Situação Geral dos Tribunais

Negado provimento ao recurso duma decisão mais favorável que aplicou a pena de suspensão pela falsificação de documento

        Em 14 de Maio de 2010, o recorrente, de apelido Teng e que prestava funções na Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, ao consultar o seu processo individual, adicionou, por baixo da assinatura aposta na sua declaração datada de 28 de Setembro de 1992 de não estar disposto a proceder a descontos para efeitos de aposentação e sobrevivência, o seguinte conteúdo “Obs. Cancelei a presente declaração no dia 30 de Setembro de 1992. Declarante: Teng XX.”, tendo, desta forma, falsificado documento no seu processo individual, com intenção de obter benefício ilícito no âmbito da aposentação. Em 19 de Janeiro de 2012, o Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas proferiu um despacho, no sentido de aplicar ao mesmo a pena disciplinar de suspensão por seis meses. Inconformado, o recorrente interpôs recurso contencioso perante o Tribunal de Segunda Instância em 20 de Abril de 2012.

        O recorrente sustentou que o acto recorrido padecia de vários vícios: erro nos pressupostos de facto, a violação do princípio da presunção de inocência, a violação do princípio do inquisitório e a violação dos princípios da justiça e da igualdade.

        O Tribunal de Segunda Instância entendeu o seguinte: em relação aos invocados vícios de erro nos pressupostos de facto e de violação do princípio da presunção de inocência, a apreciação da prova não se faz de modo isolado, mas sim com base na análise sintética de todas as provas. Neste caso concreto, apesar de os trabalhadores da Direcção não terem visto o recorrente escrever as palavras supracitadas, repararam na sua prática do acto de escrever. Só que não sabiam o que estava a escrever ou se o fazia no documento ora em causa. Do relatório da perícia caligráfica apresentado pela Polícia Judiciária resulta que é “bem provável” (70 - 85%) que as respectivas palavras tenham sido escritas pelo recorrente. Naquele dia, quando o recorrente foi consultar o processo, levou consigo papéis e uma caneta, cuja tinta é da mesma cor das palavras adicionadas. Tendo analisado sinteticamente as provas e documentos acima mencionados, o Tribunal de Segunda Instância entendeu que o acto recorrido, ao dar por assentes os respectivos factos ilícitos, não incorreu em qualquer erro, nem violou o princípio da presunção de inocência, mas sim, pelo contrário, agiu em cumprimento do princípio da legalidade da apreciação da prova e das regras da experiência comum.

        A propósito da violação do princípio do inquisitório: conforme o recorrente, o acto recorrido ignorou o facto de ele sofrer de doença psíquica durante muito tempo e não averiguou por iniciativa própria se tal facto excluiria a ilicitude do facto ou a culpa dele. Por seu turno, o Tribunal de Segunda Instância entendeu que, de facto, o instrutor já se empenhou na investigação, mas que não conseguiu demais informações devido à não colaboração do recorrente (não consentiu previamente que o seu médico apresentasse relatório de avaliação).

        No tocante à violação dos princípios da justiça e da igualdade: na opinião do recorrente, não se ponderaram todas as circunstâncias atenuantes, pelo que é injusto e contrário ao princípio da proporcionalidade aplicar a sanção de suspensão por seis meses em relação a este acontecimento singular e fortuito. Os Mm.ºs Juízes consideraram que, na causa vertente, o recorrente, dolosamente, falsificou documento, com intenção de obter benefício para si, sendo ambos elevados o grau de ilicitude e o de gravidade. À luz do art.º 315.º, n.º 1 e n.º 2, al. o) do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, é-lhe aplicável a pena de demissão. Todavia, tendo em conta as circunstâncias atenuantes estipuladas nas al.s a) e h) do art.º 282.º do mesmo diploma legal, e por força do disposto no art.º 316.º, n.º 2, a Administração acabou por decidir aplicar ao recorrente uma pena de seis meses de suspensão. Daí se vê que a entidade recorrida já lhe fixou uma pena disciplinar mais leve do que aquela que seria aplicável, não se verificando, pois, a violação do princípio da proporcionalidade.

        Face ao exposto, julgou-se improcedente o recurso contencioso sub judice, mantendo-se, consequentemente, o acto recorrido.

        Cfr. o acórdão do Tribunal de Segunda Instância, processo n.º 292/2012.

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

10/02/2014