Situação Geral dos Tribunais

A existência do sinal não afasta a possibilidade da execução específica do contrato-promessa

   No dia 4 de Outubro de 2012, a Companhia A (promitente-vendedora/Autora) celebrou com B e C(promitentes-compradores/Réus) um contrato de promessa de compra e venda de imóvel a construir, pelo preço de MOP$1.823.692,00. As partes acordaram o pagamento em tranches/prestações, e B e C já pagaram o sinal. Posteriormente, com fundamento na impossibilidade do cumprimento e no incumprimento voluntário definitivo, a Companhia A manifestou a sua intenção de resolução do contrato e restituição do sinal em dobro e, no entender da A, a dita resolução tinha sido feita correcta e legalmente, só que B e C manifestaram a sua discordância, entendendo que a Autora ainda tem interesse em manter o contrato de promessa em causa, isso levou a Companhia A a propor a acção ordinária para o Tribunal Judicial de Base. No entender do Tribunal Judicial de Base, a Autora, como devedora culpada, não pode resolver unilateralmente o contrato-promessa de compra e venda em questão mediante a restituição aos Réus do sinal em dobro e assim julgou manifestamente improcedentes os fundamentos invocados pela Autora e absolveu os Réus do pedido.

   Não se conformando com o decidido, veio a Autora interpor recurso para o Tribunal de Segunda Instância.

   O Tribunal de Segunda Instância entendeu que antes de mais, é de afastar o fundamento da impossibilidade do cumprimento invocado pela Autora, pois não foram dados por assentes factos demonstrativos da tal impossibilidade do cumprimento, nem foi pedida a alteração da matéria de facto assente. Depois, resta saber se, face à lei ou face ao contrato, o incumprimento voluntário definitivo do contrato e a restituição do sinal em dobro por parte da promitente-vendedora, de per si, são ou não fundamentos suficientes para que a parte faltosa ponha termo ao contrato.

   In casu, a Autora e os Réus não convencionaram expressamente que a promitente-vendedora pode resolver o contrato-promessa mediante simples declaração unilateral, acompanhada da restituição do sinal em dobro. Assim, face ao contrato, a promitente-vendedora não pode fazê-lo. Face à lei, o Tribunal de Segunda Instância entendeu que conjugando os normativos do artº 436º com os do artº 820º, ambos do CC, é de concluir que não obstante a existência do sinal, por força do disposto no artº 820º/2, primeira parte, não pode ser interpretada como afastamento da execução específica, a nossa lei, para além de sujeitar o promitente-vendedor faltoso à obrigação de restituir o sinal em dobro, permite ao promitente-comprador a alternativa de recorrer à execução específica para obter o cumprimento da promessa. Assim, se nós reconhecêssemos a validade da resolução unilateral mediante a simples comunicação da intenção de recusar o cumprimento da sua promessa e a restituição do sinal em dobro, como invocada pela promitente-vendedora, estaríamos a derrogar, injustificadamente, o direito à execução específica, que a lei confere ao promitente-comprador, como alternativa ao recebimento do sinal em dobro.

   Pois, a nossa lei, na falta de convenção expressa em contrário, não quis conferir incondicionalmente ao promitente-vendedor o chamado “direito ao arrependimento”, e mas sim impõe que o exercício desse direito fique condicionado pelo não exercício por parte do promitente-comprador do direito a recorrer à execução específica, o que se justifica pela necessidade de evitar, ou pelo menos reduzir a verificação de “situações imorais na prática do contrato-promessa, estimuladas pela desvalorização monetária e pelo próprio acréscimo efectivo do valor dos bens”.

   O Tribunal de Segunda Instância entendeu que a Autora não pode argumentar quenão há mais condições para a celebração do contrato prometido, pois nada nesse sentido foi demonstrado nos autos,porém, a Autora tem sempre a possibilidade de invocar tal inexistência das condições para a celebração do contrato prometido no eventual processo, a instaurar pelos Réus, destinado à obtenção da execução específica.

   Nestes termos, o Tribunal de Segunda Instância concluiu que bem andou o Tribunal a quo ao decidir como decidiu, não reconhecendo à Autora a prerrogativa de revogar unilateralmente o contrato-promessa, pelo que, nenhuma censura merece a sentença recorrida.

   Pelos acima expostos, o Tribunal de Segunda Instância julgou improcedente o recurso interposto pela Autora, mantendo na íntegra a sentença recorrida.

   Cfr. o Acórdão do Tribunal de Segunda Instância, no Processo n.º 1002/2015.

 

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

31 de Maio de 2016