Situação Geral dos Tribunais

Com provas suficientes, verificou-se o crime de falsificação de documentos

      O arguido era docente duma instituição de ensino superior. Em 2009, requereu à instituição um projecto de investigação científica, motivo pelo qual recebeu um apoio financeiro no valor de MOP$3.300,00 destinado a custear as despesas de estudos científicos daí eventualmente advindas. Tendo aprovado os resultados da investigação, a instituição notificou o arguido para tratar dos trâmites de liquidação financeira concernente ao dito projecto de investigação científica. Em 8 de Junho de 2011, o arguido comprou dois livros numa livraria, pelos quais pagou, respectivamente, MOP$68,00 e MOP$60,00. O arguido solicitou ao empregado da livraria que lhe passasse duas facturas relativas, respectivamente, aos dois livros, exigindo, no entanto, que fossem deixados em branco os espaços das facturas destinados ao nome do consumidor, à designação do livro, à data e à quantidade. O empregado da livraria emitiu duas vendas a dinheiro, de n.º A060552 e n.º A060553, respectivamente. Na venda a dinheiro n.º A060552, o empregado apenas preencheu o espaço de valor com “MOP$68,00” e o de observações com “Registo no computador n.º 40191704”, deixando todos em branco os espaço de nome do consumidor, data de emissão e quantidade de livros. Recebida a venda a dinheiro n.º A060552, o arguido, por si próprio, colocou no espaço de data “2009.1.17”, no espaço de quantidade “37”. E no espaço de valor já preenchido com “68”, pôs “2” à esquerda deste e “1” à direita, tornando o montante de “MOP$68” no de “MOP$2681”. Ao mesmo tempo, ainda alterou o n.º do registo no computador para o “46791764”. Em 10 de Junho de 2011, o arguido foi à instituição entregar diversos documentos para efeitos de reembolso das despesas com o aludido projecto de investigação científica, inclusive a venda a dinheiro n.º A060552 emitida pela livraria, conforme a qual, o arguido comprou trinta e sete livros para o projecto, tendo pago, no total, MOP$2.681,00. Após investigação, a instituição duvidou que a venda a dinheiro entregue pelo arguido tivesse sido falseada e enviou uma carta à livraria com vista à verificação, o que descortinou os factos ora em causa. Assim, o arguido foi condenado pelo Tribunal Judicial de Base, pela prática do crime de falsificação de documentos previsto e punível pelo Código Penal, na pena de 9 meses de prisão, suspensa na sua execução por dois anos, com o dever de entregar à RAEM uma contribuição de MOP$10.000,00 no prazo de um mês depois do trânsito em julgado da sentença. Inconformado com a decisão prolatada na primeira instância, o arguido recorreu para o Tribunal de Segunda Instância, tendo por fundamento que a decisão condenatória recorrida violou o princípio in dubio pro reo, pois, de acordo com a perícia caligráfica, é “bem provável” (70-85%) que a data “2009.1.17” e a quantidade “37” na venda a dinheiro n.º A 060552 tenham sido escritas pelo próprio arguido, e é “provável” (50-70%) que os números “2” e “1” tenham sido escritos por ele, situação essa em que, não havendo “quase certeza (95-99%)”, as provas deveriam ser valoradas em favor do arguido.

      O Tribunal Colectivo do Tribunal de Segunda Instância entendeu, em síntese, o seguinte: dado que o relatório da perícia caligráfica concluiu que era “bem provável (70-85%)” a data e a quantidade posta na venda a dinheiro em questão terem sido escritas pelo arguido, e que era “provável (50-70%)” os caracteres adicionados ao valor e ao número no espaço de observações terem sido escritos pelo arguido, não está este em condições de imputar o desrespeito das conclusões da perícia caligráfica à convicção do Tribunal a quo, sendo que esta corresponde, materialmente, às conclusões de “bem provável” e “provável” tiradas pela perícia caligráfica. Embora o caixa da livraria que prestou depoimento na audiência de julgamento realizada pelo Tribunal a quo não tenha conseguido identificar o arguido como a pessoa que na altura comprou os livros, não se exclui necessariamente a possibilidade de o arguido não ser o comprador dos livros. A mesma testemunha declarou que o comprador dos livros naquele dia era um homem com aparência chinesa, bem como que foi este homem que lhe pediu para apenas preencher o espaço de preço da venda a dinheiro em causa e deixar em branco os outros espaços. Mais atendendo ao depoimento duma outra testemunha de acusação de que foi o arguido entregou a mesma venda a dinheiro, e tendo em consideração as conclusões do relatório da perícia caligráfica, os dados pessoais do arguido, qualquer pessoa de diligência normal com experiência da vida quotidiana ficará racionalmente convencida de que o homem com aparência chinesa que foi à livraria comprar os livros nesse dia era o próprio arguido. O Tribunal a quo, com base nas regras da experiência comum, procedeu à análise lógica e à apreciação dos depoimentos das testemunhas, das provas documentais constantes dos autos, sobretudo a venda a dinheiro apresentada pelo arguido e a cópia original dessa mesma arquivada na respectiva livraria. Os factos provados são suficientes para o Tribunal formar a convicção que formou. Ponderando que pode dar-se por provado que o arguido já devolveu o montante do respectivo apoio financeiro para investigação científica, o Tribunal Colectivo do Tribunal de Segunda Instância reduziu a pena de prisão de 9 meses aplicada ao arguido por motivo de prática do crime de falsificação de documentos para a pena de prisão de 7 meses, mantendo, porém, inalteradas a suspensão da execução da pena por dois anos e a condição de suspensão.

      Cfr. o acórdão do Tribunal de Segunda Instância, processo n.º 49/2013.

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

17/02/2014