Segunda Instância o pedido de indemnização emergente de acidente de trabalho por não ter sido dado como provado que o desmaio foi motivado pelo nervosismo no trabalho

     Em 21 de Maio de 2010, a Autora, trabalhadora dum casino, sofreu uma síncope, tendo desmaiado no interior de uma sala de jogo durante o trabalho, pelo que, foi transferida, imediatamente, para o Hospital Kiang Wu, onde lhe foram diagnosticadas, designadamente, hemorragia cerebral e hipertensão, que lhe provocaram, como sequela, uma deformidade funcional do membro inferior esquerdo. A Autora ficou internada entre o dia 21/05/2010 e o dia 26/06/2010, tendo ainda recebido tratamento periódico na consulta externa daquele estabelecimento hospitalar até 12/01/2011. Na sequência do incidente, a Autora despendeu, em despesas médicas, MOP $72.820,00, porém, a Autora recebeu apenas da X companhia seguradora (Ré) com a qual o referido casino celebrou o contrato de seguro, MOP$35,200.60.

     A Autora intentou uma acção de processo especial do trabalho junto do Juízo Laboral do Tribunal Judicial de Base, o qualjulgou totalmente procedente a acção e condenou a Ré a pagar à Autora MOP$120,111.11, a título de indemnização por 235 dias de ITA, MOP$496,800.00, a título de indemnização pela IPP sofrida de 20% e MOP$37.619,40 relativas a despesas médicas e medicamentosas.

     Não se conformando com o assim decidido, veio a Ré interpor recurso para o Tribunal de Segunda Instância, entendendo que a sentença do Tribunal a quo se encontra inquinada do vício de erro na apreciação da prova, pois o desmaio sofrido pela Autora na sala de jogo foi motivado por doenças de que a Autora sofria anteriormente.

     O Tribunal de Segunda Instância conheceu do processo, tendo analisado os depoimentos prestados por dois médicos. O médico A apontou que a hemorragia cerebral é um risco inerente à hipertensão, à rigidez vascular e à deformidade congénita de vasos sanguíneos de que sofria a Autora, doenças que acompanhavam a Autora há já vários anos, e poderia acontecer, mais cedo ou mais tarde, mesmo em estado estático do paciente, pelo que, não há relação causa-efeito entre a hemorragia cerebral e o trabalho que a Autora desenvolvia na altura, enquanto o medico B, nomeado pelo Ministério Público, afirmou a existência da relação de causa-efeito entre o ambiente de trabalho da Autora e a hemorragia cerebral, pois para ele a circunstância de a Autora ficar muito emocionalmente nervosa por ter constatado uma diferença no valor de HKD$50.000,00 entre as fichas e o numerário é pelo menos uma das causas concorrentes para ocorrência do acidente. Foi justamente com base no depoimento prestado pelo médico B que o Tribunal a quo proferiu a decisão.

     O Tribunal de Segunda Instância entendeu que por força do princípio de imediação, em princípio é de reconhecer que, o Tribunal a quo está sempre no mais privilegiado posicionamento e em melhores condições para valorar as provas produzidas na audiência de julgamento do que o Tribunal de recurso, porém, isto não quer dizer que é necessariamente assim. Ao contrário da posição do Tribunal a quo, o Tribunal de Segunda Instância está mais inclinado para acolher o depoimento do médico A. Para o Tribunal de Segunda Instância, o que o médico B disse exorbitou um bocado aquilo que devia ser afirmado por um perito ou uma testemunha, pois o mesmo qualificou o ocorrido como verdadeiro acidente de trabalho por entender que a hemorragia cerebral aconteceu no local e no tempo de trabalho, o que equivale a que estava a aplicar o direito que, na realidade, deve ser poder-dever do Tribunal. Por outro lado, também não tem razão o mesmo médico ao afirmar que a circunstância de a Autora ficar emocionalmente nervosa no trabalho era, pelo menos, uma das causas concorrentes para a produção do acidente, uma vez que tal facto não foi dado por provado. Assim, fica sem alicerce a tese da existência da relação causa-efeito afirmada pelo médico B.

     Assim sendo, com a alteração da matéria de facto feita pelo Tribunal de Segunda Instância, é de considerar verificada a situação excepcional a que se refere o artº 8º do Decreto-Lei nº 40/95/M e, em consequência, julgou que não há lugar à reparação a pagar pela recorrente.

     Pelos acima expostos, o Tribunal Colectivo acordou em conferência conceder provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida, julgando improcedente a acção e absolvendo a Ré do pedido.

     Cfr. o acórdão do Tribunal de Segunda Instância, no processo n.º 1022/2015.

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

24/05/2016