Situação Geral dos Tribunais

Só os funcionários dos quadros próprio da RAEM providos por nomeação definitiva têm direito a adquirir a moradia propriedade da RAEM

      A é da nacionalidade Portuguesa, foi recrutada Portugal para Macau em 1982, para exercer funções como professora do ensino primário na DSEJ. Em 1983, A participou no concurso público para atribuição de moradias por arrendamento. Por despacho de 7.8.1987 do Director dos Serviços de Finanças, foi-lhe concedida uma moradia, sita num edifício em Macau, na Rua Pedro Coutinho, edifício X, fracção A. Em 8.11.1989, A foi autorizada a mudar para fracção B do mesmo edifício, tendo celebrado novo contrato de arrendamento no dia seguinte. A partir daí, A tem vindo a morar naquele moradia.

      O estatuto de recrutada no exterior da A cessou em 31.8.1999. A partir de 1.9.1999, A celebrou com a Direcção dos Serviços de Educação e Juventude contrato além do quadro. Em 1.10.1999, A denunciou o seu contrato com a DSEJ, passando a celebrar contrato de trabalho com o Instituto Politécnico de Macau, continuando a exercer funções de docente. Por despacho do Director dos Serviços de Finanças, de 18.11.1999, foi autorizada a manutenção do direito da recorrente a ocupar a moradia por arrendamento.

      No dia 4.7.2013, A apresentou um requerimento na Direcção dos Serviços de Finanças para adquirir a moradia arrendada. Em 24 de Outubro de 2013, por despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças, foi indeferido o seu pedido de aquisição. Inconformada, interpôs A recurso contencioso para o Tribunal de Segunda Instância, que, por sua vez, negou provimento ao recurso.

      Ainda inconformadas, e na qualidade de sucessoras de A, vêm B e C interpor recurso jurisdicional para o Tribunal de Última Instância, alegando que o acórdão recorrido ignorou os direitos adquiridos da recorrente, não valorou elementos de prova trazidos aos autos e interpretou erradamente as normas legais aplicáveis à situação daquela.

      O TUI conheceu da causa. Segundo adiantou o Tribunal Colectivo, nos termos do art.º 37.º, al. b) do DL n.º 31/96/M, que regula o regime de atribuição de alojamento aos trabalhadores locais da Administração Pública da RAEM e do disposto no n.º 1 do art.º 1.º e no art.º 2.º da Lei n.º 4/83/M que estabelece o regime de alienação dos fogos do Estado aos seus arrendatários, pode concluir-se que nem todos os arrendatários de moradias da RAEM têm direito de aquisição das moradias arrendadas. Só os funcionários dos quadros próprios da RAEM têm direitos adquiridos de requer a aquisição das moradias respectivas. Ademais, conjugado com o art.º 6.º n.º 2 do DL n.º 31/96/M, a expressão de funcionários dos quadros próprios da RAEM aqui referido deve ser interpretada no sentido de abranger só os funcionários dos quadros providos por nomeação definitiva.

      No caso ora em apreciação, dentro de quase trinta anos que o recorrente prestou o seu trabalho a DSEJ e a Instituto Politécnico de Macau, ou com o estatuto de recrutada no exterior, ou por contrato além do quadro ou ainda por contrato de trabalho, nunca foi ela provida por nomeação definitiva (nem em comissão de serviço), pelo que não detinha a qualidade de funcionário do quadro. Mesmo que a recorrente foi admitido ao concurso público para atribuição de moradias por arrendamento, no momento em que não foi exigida a qualidade de funcionário dos quadros próprios da Administração de Macau, bem como a autorização de manutenção do seu direito a ocupar a moradia, não lhe conferem, evidentemente, o estatuto necessário para a aquisição de moradia. O reconhecimento do direito ao arrendamento só produz efeitos restritos à atribuição e arrendamento de moradias, não se estendendo ao âmbito de aquisição de moradia arrendada. Sendo assim, não se vê como foram ignorados os alegados “direitos adquiridos” e os elementos de prova trazidos aos autos.

      No que respeita ao imputado erro na interpretação de normas legais, a recorrente alegou que IPM é um serviço público da Administração Autónoma, o docente contratado por IPM através de contrato individual de trabalho detinha também a qualidade de funcionário. O tribunal recorrido interpretou erradamente o n.º 2 do art.º 2.º do ETAPM. Por outro lado, de acordo com o n.º 1 do art.º 23.º da Lei n.º 4/83/M, as regras de venda das moradias da RAEM ao arrendatário aplicam-se também aos funcionários pertencentes aos quadros dos órgãos de soberania de Portugal, mas prestem serviços em Macau. A recorrente quando inicialmente celebrou o contrato de arrendamento pertencia aos quadros de Portugal, estava conforme com o disposto deste artigo, pelo que tem direito a aquisição da moradia. Pese embora deixe de ter o estatuto de recrutada no exterior, deve ainda fazer-se uma interpretação extensiva ao artigo 23.º, n.º 1, ou operar-se a integração de uma lacuna da lei, por forma a assegurar à recorrente o direito de aquisição da respectiva moradia que se perdem, não por escolha voluntária, mas porque o estatuto político de Macau se alterou.

      Quanto a este fundamento, o Tribunal Colectivo entendeu que, pese embora IPM seja um serviço público da Administração Autónoma da RAEM, nem por isso é inaplicável o regime estabelecido no ETAPM, porque por força do n.º 1 do art.º 1.º, este diploma aplica-se também aos órgãos Autónomas. Por força do n.º 2 do art.º 2.º do ETAPM, consideram-se funcionários públicos apenas os trabalhadores que tenham sido providos por nomeação definitiva ou em comissão de serviço. A recorrente foi contratada pelo IPM através de contrato individual de trabalho, pelo que não é funcionário do quadro.

      Quanto ao invocado art.º 23.º da Lei n.º 4/83/M, com o estabelecimento da RAEM, esta disposição deixou de ter aplicação, face ao disposto na al. 7) do n.º 1 do art.º 4.º da Lei de Reunificação e no art.º 99.º da Lei Básica. Mesmo que assim não se entenda, como ela já perdeu o estatuto de recrutado no exterior, à recorrente deixou de ser aplicável a norma em causa. Por outro lado, improcede também o fundamento de fazer uma interpretação extensiva da norma ou operar a integração de uma lacuna da lei, uma vez que quando o legislador confere o direito à aquisição de moradias aos funcionários pertencentes aos quadros de Portugal, intenciona claramente incentivá-los a prestar serviço em Macau durante certo período do tempo, pelo menos por 5 ano. Se o funcionário deixar de pertencer ao quadro de Portugal, passando a ser trabalhador da Administração de Macau, sem que tenha exercido oportunamente o direito legalmente conferido, não se vislumbra qual a razão e fundamento que justifique a manutenção de tal direito na sua esfera jurídica. Sendo assim , não se pode fazer interpretação extensiva da norma, nem existe lacuna da lei para integrar.

      Pelo exposto, o Colectivo negou provimento ao recurso jurisdicional, mantendo a decisão administrativa de não autorizar a recorrente A a adquirir a moradia arrendada.

      Cfr. o Acórdão no processo n.º 26/2016 do TUI.

 

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

07/07/2016