Situação Geral dos Tribunais

Foi proferida a decisão em última instância sobre o caso de seis polícias, a pena mais alta atingiu os 18 anos de prisão

   A (1.º arguido), E (2.º arguido), B (3.º arguido), F (4.º arguido), C (5.º arguido) e G (6.º arguido) eram guardas do CPSP, desempenhavam respectivamente as funções de subchefe, guarda principal, subchefe, guarda principal, guarda e chefe. Foi deduzida a acusação pelo Ministério Público contra os seis arguidos por terem praticado actos ilícitos tais como: fornecer auxílio às pessoas que estavam interditas de entrar na Região, para entrarem e sairem ilegalmente de Macau, e abrigar aquelas pessoas em sua permanência em Macau, recebendo assim “custas para a passagem” e “custas por protecção”; cancelar e atrasar, através de meios ilícitos, a instauração de processos de interdição de entrada na Região contra aqueles indivíduos que teriam incorrido em delitos em Macau, cancelar as medidas de intercepção, recebendo assim vantagem patrimonial; revelar a outrem informações, obtidas através do seu desempenho de funções, sobre a operação policial de inspecção e a intercepção ou não de um determinado indivíduo, o respectivo registo de entrada e saída e o estado do processo envolvido por aquele; ajudar, através de meios ilícitos, os indivíduos que teriam incorrido em delito em Macau, para não cumprir a pena ou medida de segurança.

   O TJB julgou parcialmente procedente a acusação do Ministério Público contra os arguidos, através de julgamento, decidindo condenar:

   1.º arguido, pela prática de 1 crime de auxílio p. p. pelo art.º 14.º, n.º 1 e 23.º da Lei n.º 6/2004, na pena de 6 anos de prisão; 1 crime de corrupção passiva para acto ilícito p. p. pelo art.º 337.º, n.º 1 do Código Penal de Macau, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão; 1 crime de corrupção passiva para acto lícito p. p. pelo art.º 338.º, n.º 1 do Código Penal de Macau, na pena de 9 meses de prisão; 1 crime de acolhimento p. p. pelo art.º 15.º, n.º 1 e 23.º da Lei n.º 6/2004, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão; 20 crimes de violação de segredo p. p. pelo art.º 348.º, n.º 1 do Código Penal de Macau, na pena de 1 ano de prisão cada e 2 crimes de abuso de poder p. p. pelo art.º 347.º do Código Penal de Macau, na pena de 1 ano de prisão cada. Em cúmulo dos 26 crimes cometidos, foi o 1.º arguido condenado na pena única de 15 anos de prisão efectiva.

   2.º arguido, pela prática de 2 crimes de favorecimento pessoal p. p. pelo art.º 331.º, n.º 1 do Código Penal de Macau, na pena de 1 ano de prisão cada; 7 crimes de violação de segredo p. p. pelo art.º 348.º, n.º 1 do Código Penal de Macau, na pena de 1 ano de prisão cada; 1 crime de favorecimento pessoal praticado por funcionário de p. p. pelo art.º 332.º do Código Penal de Macau, conjugado com o art.º 331.º n.º 1, na pena de 2 anos de prisão; 4 crimes de corrupção passiva para acto ilícito p. p. pelo art.º 337.º, n.º 1 do Código Penal de Macau, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão cada; 1 crime de abuso de poder p. p. pelo art.º 347.º do Código Penal de Macau, na pena de 1 ano de prisão e 1 crime de burla de valor elevado na forma tentada p. p. pelo art.º 211.º, n.º 3 do Código Penal de Macau, na pena de 9 meses de prisão. Em cúmulo dos 16 crimes cometidos, foi o 2.º arguido condenado na pena única de 11 anos de prisão efectiva.

   3.º arguido, pela prática de 1 crime de auxílio p. p. pelo art.º 14.º, n.º 1 e 23.º da Lei n.º 6/2004, na pena de 6 anos de prisão; 1 crime de corrupção passiva para acto ilícito p. p. pelo art.º 337.º, n.º 1 do Código Penal de Macau, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão e 9 crimes de violação de segredo p. p. pelo art.º 348.º, n.º 1 do Código Penal de Macau, na pena de 1 ano de prisão cada. Em cúmulo dos 11 crimes cometidos, foi o 3.º arguido condenado na pena única de 9 anos de prisão efectiva.

   4.º arguido, pela prática de 1 crime de corrupção passiva para acto ilícito p. p. pelo art.º 337.º, n.º 1 do Código Penal de Macau, na pena de 3 anos e 3 meses de prisão e 1 crime de abuso de poder p. p. pelo art.º 347.º do Código Penal de Macau, na pena de 1 ano de prisão. Em cúmulo 2 crimes cometidos, foi o 4.º arguido condenado na pena única de 4 anos de prisão efectiva.

   5.º arguido, pela prática de 1 crime de auxílio p. p. pelo art.º 14.º, n.º 1 e 23.º da Lei n.º 6/2004, na pena de 6 anos de prisão e 1 crime de corrupção passiva para acto ilícito p. p. pelo art.º 337.º, n.º 1 do Código Penal de Macau, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão. Em cúmulo dos 2 crimes cometidos, foi o 5.º arguido condenado na pena única de 7 anos e 6 meses de prisão efectiva.

