Situação Geral dos Tribunais

TSI conheceu, em parte, dos recursos interpostos por dois dos arguidos no processo conexo ao do ex-Procurador

    No dia de 15 de Agosto de 2017, o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base procedeu à leitura do acórdão de 1ª instância relativo aos nove arguidos no processo conexo ao do ex-Procurador, tendo condenado o 1º arguido Wong Kuok Wai, o 2º arguido Mak Im Tai, o 3º arguido Ho Chiu Shun, o 4º arguido Lei Kuan Pun, a 8ª arguida Wang Xiandi e a 9ª arguida Chao Sio Fu, respectivamente nas penas de prisão de 14, 12, 13, 12, 6 e 2 anos (suspensa na sua execução por 3 anos e 6 meses), e absolvido o 5º arguido Lam Hou Un, o 6º arguido Lai Kin Ian e o 7º arguido Chan Ka Fai.

    Os 1º, 2º e 4º arguidos, e o Ministério Público não se conformaram, vindo recorrer para o Tribunal de Segunda Instância. Atendendo à complexidade das circunstâncias do caso, e ao facto de os 1º e 2º arguidos se encontrarem em prisão preventiva, o Tribunal Colectivo do TSI pronunciou-se primeiro sobre os fundamentos de recurso invocados por estes dois arguidos em torno dos crimes de associação/sociedade secreta, de burla de valor consideravelmente elevado e de branqueamento de capitais agravado.

  Seguem os principais argumentos dos dois recorrentes: 1) No que diz respeito aos crimes de associação/sociedade secreta, o acórdão a quo não esclareceu os elementos necessários à construção duma associação criminosa, isto é, o “elemento organizativo”, o “elemento de estabilidade associativa” e o “elemento da finalidade criminosa”, tampouco explicou o elemento constitutivo de “especial perigosidade”, o que conduz à sua nulidade;2) No tocante aos crimes de burla de valor consideravelmente elevado, as três fracções em questão só começaram a ser utilizadas pelas empresas do recorrente Wong Kuok Wai desde 2006, e foram destinadas efectivamente ao trabalho de microfilmagem, que não foi um pretexto, daí que, em vez de um crime, se trate, quando muito, de um abuso de poder por parte do Ho Chio Meng; 3) No concernente aos 17 crimes de branqueamento de capitais agravados, desde que as empresas em causa depositaram no banco os cheques recebidos do Gabinete do Procurador, até que foram essas quantias transferidas às contas bancárias individuais dos recorrentes Wong Kuok Wai e Mak Im Tai, em momento algum deste processo houve dissimulação, devendo os recorrentes ser absolvidos dos crimes de branqueamento de capitais agravados; 4) Os vários crimes de branqueamento de capitais agravados por que foram os recorrentes condenados devem ser punidos como crime continuado.

    O Tribunal de Segunda Instância conheceu dos fundamentos supracitados.

    No que se refere aos elementos constitutivos da associação/sociedade secreta, o Tribunal Colectivo indicou que, quanto ao elemento organizativo, Ho Chio Meng actuou em conjugação de esforços e distribuição de tarefas com Wong Kuok Wai e Mak Im Tai, entre outros, sendo que aqueles eram responsáveis por criar empresas diversas e tratar dos assuntos associados ao seu funcionamento, ao passo que o papel do Ho Chio Meng era dar instruções, por diferentes vias, aos funcionários do Gabinete do Procurador, mandando adjudicar às empresas por aqueles criadas um grande número de contratos, de espécies variadas, do Gabinete do Procurador. Não há dúvida que já se formou uma associação, um grupo, em que cada um dos membros tinha o seu próprio papel, agindo de comum acordo e em conjugação de esforços com outros, enquanto Ho Chio Meng desempenhava uma função nuclear, isto é, actuava como chefe e dirigente, com o que se verifica o elemento organizativo exigido ao crime relativo.

    O elemento de estabilidade associativa também resulta claro dos factos dados como provados pelo Tribunal Colectivo. Durante mais de dez anos, as empresas em questão dedicaram-se exclusivamente aos contratos adjudicados pelo Gabinete do Procurador, sem ter mais nenhuma actividade, o que torna indubitável a estabilidade da associação composta por Ho Chio Meng, Wong Kuok Wai, Mak Im Tai e outras pessoas. Está completamente preenchido o elemento de estabilidade para a constituição do crime.

   Quanto ao elemento de finalidade criminosa, nota-se que Ho Chio Meng, aproveitando-se dos poderes funcionais do Procurador, manipulava o procedimento de adjudicação dos diferentes tipos de contratos do Gabinete do Procurador, fazendo com que às empresas em causa fosse adjudicado, com êxito, um grande número de contratos, tendo obtido desta maneira benefícios ilícitos. Ao mesmo tempo, ele transferiu os referidos benefícios ilícitos, com intenção de dissimular a sua natureza e origem ilícitas. Não resta dúvida de que a respectiva associação foi criada e permanecia para obter benefícios económicos ilícitos.

