Situação Geral dos Tribunais

Foi condenado pela prática do crime de abuso de confiança por apropriar-se de coisa alheia que lhe foi entregue

   A, na qualidade de assistente social aposentado, conheceu B que sofria de depressão prolongada, tendo obtido a confiança de B e da família deste. A alegou a B que não se podia usar dólar americano em Macau e ofereceu-se para lhe ajudar a converter os dólares americanos em dólares de Hong Kong e a gerir as contas bancárias dele. Para tanto, A exigiu a B que lhe entregasse as cadernetas bancárias e o cartão de ATM. Posteriormente, A transferiu muitas vezes o dinheiro na conta bancária em dólar americano e nas outras contas de B para uma conta bancária em dólar de Hong Kong também de B. Depois, A, com o cartão de ATM que lhe foi entregue por B, levantou muitas vezes dinheiro. Foi provado que foi levantado no total um montante de MOP$179.299,00.

   Antes da realização das audiências, A pagou MOP$120.000,00 a B e, no período em que se realizaram as audiências, pagou mais MOP$193.090,00 a B, perfazendo um total de MOP$313.090,00.

   Em 12 de Julho de 2013, o Juízo Criminal do Tribunal de Judicial de Base condenou A, pela prática de um crime de burla de valor consideravelmente elevado, p.p. pelo artº 211º, nº 1 e nº 4, al. a), conjugado com o artº 196º, al. b) do Código Penal, na pena de três anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de três anos.

   O Ministério Público não se conformou com a decisão na parte relativa à suspensão da pena, da qual recorreu para o Tribunal de Segunda Instância.

   O Tribunal de Segunda Instância entendeu da seguinte forma: para constituir o crime de burla previsto no artº 211 do Código Penal devem ser verificados dois elementos objectivos: por meio de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou; determinar outrem à prática de actos que lhe causem, ou causem a outra pessoa, prejuízo patrimonial; e um elemento subjectivo: com intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo. De acordo com o artº 199º do Código Penal, o elemento constitutivo objectivo do crime de abuso de confiança é: o agente apropriar-se ilegitimamente de coisa móvel que lhe tenha sido entregue por título não translativo da propriedade. E o elemento constitutivo subjectivo é permitir qualquer um dos tipos de dolo. Da matéria de facto provado resulta que o arguido utilizou as cadernetas bancárias e cartão de ATM que lhe foram entregues por B para levantar quase todo o dinheiro nas três contas de B e apropriou-se do dinheiro levantado, conduta esta preenche melhor os elementos essenciais do crime de abuso de confiança. Deste modo, pelo acto praticado, o arguido praticou, em autoria material e na forma consumada, um crime de abuso de confiança qualificado, p.p. pelo artº 199º, nº 1, conjugado com nº 4, al. b) do Código Penal, podendo ser punido com pena de prisão de 1 a 8 anos.

   Além disso, o TSI apontou: embora A pagasse todo o prejuízo patrimonial sofrido pelo lesado durante o período em que se realizaram audiências e não antes das audiências, e não confessasse inteiramente o facto criminoso em audiência, o seu acto compensatório demonstra que o arguido já reparou, quanto antes, o dano causado ao lesado, pelo que, nesta causa, é aplicável o artº 201º, nº 2 do Código Penal, a pena pode ser especialmente atenuada.

   Por fim, indicou o Tribunal de Segunda Instância que conforme o artº 48º do Código Penal, o tribunal, se julgar que o agente pode aprender com a experiência sem executar concretamente a pena e o mesmo não comete crime de novo e pode integrar-se na sociedade, pode suspender a execução da pena aplicada ao agente. O arguido, aproveitando-se do respeito e confiança depositada pelo lesado em assistentes sociais, praticou o acto criminoso, o que provocou grave desafio à segurança social e ordem jurídica de Macau, perturbando gravemente a tranquilidade social. No entanto, tendo em conta as circunstâncias concretas desta causa, nomeadamente o arguido é primário e já reparou o prejuízo patrimonial causado ao lesado, a aplicação ao arguido desta causa a suspensão da execução da pena realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição e prevenção geral.

   Nos termos expostos, o Tribunal Colectivo do Tribunal de Segunda Instância julgou improcedente o recurso interposto pelo Ministério Público, condenando A, pela prática de um crime de abuso de confiança qualificado, p.p. pelo artº 199º, nº 1, conjugado com o nº 4, al. b) do Código Penal, com a circunstância atenuante prevista no artº 201º, nº 2, na pena de um ano e nove meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de três anos. Além disso, condenou, nos termos dos artºs 48º, e 49º, nº 1, al. c) do Código Penal, o arguido a pagar à RAEM um montante de MOP$20.000,00 no prazo de um mês.

   Cfr. o acórdão proferido no processo nº 646/2013 do Tribunal de Segunda Instância.

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

04/07/2016