Situação Geral dos Tribunais

O Tribunal de Última Instância Mantém a Decisão do Chefe do Executivo que Declarou a Nulidade da Transmissão dos Terrenos Onde Estava a ser Construído o La Scala

     No dia 8 de Agosto de 2012, o Chefe do Executivo declarou a nulidade do despacho de 17/03/2006 proferido pelo anterior Chefe do Executivo, que autorizou a transmissão, por parte da concessionária original dos 5 terrenos situados na Avenida Wai Long (em frente do aeroporto), dos direitos resultantes dos contratos de concessão dos terrenos a favor da sociedade MOON OCEAN LTD.

     Inconformada, veio a MOON OCEAN LTD interpor recurso contencioso de anulação para o Tribunal de Segunda Instância, que por sua vez, negou provimento ao recurso em 18 de Junho de 2015.

     Ainda inconformada, a recorrente interpôs recurso para o Tribunal de Última Instância. Hoje o TUI negou provimento ao recurso, cujos fundamentos resumem-se nos seguintes:

     A recorrente indicou no primeiro lugar que, ao declarar a nulidade dos contratos de concessão dos terrenos envolvidos, o Chefe do Executivo estava a usurpar a competência exclusiva dos tribunais, verificando-se o vício de usurpação de poder. Entendeu o Tribunal Colectivo que, quanto à invalidade do contrato administrativo, convém distinguir as duas situações: o contrato é nulo em consequência da nulidade das suas cláusulas contratuais, ou o contrato padece de nulidade porque é nulo o acto administrativo de que tenha dependido a sua celebração. Compete ao tribunal a avaliação e apreciação da primeira situação, e quanto à segunda situação, a nulidade do contrato não tem nada a ver com a interpretação ou a validade das cláusulas contratuais, não estando em causa o sentido ou conteúdo do contrato, pelo que não é necessária a intervenção do tribunal. A transmissão dos contratos de concessão dos 5 terrenos em causa foi realizada com pressuposto de corrupção passiva do ex-Secretário para os Transportes e Obras Públicas, o que viciou inevitavelmente o processo de transmissão e o eventual acto administrativo de autorização da transmissão, e em consequência, resultou na nulidade destes. A nulidade dos contratos administrativos é a consequência necessária da nulidade do acto de autorização. O acto administrativo recorrido não fez interpretação das cláusulas contratuais nem declarou a nulidade dos contratos administrativos em causa, limitando-se a declarar a nulidade do despacho que autorizou a transmissão dos terrenos, não se verificando, assim, o vício de usurpação de poder.

     A recorrente ainda alegou que o despacho recorrido não determinou a forma como reverteria para si os preços já pagos pelos terrenos em causa e o valor das benfeitorias entretanto realizadas nos mesmos, violando o seu direito de propriedade. Ademais, o despacho recorrido é um acto de natureza sancionatória, assentando em factos num processo-crime no qual a recorrente não teve qualquer participação e não tinha a oportunidade para defender-se, pelo que foi violado o seu direito de defesa.

     Entendeu o Tribunal Colectivo que, o direito resultante da concessão por arrendamento do terreno, mesmo com natureza real, não é totalmente coincidente com o direito de propriedade em geral, não tendo a perpetuidade nem a plenitude. Este direito emerge do direito de concessão. A concessão dos terrenos é temporária, pelo que o direito da concessionária sobre os terrenos é também temporário. A recorrente não tem o direito de propriedade sobre os terrenos em causa, mas apenas o direito de construir e o direito de propriedade sobre as construções nos terrenos. No entanto, consta-se expressamente nos contratos de concessão que, no caso de caducidade dos contratos, os terrenos serão revertidos à posse da RAEM, com todas as benfeitorias aí introduzidas, não tendo a sociedade concessionária direito a qualquer indemnização. Improcedendo assim a violação do direito de propriedade.

     Quanto ao direito de defesa, indicou o Tribunal Colectivo que, o procedimento administrativo e o processo-crime são dois procedimentos independentes, com objectivos e finalidades distintos. No respectivo processo-crime, a recorrente não foi acusada e não houve ofensa dos seus interesses, pelo que não podia participar no processo. Constata-se nos elementos constantes dos autos que a recorrente foi notificada, em sede do procedimento administrativo, para apresentar a contestação escrita quanto à provável declaração de nulidade do despacho que autorizou a transmissão dos terrenos, improcedendo assim a violação do direito de defesa.

     Por outro lado, a recorrente indicou que o acórdão recorrido errou na interpretação e aplicação do art.º 122.º, n.º 2, al. c) do CPA, porque inexistiu uma conexão causal entre os actos ilícitos do ex-Secretário para os Transportes e Obras Públicas e o acto que autorizou a transmissão dos terrenos, não podendo este último ser qualificado como acto que implique a prática de um crime.

     Entendeu o Tribunal Colectivo que, deve-se fazer uma interpretação extensiva da expressão “actos administrativos que impliquem a prática de um crime” na referida alínea: não estão em causa apenas as situações em que o acto administrativo em si preenche um tipo penal, mas todas aquelas em que o acto administrativo envolva, na sua preparação ou execução, a prática de um crime, incluindo os actos praticados mediante suborno ou por corrupção. In casu, na fase preparatória anterior ao acto de autorização da transmissão dos terrenos (selecção da sociedade transmissária) envolve-se a prática de um crime, pelo que são viciados todos os actos posteriores. A declaração da nulidade do acto que autorizou a transmissão dos terrenos é um acto vinculado, não tendo a Administração outra escolha. Por isso, não se verifica o vício de erro na aplicação da lei.

     Por fim, a recorrente alegou que, tanto o processo de selecção da sociedade transmissária como o procedimento administrativo de autorização da transmissão dos terrenos se nortearam, exclusiva e objectivamente, por critérios de legalidade e interesse público, e quando o despacho recorrido declarou nula a transmissão, verificou-se a postergação do interesse público. Além disso, o despacho recorrido não procedeu à devida ponderação dos interesses públicos e privados, em conflito, violado o art.º 123.º, n.º 3 do CPA, bem como os princípios da boa fé, da confiança e da proporcionalidade.

     Para isso, indicou o Tribunal Colectivo que, o procedimento de selecção da sociedade transmissária violou, desde o inicio, as regras de direito correspondentes e os critérios de legalidade, devido à corrupção praticada pelo ex-Secretário para os Transportes e Obras Públicas Ao Man Long, razão pela qual mesmo que nos actos administrativos não se tenha detectado a intenção de não prosseguir o interesse público, não se pode afirmar que todo o procedimento administrativo se norteou por critérios de legalidade e interesse público. Além disso, a nulidade dos respectivos actos funda-se nas condutas criminosas, não só de Ao Man Long, mas também da própria recorrente, porque Lau Lun Hong e Lo Kit Seng pagaram a Ao Man Long o montante de HKD$20.000.000,00, aproveitando os poderes e as influências deste para obter a concessão dos terrenos em causa. Por isso, não pode a recorrente pretender que lhe sejam atribuídos os efeitos putativos favoráveis previstos pelo art.º 123.º, n.º 3 do CPA, e não se verifica a violação dos princípios da boa fé, da confiança e da proporcionalidade.

     Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso contencioso, mantendo-se o acto administrativo recorrido.

     Cfr. o Acórdão do TUI, no Processo n.º 76/2015.

 

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

22 de Junho de 2016