Situação Geral dos Tribunais

Menor não pode adquirir o direito de residência permanente em Macau pelo facto de ter sido adoptado por residentes permanentes

      O menor C nasceu em Macau em 2011. É filho biológico nascido em Macau da cidadã estrangeira, não portuguesa, sem direito de residência em Macau e de pai desconhecido. Posteriormente, o menor foi adoptado por uma cidadã portuguesa, que interpôs o recurso contencioso, e pelo seu marido, também de nacionalidade portuguesa, ambos não nascidos em Macau, mas residentes permanentes da RAEM, adopção decretada em 2014 por tribunal da RAEM.

      Em 07/08/2014, a Recorrente requereu à DSI a emissão do bilhete de identidade de Residente Permanente a favor do seu filho adoptivo, o que foi indeferida. Inconformada com a decisão do indeferimento, recorreu hierarquicamente para a Secretária para a Administração e a Justiça. Em 14/01/2015, foi indeferido por despacho da Secretária para a Administração e a Justiça.

      A recorrente interpôs recurso contencioso de anulação do despacho da Secretária para a Administração e Justiça ao Tribunal de Segunda Instância (TSI).

      Em 12/05/2016, O Tribunal Colectivo do TSI deu provimento ao recurso e anulou o acto recorrido.

      Inconformada, interpôs a Secretária para a Administração e Justiça recurso jurisdicional para o Tribunal de Última Instância (TUI), alegando que, à data do nascimento do menor nenhum dos pais biológicos era residente permanente de Macau, e a adopção foi rejeitada para efeitos da aquisição directa da residência permanente, já que os filhos biológicos não foram equiparados aos filhos adoptivos pela Lei Básica.

      Apreciando o mérito da causa, entendeu o Tribunal de Última Instância que:

      Está em causa saber se o filho adoptivo da cidadã portuguesa, que interpôs o recurso contencioso, e do seu marido, também cidadão português, tem direito à residência permanente na Região Administrativa Especial de Macau só por ser filho adoptivo de pessoas com direito à residência permanente.

      O presente caso tem uma peculiaridade, que é a de a pretensão dos pais adoptivos se ter fundamentado na alínea 6) do parágrafo 2.º do artigo 24.º da Lei Básica, que se refere a filhos de estrangeiros não portugueses, quando os pais adoptivos têm a nacionalidade portuguesa. E na mesma norma se baseou o acórdão recorrido para anular o acto recorrido.

      Os interessados fundamentaram-se em tal norma, certamente, porque consideram que ela lhes daria mais direitos que se se baseassem na norma que se refere aos pais portugueses. A fazermos uma interpretação literal da norma pareceria ser assim. Mas não é, face à interpretação lógica e racional do artigo 24.º da Lei Básica.

      É sabido que o artigo 24.º da Lei Básica atribui direitos de residência com base em vários factores atributivos: a nacionalidade dos interessados (chinesa, portuguesa e todas as outras), o local de nascimento dos interessados, a residência habitual em Macau durante pelo menos sete anos consecutivos, a filiação dos interessados.

      No que concerne à nacionalidade, o artigo 24.º da Lei Básica concede mais vastos direitos de residência permanente aos cidadãos chineses, num segundo patamar aos cidadãos de nacionalidade portuguesa e num terceiro nível aos cidadãos de outras nacionalidades. Isso decorre da interpretação conjugada das várias alíneas do parágrafo 2.º deste artigo 24.º, segundo opinião geral e comum pacífica. Não carece de demonstração.

      Pelo que toca aos filhos de residentes permanentes, pelas mesmas razões, o mesmo artigo 24.º da Lei Básica também concede mais direitos de residência permanente aos filhos de cidadãos chineses, a seguir aos filhos de cidadãos portugueses e por fim aos filhos de cidadãos de outras nacionalidades.