   6.º arguido, pela prática de 1 crime de corrupção passiva para acto ilícito p. p. pelo art.º 337.º, n.º 2 do Código Penal de Macau, na pena de 1 ano e 3 meses de prisão e 1 crime de corrupção passiva para acto lícito p. p. pelo art.º 338.º, n.º 1 do Código Penal de Macau, na pena de 9 meses de prisão. Em cúmulo dos 2 crimes cometidos, foi o 6.º arguido condenado na pena única de 1 ano e 9 meses de prisão efectiva.

   Inconformados os 6 arguidos e o Ministério Público, recorreram para o Tribunal de Segunda Instância (TSI).

   O TSI conheceu do caso e considerou demasiado leve a pena de 6 anos de prisão pelo crime de auxílio, fixando-se aos 1.º, 3.º e 5.º arguidos a pena de 8 anos de prisão; bem como considerou leves as penas únicas aplicadas aos 1.º, 2.º, 3.º e 5.º arguidos, em cúmulo jurídico, respectivamente 15 anos, 11 anos, 9 anos e 7 anos e 6 meses de prisão efectiva, passam a ser 18 anos, 12 anos e 6 meses, 11 anos e 9 anos de prisão efectiva; mantendo o restante do acórdão recorrido.

   Inconformados os 1.º, 3.º e 5.º arguidos, recorreram para o Tribunal de Última Instância (TUI), suscitando duas questões que há concurso aparente entre o crime de auxílio e o de corrupção passiva para acto ilícito, e a medida da pena excessiva.

   O TUI conheceu do caso. O Tribunal Colectivo indicou que o concurso aparente consiste na subsunção formal dos factos a uma pluralidade de tipos criminais, sendo a aplicação de um desses tipos incriminadores suficiente para punir o facto. No concurso aparente, o que se verifica entre as diversas disposições do direito criminal é uma relação de hierarquia e subordinação, no sentido de que a aplicação de algumas delas exclui, sob certas circunstâncias, a possibilidade de eficácia cumulativa de outras. Essa relação de hierarquia e subordinação apresenta-se geralmente em várias modalidades: especialidade, consumpção, subsidiariedade, alternatividade e consumpção impura. Neste caso, entretanto, entre os crimes de auxílio e de corrupção passiva, não existe nenhuma das relações acima indicadas.

   O Tribunal Colectivo salientou que, não se vê a alegada unidade de facto qualificável como crime por normas incriminadoras que concorram na sua qualificação jurídica plúrima: os recorrentes foram condenados pelo crime de auxílio porque forneceram auxílio para a entrada ilegal em Macau dum indivíduo que se encontrava proibido de entrar, e a sua condenação pelo crime de corrupção passiva baseou-se no facto de que eles prestaram abrigo a tal indivíduo aquando da sua permanência em Macau e ajudaram o mesmo indivíduo a sair ilegalmente de Macau, tendo solicitado para si ou para terceiros vantagem patrimonial, indevida, como contrapartida das condutas praticadas contrárias aos seus deveres do cargo. Daí que, mesmo tomando em consideração a solicitação pelos recorrentes da vantagem patrimonial como contrapartida do auxílio prestado também para a entrada ilegal daquele indivíduo, certo é que não se pode falar de total coincidência e unidade de factos que fundamentaram a condenação pelos dois crimes nem afirmar que tais factos tiveram lugar no mesmo dia, horas e local. Para além disso, os valores protegidos pelas normas incriminadoras destes dois crimes são bem diferentes: a punição do crime de auxílio tem em vista a inerente necessidade de efectivo controle de entrada e permanência no território e a salvaguarda da segurança de Macau, enquanto no caso de corrupção passiva o bem jurídico consiste na autonomia intencional do Estado, para além de prestígio e dignidade do Estado, ou a integridade do exercício das funções públicas pelos funcionários. Logo, verificado, sem dúvida, o concurso real entre o crime de auxílio e o de corrupção passiva para acto ilícito, improcedem os recursos, nesta parte.

   Em relação à medida da pena, o Tribunal Colectivo indicou que: não resultam dos autos quaisquer circunstâncias que militem a favor dos recorrentes, com excepção de serem delinquentes primários; os recorrentes não confessaram os factos, não mostrando qualquer arrependimento em relação à prática dos crimes; são grave os factos ilícitos e o dolo é intenso; são prementes as exigências de prevenção geral, impondo-se prevenir a prática dos crimes em causa; a conduta dos recorrentes põe em crise a confiança e a expectativa dos cidadãos numa administração pública que sirva com neutralidade, objectividade e eficácia os interesses públicos gerais, prejudicando gravemente o prestígio e a imagem das Forças de Segurança de Macau. Tudo ponderado, o Tribunal Colectivo entendeu que não se afigura excessivas as penas parcelares aplicadas aos recorrentes. Também não se mostram violadas as regras estabelecidas no n.º 1 do art.º 71.º do Código Penal de Macau para a fixação da pena única resultante do cúmulo jurídico das penas parcelares.

   Face ao expendido, o TUI negou provimento aos recursos, mantendo a condenação do TSI.

   Vide os Acórdãos do TUI, Processo n.º 78/2017 e do TSI, Processo n.º 638/2017.

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

07/12/2017