Situação Geral dos Tribunais

Uniformização de jurisprudência: O artigo 2.º da Lei 12/2003 aplica-se a todos os impostos, incluindo o imposto do selo

Em 19 de Junho de 2015, o Subdirector dos Serviços de Finanças proferiu despacho que autorizou a liquidação do imposto do selo sobre os 243 contratos, apresentados em 2014 pela Venetian Cotai, SA, de cedência de uso das lojas, situadas no Venetian Macau, Lotes I, II e III, no valor de MOP$18.021.392,00. A Venetian Cotai, SA, interpôs recurso contencioso dessa decisão no Tribunal Administrativo (TA), que absolveu a instância com base na irrecorribilidade do acto da liquidação.

Inconformada, a Venetian Cotai, SA, interpôs recurso jurisdicional para o Tribunal de Segunda Instância (TSI), que julgou procedente o recurso e revogou o despacho recorrido, determinando o prosseguimento dos autos no TA.

O Ministério Público e o Subdirector dos Serviços de Finanças interpuseram recurso extraordinário de uniformização da jurisprudência para o Tribunal de Última Instância (TUI), com fundamento em haver oposição deste Acórdão do TSI com o Acórdão do TUI, proferido no Processo n.º 32/2014, de 23 de Julho de 2014.

O TUI procedeu ao julgamento ampliado do recurso.

O Tribunal Colectivo indicou que o acórdão recorrido, como outras decisões do TSI, decidiu, a partir do final de 2013, que, em matéria de imposto do selo especial e de imposto do selo, o acto de liquidação, oficiosa ou adicional (ou actos que decidam da não isenção ou da incidência do imposto), do director dos Serviços de Finanças é contenciosamente recorrível, sendo, portanto, irrecorríveis os actos que conheçam de recursos hierárquicos (necessariamente facultativos) daqueles actos. No entanto, não procedeu este argumento, porque:

Primeiramente, o título da Lei n.º 12/2003 refere-se apenas à alteração do Regulamento do Imposto Profissional e do Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos; no entanto,o título ou epígrafe da lei não tem valor prescritivo, pois que só o texto da lei o faz. É que o título ou epígrafe da lei apenas anuncia, em duas ou três palavras, o que a lei contém, e não é possível, em muitos casos, fixar um título, necessariamente curto, para uma lei que pode ser extensa e tratar de muitos assuntos. Quando houver contradição entre o título e o texto da lei, é que o texto deveria prevalecer. Ademais, epígrafe por epígrafe, tem mais valor interpretativo a do artigo do que a da lei. Assim, a epígrafe do artigo 2.º da Lei n.º 12/2003refere “Competências em matéria fiscal” e não “Competências em matéria de imposto profissional e de imposto complementar de rendimentos”, o que aponta para que se aplique à generalidade das leis e regulamentos fiscais.

Em segundo, se o artigo 2.º da Lei n.º 12/2003 não revogou, expressamente, o regime de todos os impostos, no que toca ao acto contenciosamente recorrível, foi porque seria muito mais complexa a revogação expressa, já que envolvia todas as leis e regulamentos atinentes a impostos, bem como leis orgânicas. Para evitar que o legislador se esquecesse de revogar uma norma, optou ele por fixar um regime com revogação tácita de todos os regimes em contrário dos anteriores, porque julgou ele ser assim muito mais prudente. Essa é apenas uma opção legislativa, não podendo retirar-se nenhum argumento desta atitude a favor da tese do acórdão do TSI.

O Tribunal Colectivo salientou o disposto no artigo 2.º, n.º 2, da Lei 12/2003, que diz: “quando especialmente se preveja a reclamação para Comissões de Revisão”, porque o legislador sabia bem que nem em todos os impostos existe impugnação da fixação da matéria colectável perante comissão de revisão, ou até não existe esta comissão de revisão. Por isso, se o artigo 2.º se referisse apenas ao imposto profissional e ao imposto complementar de rendimentos, não fazia nenhum sentido dizer-se “quando especialmente se preveja a reclamação para Comissões de Revisão”. Porque nestes impostos, a impugnação da fixação da matéria colectável fazia-se sempre, nos termos do Regulamento do Imposto Profissional e do Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos, para as Comissões de Revisão.

Face ao exposto, o Tribunal Colectivo do TUI uniformizou a jurisprudência, fixando o seguinte entendimento: o artigo 2.º da Lei n.º 12/2003 aplica-se a todos os impostos e, por conseguinte, também, ao imposto do selo e não apenas aos impostos profissional e complementar de rendimentos.

E concedeu provimento ao recurso, revogando o acórdão recorrido para manter o despacho de 1.ª instância que rejeitou o recurso contencioso por irrecorribilidade.

Cfr. Acórdão do TUI, no Processo n.º 7/2017.

Nos termos do artigo 167.º, n.º 4, do Código do Processo Administrativo Contencioso, a referida decisão de uniformização de jurisprudência é publicada no Boletim Oficial, I Série, de 11 de Novembro de 2019, e constitui jurisprudência obrigatória para os tribunais de Macau a partir da publicação.

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

11/11/2019