    Por fim, quando praticaram condutas criminosas em nome da associação, os seus membros consideravam-nas legítimas. Devido a esse “carácter organizativo”, era difícil destruir a perspectiva dos membros da associação de estarem acima da disciplina e lei, e os seus espíritos de fidelidade e união, ficando, assim, estabelecido entre eles, um conjunto de regras de condutas próprias, que representa uma “especial perigosidade”. Portanto, não pode proceder nenhum dos fundamentos de recurso acima referidos.

    Acerca dos crimes de burla de valor consideravelmente elevado, o Tribunal Colectivo afirmou ser falsa a alegação de que as três fracções em causa só começaram a ser utilizadas pelas empresas do Wong Kuok Wai a partir de 2006. Na verdade, pelo menos desde Abril de 2004, o aludido sítio já servia como local de trabalho das empresas do Wong Kuok Wai, e nunca foi destinado à microfilmagem. A conduta dos dois recorrentes não se traduz no mero abuso dos poderes inerentes às funções exercidas com vista à obtenção de benefícios ilegítimos, mas antes, consiste no emprego de “astúcia”, através do qual determinaram o Gabinete do Procurador a tomar de arrendamento as fracções em causa na errónea convicção de que se destinariam as mesmas ao trabalho de microfilmagem. A conduta dos recorrentes vai além do âmbito do “abuso de poder”, e preenche perfeitamente o tipo legal do “crime de burla de valor consideravelmente elevado”, uma vez que invocaram, intencionalmente, factos falsos para enganar o pessoal do Gabinete do Procurador e, em particular, recorrendo à astúcia, determinaram a tesouraria a conceder benefícios patrimoniais que eram fundos públicos, pagando, em proveito deles, as rendas no valor total de MOP$3.327.804. Nestes termos, igualmente improcede este fundamento de recurso.

    No que se reporta aos crimes de branqueamento de capitais agravados, conforme adiantado pelo Tribunal Colectivo, os recorrentes Wong Kuok Wai e Mak Im Tai, assim como outros arguidos, através das empresas em causa e das contas bancárias criadas em nome individual, por seis vias diferentes, recebiam e transferiam os lucros provenientes dos contratos adjudicados pelo Gabinete do Procurador, os quais acabavam por entrar nas contas bancárias ou projectos de investimento no alcance do controlo do Ho Chio Meng. Independentemente do meio utilizado, detectaram-se transferências de bens manifestamente ilícitos, que se realizaram, sem excepção, mediante o normal funcionamento das instituições bancárias e financeiras, procurando-se lavar, de diferentes maneiras, os bens manifestamente ilícitos. Os comportamentos deles já prejudicaram o funcionamento normal do sistema de circulação financeira, consubstanciando o crime branqueamento de capitais agravado. Por isso, o recurso improcede também nesta parte.

    Por último, relativamente ao argumento dos recorrentes de que se devem punir os diversos comportamentos de branqueamento de capitais agravado como crime continuado, segundo entendeu o Tribunal Colectivo, o Tribunal a quo não determinou o número de crimes com base no simples número de vezes que uma determinada conta bancária dos membros da associação criminosa se movimentou, ou seja, não se considera ter sido cometido um crime cada vez que a associação criminosa levantou ou depositou uma quantia, ou cada vez que emitiu um cheque. São havidas como um crime continuado e, portanto, punidas como um único tipo de crime, as transferências de dinheiro por eles efectuadas com a mesma conta, pela mesma forma, independentemente do número de transferências. Apenas no caso de existirem diferentes vias de lavagem de dinheiro, considera-se haver novas condutas criminosas para efeitos de determinação do número de crimes. Neste sentido, o Tribunal a quo já teve em conta o disposto no art.º 29.º, n.º 2 do Código Penal sobre o crime continuado, não podendo, pois, proceder este fundamento de recurso.

   Pelo exposto, o Tribunal de Segunda Instância julgou improcedentes os fundamentos de recurso invocados por Wong Kuok Wai e Mak Im Tai em relação aos crimes de participação em associação/sociedade secreta, de burla de valor consideravelmente elevado e de branqueamento de capitais agravado, mantendo a decisão a quo nesta parte referente aos ditos crimes. Quanto aos crimes de participação económica em negócio por que foram condenados os dois recorrentes, o Tribunal Colectivo conhecerá dessa questão juntamente com o recurso interposto pelo Ministério Público a respeito destes crimes.

    Cfr. o Acórdão do TSI, processo n.º 951/2017-I.

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

06/02/2018