Situação Geral dos Tribunais

Incumprimento da condição de suspensão da execução da pena deu lugar à revogação da suspensão mesmo findo o tempo de duração desta

        Em 26 de Fevereiro de 2008, o arguido A (recorrente) foi condenado pelo Tribunal Judicial de Base, pela prática do crime de emissão de cheque sem provisão, na pena de 1 ano e 9 meses de prisão, suspensa na sua execução por 2 anos, sob condição do pagamento de HKD$367.034,00 ao ofendido no prazo de 6 meses após o trânsito em julgado do acórdão. O respectivo acórdão transitou em julgado em 14 de Abril de 2008. Dado o incumprimento por A da aludida obrigação, o Tribunal a quo, em 15 de Outubro de 2009, realizou audiência contra A, deixando-o prestar declarações. Nessa altura, A esclareceu que, devido ao fracasso nos seus negócios no país, tinha que ir trabalhar para a África, daí não ter cumprido a condição de suspensão da execução da pena estabelecida no acórdão. Todavia, prometeu o mesmo que ia negociar com o ofendido uma solução de reembolso dentro de 3 meses. O Tribunal aceitou os esclarecimentos prestados por A, indicando-lhe, no entanto, que devia negociar activamente com o ofendido uma solução adequada de indemnização, sob pena da execução da pena aplicada no processo vertente. A alegou ter-se deslocado uma vez a casa do ofendido, mas não o ter encontrado. Só depois da interpelação feita pelo Tribunal em 17 de Março de 2010, o próprio A, em 24 de Março de 2010, apresentou ao Tribunal a sua solução, que consistia no pagamento em prestações da indemnização devida ao ofendido. Na solução que apresentou, A comprometeu-se a pagar mensalmente HKD$300,00 ao ofendido. Porém, este último opôs-se fortemente a essa forma de reembolso.

        Conforme entendeu o Tribunal a quo, A não mostrou a determinação de reembolsar activamente o montante da indemnização, nem cumpriu a obrigação de acordar com o ofendido sobre a solução de indemnização no prazo de três meses, mas atrasou repetidamente o reembolso da quantia devida. Acresce que não valorizou as oportunidades que o Tribunal lhe concedeu, tendo violado repetidamente o dever de pagar a indemnização ao ofendido, imposto como condição de suspensão da pena. Face ao exposto, em 20 de Julho de 2010, o Tribunal a quo proferiu um despacho em que, nos termos do art.º 54.º, n.º 1, al. a) do Código Penal de Macau, declarou revogar a pena suspensa do recorrente, devendo este cumprir a pena de 1 ano e 9 meses de prisão que lhe foi aplicada. Inconformado, A recorreu para Tribunal de Segunda Instância, pedindo que o Tribunal declarasse nula a decisão recorrida e que mandasse libertá-lo de imediato. No entender do recorrente, tendo o período de suspensão da sua pena terminado em 13 de Abril de 2010, como não há motivos previstos na lei que possam impedir a extinção da pena, já se extinguiu a pena que lhe foi imposta pelo Tribunal Judicial de Base com o termo do período de suspensão. O recorrente ainda afirmou que, em relação ao pagamento do respectivo montante indemnizatório, tinha manifestado sempre uma atitude positiva, sem se ter esquivado de assumir responsabilidades, pelo que pugnou pela insuficiência dos factos em que se fundamentou o objecto do recurso para tomar a decisão em causa.

        De acordo com o Tribunal Colectivo do Tribunal de Segunda Instância: a pena não obrigatoriamente se declara extinta à medida do termo do período de suspensão da sua execução, visto que o tribunal necessita ainda de apurar se há processo ou incidente respeitante ao arguido que se encontra pendente. Em caso afirmativo, só após a conclusão do respectivo processo ou incidente é que poderá determinar se deve revogar a suspensão, ou prorrogar o período de suspensão, ou declarar extinta a pena aplicada. Atentas as circunstâncias do caso sub judice, o recorrente tinha conhecimento perfeito da condição de suspensão da execução da pena fixada pelo Tribunal, além de que se obrigava a procurar activamente chegar a acordo com o ofendido sobre a questão de indemnização e a comunicar ao Tribunal a solução que acordarem, sob pena da revogação pelo Tribunal da suspensão da execução da pena anteriormente concedida. Apesar disso, o recorrente violou obviamente a sua promessa e os deveres impostos pelo Tribunal, pois não apresentou qualquer solução adequada quanto à questão de indemnização, já para não falar de chegar a acordo com o ofendido. Da atitude revelada pelo recorrente no tocante à questão de indemnização resulta que ele não procurou activamente chegar a acordo com o ofendido de modo a cumprir a sua obrigação de indemnização, o que demonstra que o recorrente não deu conta à condição de suspensão da execução da pena definida pelo Tribunal, nem prestou atenção à solene advertência feita pelo Tribunal, tendo a sua conduta violado gravemente os deveres impostos pelo Tribunal. Tendo em conta as circunstâncias concretas do caso, bem como a atitude manifestada pelo recorrente quanto à questão de indemnização durante o período de suspensão da execução da pena, caso não seja revogada a suspensão, não poderiam ser realizadas adequada e suficientemente as finalidades da punição, em particular, a finalidade de prevenção geral. Nos termos acima expendidos, o Tribunal Colectivo do Tribunal de Segunda Instância julgou improcedente o recurso interposto pelo recorrente A, mantendo, consequentemente, a decisão a quo.

        Cfr. o acórdão do Tribunal de Segunda Instância, processo n.º 745/2010.

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

14/02/2014