Situação Geral dos Tribunais

Declarado nulo o contrato de compra do imóvel que fora vendido mesmo com a procuração extinta

A contraiu um empréstimo junto de B, no valor de MOP800.000,00 e, por seu turno, B e C que trabalhavam numa determinada sala de VIP de casino, onde também trabalhava B, concederam, em conjunto, esse empréstimo a A. Para garantir a dita dívida, A e seu cônjuge D passaram, por exigência de B, em 2 de Abril de 2003, uma procuração a B, delegando-lhe poderes para ele poder vender a fracção Y de A e D. B prometeu a A que não usaria a referida procuração e que lha devolveria aquando do pagamento integral do empréstimo e dos respectivos juros. Posteriormente, A pagou a B o empréstimo em várias prestações, tendo enfim o empréstimo sido integralmente pago no final do ano de 2003; entretanto, B recusou-se a devolver a procuração a A. Em 13 de Novembro de 2004, B outorgou, na qualidade de procurador dos proprietários da fracção Y, a escritura de compra e venda da fracção Y a E. Em 23 de Novembro de 2004, através dessa escritura, E registou, na Conservatória do Registo Predial, como propriedade sua, a fracção Y. Desde 2010, E exigiu a A e a D que desocupassem a fracção Y, mas essa pretensão foi recusada; assim, E intentou no Tribunal Judicial de Base, acção de reivindicação, requerendo o reconhecimento do direito de propriedade que o mesmo gozava sobre a fracção Y e a restituição da dita fracção. A e D deduziram reconvenção no processo, alegando que pagara, integralmente, a dívida a B e, por isso, se extinguira nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 258.º do Código Civil, a procuração e pediram a declaração de ineficácia da alienação, por escritura, da fracção Y a E. Tendo apreciado o caso, o TJB deu razão a E e julgou improcedente a reconvenção, deduzida por A e D. Inconformados, A e D recorreram para o Tribunal de Segunda Instância.

O Tribunal Colectivo do TSI conheceu do caso.

Indicou o Tribunal Colectivo que A eliminara a dívida;logo, nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 258.º do Código Civil, a procuração extinguira-se por ter cessado a relação jurídica que lhe servia de base. In casu, era imprescindível analisar se a extinção da procuração seria oponível a terceiro E. No entendimento do Tribunal Colectivo, a esta questão era aplicável o disposto no n.º 2 do art.º 259.º do Código Civil; ao abrigo dessa disposição, se E, sem culpa, tivesse ignorado as causas extintivas da procuração, a ineficácia da alienação, resultante da extinção da procuração, não poderia ser oposta a E. Ora, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 335.º do Código Civil, devido à reconvenção, deduzida por A e D, a E competiria a prova do facto de o mesmo, sem culpa, ter ignorado as causas extintivas da procuração. Sub judice, conforme a escritura de compra e venda do aludido imóvel, E, ao celebrar o referido contrato, tinha evidentemente conhecimento de que o contraente B interviera, na qualidade de procurador de A e D, no aludido acto. Por outro lado, E e C (B e C realizaram, em conjunto, o empréstimo a A) trabalhavam ambos na sala de VIP X. Da situação atrás exposta, se vislumbra de que, pelo menos, E esclareceu, de forma bastante imprudente e negligente, a questão de por que razão B interviera, na qualidade de procurador de A, na celebração do contrato, caso E tivesse ignorado realmente as causas da procuração. Não era difícil a E descobrir a extinção da procuração; bastava que o mesmo tentasse conhecer a situação. Deste modo, por comando do n.º 2 do art.º 259.º do Código Civil, interpretado a contrario sensu, as causas extintivas da procuração poderiam ser opostas a E por não se excluir que o mesmo tivesse ignorado culposamente as causas extintivas da procuração. A venda da fracção Y por B a E era indiferente ao caso por esse acto ter sido praticado por um procurador que não tinha os respectivos poderes. Ademais, na primeira instância, E argumentou na réplica, deduzida pelo Autor, que não tinha conhecimento da relação de empréstimo existente entre B e A; porém, tal tese não foi adoptada pelo TJB. Daí se verificar que não se excluía que E tivesse culpa, prevista no n.º 2 do art.º 259.º do Código Civil.

Pelas razões acima atrás, acordaram no TSI em conceder provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida e, consequentemente, em julgar improcedente a acção de reivindicação e procedente a reconvenção, declarando a ineficácia da venda da fracção Y por B a E, e decretando a anulação do respectivo registo predial.

Cfr. Acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância no processo n.º 536/2018.

 

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

02/09/2019