      Se interpretássemos literalmente (como faz a interessada e o acórdão recorrido) a alínea 6) do parágrafo 2.º do artigo 24.º da Lei Básica, teríamos que bastaria um filho, de idade inferior a 18 anos, de residente permanente (este não chinês nem português) ter nascido em Macau para ter direito à residência permanente, mesmo que à data do nascimento os seus pais não fossem residentes permanentes.

      Tal interpretação seria absurda dado que, de acordo com o artigo 24.º em análise, os filhos nascidos em Macau dos residentes permanentes chineses (não nascidos em Macau) e portugueses (mesmo que nascidos em Macau), não têm direito à residência permanente, se à data do nascimento os seus pais não tivessem direito de residência em Macau.

      Assim, a tese do acórdão recorrido de que, de acordo com o artigo 24.º da Lei Básica, um menor, nascido em Macau, com nacionalidade estrangeira não portuguesa, filho de residentes permanentes estrangeiros não portugueses, tem direito à residência permanente, mesmo que o pai ou a mãe, à data do seu nascimento, não tinham adquirido o direito de residência em Macau, é patentemente incorrecta.

      Por isso mesmo, a correcta interpretação do artigo 24.º da Lei Básica é a feita pelo artigo 1.º da Lei n.º 8/1999. Face a este preceito [concretamente a alínea 10) do n.º 1] os filhos dos residentes permanentes referidos na alínea 9) - isto é, daqueles residentes sem nacionalidade chinesa ou portuguesa e sem ascendência chinesa e portuguesa - nascidos em Macau, de idade inferior a dezoito anos, têm direito à residência permanente, se à data do seu nascimento, o pai ou a mãe satisfazia os critérios previstos na alínea 9), isto é, já tinham os requisitos para serem residentes permanentes.

      No caso em apreço, os pais adoptivos do menor não integram a categoria das pessoas mencionadas na alínea 9) porque são portugueses. E a mãe biológica também não a integra porque não era residente de Macau. Ora, mesmo que se aplicasse a alínea 10) ao caso dos autos, à data do seu nascimento, a mãe biológica do menor dos autos não satisfazia os critérios previstos na alínea 9), isto é, não era residente permanente e o seu pai biológico é desconhecido. É que, para efeitos desta norma o que releva é a filiação biológica, porque é essa que existe “à data do seu (do menor) nascimento”. A filiação adoptiva não existe no momento do nascimento. É que os cidadãos portugueses, que adoptaram o menor, só são legalmente seus pais a partir da data do trânsito em julgado da sentença que decretou a adopção. À data do nascimento do menor os seus pais eram os seus pais biológicos. Nenhuma norma do Ordenamento Jurídico de Macau permite fazer retroagir os efeitos da adopção ao momento do nascimento, sendo que a adopção dos autos teve lugar mais de três anos depois do nascimento.

      Por outro lado, sendo o menor português, nascido em Macau, tendo aqui o seu domicílio permanente, só teria direito à residência permanente, nos termos da alínea 7) do n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 8/1999, se à data do seu nascimento, o pai ou a mãe residissem legalmente ou tivessem adquirido o direito de residência em Macau, sendo que, nos termos da alínea 5) do n.º 2 do artigo 4.º da mesma Lei n.º 8/1999, considera-se que um indivíduo não reside em Macau se permanece em Macau, por exemplo, na qualidade de trabalhador não residente ou de turista ou está em Macau ilegalmente. Ou seja, também de acordo com a alínea 7) do n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 8/1999, o menor em causa não tem direito à residência permanente.

      É, portanto, completamente irrelevante discutir a equiparação ou não do estatuto de filho adoptivo ao filho biológico na Lei Básica porque não é isso que está em causa de acordo com as normas pertinentes, sendo que se trata de acto administrativo vinculado, isto é, em que a Administração não tem margem de livre apreciação. Merece, portanto, provimento o recurso.

      Face ao expendido, concedem provimento ao recurso jurisdicional, revogam o acórdão recorrido e negam provimento ao recurso contencioso.

      Cfr. Acórdão do Tribunal de Última Instância, no Processo n.º 72/2016.

 

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

13/01/2017