Situação Geral dos Tribunais

O dinheiro apreendido deve ser devolvido ao seu proprietário no momento da apreensão quando o arguido for absolvido

      Em 2 de Janeiro de 2012, E e a sua esposa, o seu irmão mais novo e duas pessoas amigas entraram em Macau para virem jogar nos casinos.Na noite do próprio dia, E entregou HKD$2.000.000,00 em numerário a F para trocar em fichas de jogo.F depositou os HKD$2.000.000,00 em numerário na conta aberta por H, na Sala VIP de jogo J do Hotel Galaxy, para liquidar uma dívida anterior contraída nesta Sala VIP por H, e ficou a aguardar que fosse autorizada a emissão de um outro marker no valor de HKD$3.000.000,00, o que não veio a acontecer.Em 3 de Janeiro de 2012,E deduziu participação criminal na Polícia Judiciária (PJ). A PJ instaurou inquérito criminal, e nesse dia, a pedido dos agentes da PJ, uma gerente da Sala VIP de jogo J trocou fichas da Sala VIP por numerário no montante de HKD$2.000.000,00, e entregou as notas aos agentes da PJ, que as apreenderam à ordem dos autos.

      O Ministério Público deduziu acusação contra H, pela prática de um crime de abuso de confiança, previsto e punível pelo artigo 199.º, n.º 4, alínea b), em conjugação com o n.º 1, do Código Penal. Em 13 de Março de 2015, H foi absolvida pelo Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base. Em 13 de Abril de 2015, a sentença absolutória transitou em julgado. Em 10 de Novembro de 2015, o Juiz titular do processo proferiu despacho, indicando que “a quantia apreendida no valor de HKD$2.000.000,00 foi entregue a F, por assistente E, para trocar em fichas de jogo. Não se demonstrou que o assistente entregou esta quantia a F para liquidar a sua dívida para com a Sala VIP de jogo, isso quer dizer que, o comportamento de F não correspondia à intenção do assistente. Bem como no julgamento de audiência, o assistente manifestou que a quantia referida foi entregue a F para trocar em fichas de jogo, em vez de liquidar a dívida por F. Portanto, o assistente deve ser considerado o proprietário do dinheiro apreendido na página 80 dos autos, e dado que não se provou que o mesmo proviesse da prática de crime, este Tribunal decide devolver o mencionado dinheiro ao assistente E.”

      Inconformada, D, que é a proprietária da Sala VIP de jogo J, recorreu para o Tribunal de Segunda Instância (TSI). Por Acórdão de 16 de Fevereiro de 2017, oTSI negou provimento ao recurso. Ainda inconformada, D recorreu para o Tribunal de Última Instância (TUI).

      O TUI conheceu do caso.

      Primeiramente, o Tribunal Colectivo pronunciou-se sobre a recorribilidade do acórdão recorrido, entendendo que, de acórdãos do Tribunal de Segunda Instância em processo penal, é admissível recurso para o Tribunal de Última Instância de decisão em que estejam em causa interesses económicos, quando a decisão seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade da alçada do primeiro daqueles tribunais, ou seja, de MOP$500.000,00, por aplicação analógica do n.º 2 do artigo 390.º do Código de Processo Penal.

      Relativamente à propriedade do dinheiro apreendido, o Tribunal Colectivo indicou que, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 166.º do Código de Processo Penal, o dinheiro legitimamente recebido por terceiro se provier da prática de crime pode ser apreendido para ser entregue, oportunamente, ao legítimo proprietário. No entanto, a questão é que no caso dos autos o processo penal findou, por absolvição da única arguida. Há apurar a quem pertencia o dinheiro, quando se procedeu à sua apreensão. No caso, a quantia apreendida foi levantada da conta bancária da recorrente, por uma sua funcionária, para entregar à PJ, a pedido ou por ordens dos agentes da PJ. Uma quantia semelhante à apreendida foi depositada em conta bancária da recorrente por F, no dia anterior ao da entrega à PJ, para pagar uma dívida de H para com a recorrente. É provável que a quantia utilizada para pagar a dívida de H para com a ora recorrente fosse do E. Mas terá este de pedir a quantia a F ou H ou aos dois ou demandá-los se estes não lhe entregarem o dinheiro, se ocorreu incumprimento contratual por parte de F ou de H ou dos dois em face de E. Não é questão que cumpra resolver no processo penal em que a arguida foi absolvida. A recorrente é estranha a tal discussão dado que a quantia apreendida proveio dos seus cofres, sendo que a quantia semelhante foi depositada para pagar dívida para com ela. Donde, a quantia apreendida pertencia à recorrente aquando da apreensão.

      Face ao expendido, o Tribunal Colectivo concedeu provimento ao recurso e determinou a entrega da quantia apreendida à recorrente.

      Cfr. Acórdão do processo n.º 23/2017 do Tribunal de Última Instância.

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

27/06/2017