Situação Geral dos Tribunais

Croupier que furtou fichas cometeu crime de abuso de confiança, foi punido com a penalidade aplicável ao crime de peculato

     Desde meados de Outubro de 2013 até 17 de Janeiro de 2014, o arguido com dezenas outras pessoas apropriaram-se as fichas de jogo pertencentes ao casino onde ele trabalhava. O Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base condenou o arguido pela prática em autoria material, na forma consumada, e em concurso, de 76 crimes de peculato, previstos e puníveis  pelos artigos 340.º, n.º 1 e 336.º, n.º 2, alínea c), do Código Penal, nas penas de 1 ano e 3 meses de prisão por cada um; 3 crimes de peculato de valor diminuto, previstos e puníveis pelos artigos 340.º, n.º 2 e 336.º, n.º 2, alínea c), do Código Penal, nas penas de 7 (sete) meses de prisão por cada um. Sendo condenado, em cúmulo jurídico, na pena única de 6 anos de prisão. Inconformado com a decisão, recorreu o arguido para o Tribunal de Segunda Instância.

     O Tribunal Colectivo do Tribunal de Segunda Instância (TSI), por Acórdão de 26 de Maio de 2016, julgou parcialmente procedente o recurso interposto pelo arguido e condenou-o pela prática em autoria material, na forma consumada de 1 crime de peculato, previsto e punível pelos artigos 340.º, n.º 1 e 198.º, n.º 2, alínea a), do Código Penal, na pena de 4 anos e 3 meses de prisão.

     Ainda inconformado, o arguido recorreu para o Tribunal de Última Instância (TUI), suscitando as seguintes questões: O crime de peculato integra as condutas subsumíveis aos crimes de furto e de abuso de confiança; O disposto no artigo 198.º, n.º 2, alínea a), do Código Penal, não era aplicável ao recorrente, já que a sua conduta integra um abuso de confiança e não um furto, face aos factos provados, pelo que a conduta do arguido deveria ter sido punida pela norma do artigo 340.º, n.º 1, do Código Penal, uma vez que o abuso de confiança de valor consideravelmente elevado é punido com a mesma pena abstracta do peculato, de 1 a 8 anos de prisão, nos termos do artigo 199.º, n.º 4, alínea b) do Código Penal; aplicando os critérios de escolha da medida da pena utilizados pelo acórdão recorrido, deve ser aplicada ao recorrente uma pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução.

     Finda a apreciação da causa, entendeu o Tribunal Colectivo do Tribunal de Última Instância que:O arguido foi condenado pela prática de um crime de peculato, mas punível com a penalidade aplicável ao crime de furto qualificado. Pretende a condenação pelo crime de abuso de confiança qualificado. Impõe-se, por isso, apurar os elementos constitutivos dos tipos criminais em causa. Entre o peculato e o abuso de confiança há uma relação de concurso aparente de especialidade, aplicando-se o tipo legal de peculato, por ser um crime especial pela qualidade do agente. Entre o peculato e o furto simples sucede o mesmo, por idênticas razões. Já quanto ao crime de furto qualificado a relação com o peculato é de concurso aparente de subsidiariedade expressa, não se aplicando a penalidade do peculato, mas a do furto qualificado, mais grave, face ao disposto na parte final do n.º 1 do artigo 340.º do Código Penal. No caso dos autos o arguido, croupier, mancomunado com outros, apropriou-se sempre de fichas de jogo pertencentes à sua entidade patronal, que estavam na sua posse, como instrumento de trabalho e como produto do trabalho. Logo, os factos integram os elementos do crime de abuso de confiança, sendo aplicável, pelas razões atrás mencionadas, a pena do crime previsto e punível pelo n.º 1 doartigo 340.º do Código Penal (crime de peculato). O crime é punível com a penalidade de 1 a 8 anos de prisão. Ponderando estas circunstâncias, entendeu o Tribunal Colectivo que devia ser-lhe aplicada a pena de 3 anos e 9 meses de prisão.

     Face ao expendido, o Tribunal Colectivo julgou parcialmente procedente o recurso e, condenou o arguido como autor de um crime de peculato, previsto e punível pelo n.º 1 do artigo 340.º do Código Penal, na pena de 3 anos e 9 meses de prisão.

     Cfr. o acórdão do processo n.º 42/2016 do Tribunal de Última Instância.

 

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

03/08/2016