Situação Geral dos Tribunais

O Tribunal Administrativo decidiu sobre o processo de recusa feita pela Associação dos Advogados de Macau de inscrição como advogado estagiário dum licenciado em Direito da Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau

      Em Junho do ano corrente, o Tribunal Administrativo procedeu ao julgamento do processo de recusa feita pela Direcção da Associação dos Advogados de Macau (A.A.M.) de inscrição como advogado estagiário dum licenciado em Direito da Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau.

      O Recorrente no processo é um licenciado em Direito que concluiu o curso na Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau em 2004, tendo requerido por duas vezes, respectivamente em 2004 e 2009, à A.A.M. a inscrição como advogado estagiário, mas foram recusados os seus requerimentos. Durante o respectivo período, o Recorrente também frequentou o “curso de adaptação” destinado especialmente aos licenciados em Direito da Universidade de Ciência de Tecnologia de Macau e ministrado pela A.A.M., com o auxílio do Centro de Formação Jurídica e Judiciária, além do Curso de Introdução ao Direito de Macau, ministrado pela Universidade de Macau.

      A Recorrida A.A.M. indicou na sua deliberação de 15 de Dezembro de 2010 que recusou o requerimento do Recorrente que: 1) A licenciatura em Direito obtida pelo Recorrente fundamenta-se no plano de estudos da Universidade de Pequim, cujo teor nuclear é ensinar o Direito do Interior da China, e as disciplinas relativas ao Direito de Macau são apenas optativas; 2) As disciplinas relativas ao Direito de Macau são leccionadas por professores que não possuem conhecimentos científicos e experiências relativamente ao Direito de Macau; 3) São usados no curso os livros relativos ao Direito do Interior da China; 4) O grau de reconhecimento e aceitação e a qualidade da Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau são postos em causa pelo Ministério da Educação do Interior da China, o qual também propõe que não sejam reconhecidas as habilitações obtidas na referida universidade; 5) No “curso de adaptação” ministrado em 2005, o Recorrente reprovou nos módulos de Direito Processual Civil I, Direito das Obrigações, Direito Penal, Teoria Geral do Direito Civil e Direito das Coisas; 6) Apesar de o Recorrente ter concluído o Curso de Introdução ao Direito de Macau ministrado pela Faculdade de Direito da Universidade de Macau, o acordo entre esta Faculdade e a A.A.M. deixou de vigorar a partir do ano 2003, e nos termos do art.º 3.º, n.º 1 do Regulamento Administrativo n.º 26/2003, recusa-se a inscrição requerida em 20 de Outubro de 2009 pelo Recorrente.

      Disso veio o Recorrente interpor recurso contencioso para o Tribunal Administrativo, pedindo para declarar a nulidade ou a anulabilidade da deliberação recorrida, e ao mesmo tempo, nos termos do art.º 24.º, n.º 1, al. a) do Código de Processo Administrativo Contencioso, condenar a entidade recorrida a admitir legalmente o Recorrente no estágio de advocacia. Entendeu o Recorrente que preencheu de forma suficiente os pressupostos para a inscrição como advogado estagiário e a participação na prova, por ser oficialmente reconhecido pela RAEM o seu grau académico, não se poder pôr em dúvida a sua qualidade e habilitação académica, e a verificação de habilitações académicas prevista pelo Regulamento Administrativo n.º 26/2003 não ser aplicável aos graduados locais.

      A Recorrida entendeu que apesar de ter obtido a licenciatura em Macau, o que o Recorrente estudou não foi o Direito de Macau, mas o Direito do Interior da China, cujo programa de curso foi organizado pela Universidade de Pequim, ou seja que apenas 7 das 38 disciplinas estiveram relacionadas com o Direito de Macau, sendo algumas delas optativas e curtas as horas de estudo; e de acordo com a declaração prestada pelo Ministério da Educação da Réplica Popular da China, o grau académico do Recorrente também não foi reconhecido no Interior da China; por isso, nos termos do art.º 3.º, n.º 2 do Estatuto do Advogado, o Recorrente não preencheu o primeiro requisito jurídico de inscrição como advogado estagiário, ou seja que não obteve a licenciatura em Direito por universidade de Macau, porque este requisito não podia ser interpretado apenas à letra, mas também foi necessário o conhecimento de grau considerável relativamente ao seu elemento histórico e pensamento lógico; pelo que segundo o Estatuto do Advogado e o Regulamento do Acesso à Advocacia, o Recorrente não preencheu o requisito jurídico previsto pelo supracitado artigo; assim teve a A.A.M. obrigação legal para, dentro do âmbito das suas competências, recusar legalmente a inscrição como advogado estagiário requerida pelo Recorrente; e ao mesmo tempo, o acto recorrido não violou a Ordem Executiva n.º 36/2000 nem o Decreto-Lei n.º 11/91/M, por ter reconhecido que o Recorrente foi licenciado em Direito do Interior da China.

      A principal questão controvertida neste processo prende-se com o conceito de “licenciatura em Direito por universidade de Macau”. Por outra palavra, a questão reside em se é correcto ou não o entendimento da entidade recorrida de que o Recorrente não possui a “licenciatura em Direito por universidade de Macau”. Analisando plena e sistematicamente as respectivas normas e os seus contextos legislativos, entende o Juiz no seguinte:

      1. Na RAEM, compete ao Governo a autorização dos cursos ministrados pelas instituições de ensino superior, a autorização ou não da atribuição de graus académicos pelas instituições de ensino superior e o reconhecimento destes. A eficácia de todos os cursos autorizados pelo Chefe do Executivo e dos graus académicos atribuídos aos alunos aprovados deve ser reconhecida dentro da RAEM e não pode ser posta em causa por outro serviço público. Pelas Ordens Executivas n.º 19/2000 e n.º 20/2000, o Chefe do Executivo autorizou a criação da Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau e aprovou os Estatutos desta. Através do art.º 1.º da Ordem Executiva n.º 36/2000, a Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau foi autorizada a leccionar o curso de licenciatura em Direito. O artigo 3.º desta Ordem Executiva aprovou a organização científico-pedagógica e o plano de estudos do referido curso de licenciatura em Direito. São reconhecidos oficialmente na RAEM o curso de licenciatura em Direito ministrado pela Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau e a licenciatura atribuída por esta.

      2. Quando um licenciado em Direito obtém a “licenciatura em Direito por universidade de Macau” prevista pelo art.º 19.º do Estatuto do Advogado, e preenche os requisitos do art.º 20.º e das alíneas a), c) e d) do n.º 1 do art.º 4.º do Regulamento do Acesso à Advocacia, e quando não se verifica qualquer impedimento legal, a única decisão que a A.A.M. pode fazer é admitir o requerimento de inscrição como advogado estagiário do respectivo licenciado em Direito (não pode escolher entre “deferimento” e “indeferimento”). No respeitante ao entendimento da “licenciatura em Direito por universidade de Macau”, quer do seu texto quer do seu contexto legislativo, revela-se de forma clara que isso não só significa simplesmente a Universidade de Macau pública, mas também inclui a licenciatura em Direito atribuída por todas as instituições de ensino superior criadas dentro de Macau. Por isso, é incluída a licenciatura em Direito por Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau.

      O Tribunal decidiu julgar parcialmente procedente o recurso do Recorrente e declarar a nulidade da deliberação recorrida; cumpre à entidade recorrida julgar se o Recorrente preenche ou não os outros requisitos da inscrição, e fazer legalmente a devida decisão administrativa.

      Inconformada, veio a A.A.M. interpor recurso para o Tribunal da Segunda Instância, estando a tratar das respectivas formalidades.

 

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância