Situação Geral dos Tribunais

A violação do dever de respeito dos filhos maiores para com os pais faz cessar a obrigação de prestar alimentos

      C e D contraíram matrimónio em 1989, do qual tiveram dois filhos A e B, em 1991 e em 1992. Em 2010, A e B foram sucessivamente estudar para Canadá. Durante os seus estudos no Canadá, surgiu problema no casamento de seus pais e que foi decretado finalmente o divórcio pelo Tribunal. Na sentença dos autos de alimentos provisórios, o Tribunal julgou que ambas C e D devem assumir a responsabilidade de prestação de alimentos provisórios a A e B (incluindo as despesas mensais, as propinas universitárias e as despesas de bilhete de avião dos seus regressos a Macau em férias), na proporção de 3:7. No entanto, C e D não pagaram as despesas mensais e as propinas universitárias de A e B durante os seus estudos no Canadá. Portanto, A e B intentaram no Tribunal Judicial de Base (TJB) uma acção declarativa com processo comum ordinário contra C e D, pedindo que estes fossem condenados no pagamento de alimentos devidos àqueles.

      Na sua contestação apresentada, deduziu C a excepção peremptória, alegando a falta de respeito filial que os dois autores vieram manifestando para com ele, o que tornou inexigível a prestação de alimentos por sua parte. No despacho saneador, o juíz do TJB julgou improcedente tal excepção peremptória.

      Inconformado com a decisão, recorreu C para o Tribunal de Segunda Instância (TSI). O TSI julgou procedente este recurso interposto pelo C, revogando a decisão recorrida constante do despacho saneador e a sentença final recorrida, e determinou a remessa dos autos ao TJB a fim de ser seleccionada a matéria de facto pertinente para a apreciação da excepção deduzida pelo C, procedendo-se eventualmente à audiência de julgamento e à subsequente aplicação de direito.

      Inconformados A e B, recorreram para o Tribunal de Última Instância (TUI).

      O TUI conheceu do caso. O Tribunal Colectivo indicou que é uma obrigação principal dos pais prestar alimentos aos filhos, que só ficam desobrigados nos casos expressamente previstos. Com a maioridade dos filhos, cessa em princípio o poder paternal e, consequentemente, o dever dos pais de prestar alimentos aos filhos. No entanto, o legislador faz subsistir tal obrigação após a maioridade ou emancipação dos filhos, face à incapacidade económica dos filhos maiores para prover ao seu sustento e educação. Esta obrigação excepcional tem um carácter temporário, que pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete. Resulta da factualidade assente que os autores já atingiram a maioridade e continuam o seu estudo no Canadá, onde não trabalham. Daí que os seus pais têm, em princípio, a obrigação legal de prover ao sustento dos filhos e de assumir as despesas relativas à sua segurança, saúde e educação, nos termos do art.º 1735.º do Código Civil.

      No entanto, os alimentos têm que obedecer a um critério de razoabilidade, que na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento, no que concerne a esta razoabilidade, é necessário que, no circunstancialismo concreto do caso, seja justo e sensato exigir dos pais a continuação da contribuição a favor dos filhos já de maioridade, sendo que a prestação alimentar tem de ser razoavelmente proporcionada aos meios económicos dos pais e criteriosamente proporcional às necessidades dos filhos. Há que chamar ainda à colação o disposto na al. c) do n.º 1 do art.º 1854.º do Código Civil, segundo o qual a violação grave dos seus deveres por parte do credor para com o obrigado faz cessar a obrigação de prestar alimentos. Os deveres aludidos abrange evidentemente o dever de respeito, previsto no art.º 1729 do Código Civil, que se trata dum dever dos filhos para com os seus pais.

      O Tribunal Colectivo afirmou que, na sociedade de Macau onde a maioria da população é chinesa, o respeito dos filhos para com os pais também é um valor ético essencial. É difícil de aceitar que os filhos maiores que não cumpram devidamente o dever de respeito para com os seus pais possam ainda exigir estes a prestar alimentos, continuando a sustentá-los. Não se trata duma concepção plausível. Daí que, se os filhos maiores violarem gravemente o dever de respeito para com os pais, estes ficam desobrigados de prestar alimentos.

      Face ao exposto, o Tribunal Colectivoacordou em negar provimento ao recurso, com manutenção da decisão recorrida.

      Cfr. o acórdão do processo n.º 33/2016 do Tribunal de Última Instância.

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

26/07/2016