Situação Geral dos Tribunais

Não está coberta pela proibição de prova a confissão de crime e outras afirmações aos agentes policiais feita pelo arguido aquando da detenção

      O Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base, por Acórdão de 16 de Outubro de 2015, condenou o arguido A, pela prática em autoria material, na forma consumada de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 8.º, n.º 1, da Lei n.º 17/2009, na pena de 10 anos de prisão. Inconformado, o arguido recorreu para oTribunal de Segunda Instância.

      O Tribunal de Segunda Instância, por Acórdão de 28 de Janeiro de 2016, rejeitou o recurso interposto pelo arguido.

      Ainda inconformado, recorreu o arguido para o Tribunal de Última Instância. Entendeu o recorrente que a circunstância de a sentença mencionar, como elemento valorativo da convicção dos julgadores, que um investigador da Polícia Judiciária referiu, em audiência, que o arguido, aquando da detenção no aeroporto de Macau, admitiu ter transportado estupefacientes para Macau, violou o disposto nos artigos 337.º, n.º 7 e 338.º do Código de Processo Penal. Segundo as disposições, proíbe que os órgãos de polícia criminal, que tiverem recebido declarações do arguido cuja leitura não for permitida, por não o terem sido a sua solicitação, bem como quaisquer pessoas que, a qualquer título, tiverem participado da sua recolha, de serem inquiridas como testemunhas sobre o conteúdo daquelas.

      Finda a apreciação da causa, entendeu o Tribunal Colectivo do Tribunal de Última Instância que importa apreciar se a valoração, pelo tribunal colectivo, de declaração de Investigador da Polícia Judiciária, em audiência de julgamento, segunda a qual, o arguido, aquando da sua detenção, admitiu ter transportado os estupefacientes, viola alguma proibição de prova.

      Como se sabe, face ao actual Código de Processo Penal, não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência. A excepção a este princípio é constituída pelas provas contidas em actos processuais cuja leitura em audiência seja permitida. Dos artigos 337.º e 338.º constam quais os actos processuais cuja leitura é permitida em audiência. A leitura de declarações de testemunhas ou arguidos em audiência é permitida apenas em especiais circunstâncias, sendo que declarações dos arguidos produzidas perante órgão de polícia criminal só são permitidas a sua própria solicitação. Pois bem, relativamente às conversas informais entre arguidos e agentes policiais, há que fazer um distinguo entre aquelas que devem seguir o regime atinente à proibição de inquirição dos órgãos de polícia criminal sobre o conteúdo de declarações prestadas perante eles pelo arguido, e aquelas a que esse regime não pode aplicar-se. Se, no decurso de tomada de declarações a um arguido, perante agente policial, o primeiro acaba por confessar ao segundo a prática de crime, mas pede que tal declaração seja feita em off, isto é que não conste do auto de inquirição, a inquirição do agente em audiência sobre este ponto deve estar coberta pela mencionada proibição, dado que intencionalmente o arguido não pretendeu que a declaração ficasse a constar dos autos. Ou declarações do arguido, produzidas à margem da tomada de declarações, que acabam por não extractadas em auto.

      Outra coisa, completamente diferente é a declaração de arguido aquando da detenção em flagrante delito com uma mala com estupefacientes, dizendo que a mala é dele e que conhece o seu conteúdo, como aconteceu nos autos. Ou afirmações do arguido aos agentes policiais sobre homicídio que praticou, porque o fez, onde escondeu o corpo, etc., aquando da reconstituição dos factos. Nestes casos, não há qualquer razão para estender a proibição da inquirição do agente policial sobre o conteúdo da declaração do arguido, dado que este a fez livre de qualquer coacção e livre de qualquer engano por parte do agente policial e sem relação alguma com autos de inquirição. No caso dos autos, o investigador limitou-se a dizer que o arguido, aquando da detenção no aeroporto de Macau, admitiu o transporte da droga. Não há qualquer razão para equiparar tal admissão às declarações formais em auto. Logo, não está abrangida pela proibição de prova.

      Improcedeu, portanto, o recurso.

      Face ao expendido, negou-se provimento ao recurso.

      Cfr. o acórdão do processo n.º 17/2016 do Tribunal de Última Instância.

 

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

10/06/2016