Situação Geral dos Tribunais

Não têm direito ao subsídio de residência os trabalhadores dos serviços públicos que foram aposentados antes do retorno

        Tendo a Lei n.º 2/2011 entrado em vigor em 1 de Abril de 2011, uns funcionários públicos que, antes do retorno de Macau à Pátria, já tinham sido aposentados e transferido a responsabilidade do pagamento das suas pensões de aposentação para a Caixa Geral de Aposentações de Portugal (CGA) apresentaram requerimentos à Direcção dos Serviços de Finanças, pedindo que lhes fosse atribuído o subsídio de residência nos termos do art.º 10.º da Lei n.º 2/2011. A Senhora Directora dos Serviços de Finanças indeferiu os seus requerimentos, invocando que os requerentes já receberam passagens de avião e subsídios para regressarem a Portugal e ali fixarem residência. Inconformados, os requerentes interpuseram recursos hierárquicos necessários para o Senhor Secretário para a Economia e Finanças, que, por sua vez, indeferiu os recursos hierárquicos com o mesmo fundamento, mantendo a decisão posta em causa. De tal decisão, os recorrentes interpuseram recursos contenciosos para o Tribunal de Segunda Instância.

        Sintetizando os fundamentos invocados pelos recorrentes nos diferentes processos, foram imputados ao acto recorrido principalmente os vícios a seguir indicados: 1. Falta de audiência prévia antes da decisão; 2. Violação do disposto nos art.ºs 2.º, 4.º, 5.º e 7.º da Lei n.º 8/1999; 3. Violação do disposto no art.º 10.º da Lei n.º 2/2011; 4. Violação do princípio da igualdade.

        Os Mm.ºs Juízes do Tribunal de Segunda Instância analisaram, um após outro, os fundamentos supracitados:

        1. Da falta de audiência prévia antes da decisão. No entender dos Mm.ºs Juízes, o regime de audiência é criado com vista a possibilitar aos interessados participar nos procedimentos que lhes disserem respeito e manifestar as suas opiniões, para que a Administração, tendo-as em conta, não tome decisões inesperadas. Nos casos sub judice, os respectivos procedimentos administrativos começaram todos a requerimento dos recorrentes, além de que estão em causa apenas questões relativas à aplicação da lei, sobre as quais os recorrentes já expressaram claramente a sua posição e opinião nos requerimentos iniciais e nos recursos hierárquicos posteriores a esses. Ainda por cima, na apreciação e aprovação dos pedidos de subsídio de residência deduzidos pelos recorrentes, a Administração não goza do poder discricionário. Pelo contrário, tal poder de apreciação e aprovação consiste num poder vinculado: se estiverem preenchidos os requisitos previstos na lei, a Administração terá que deferir o pedido, caso contrário, terá que o indeferir, sem nenhuma margem para a discricionariedade. Daí que a opinião dos recorrentes ou a da Associação dos Aposentados em que eles se integram não possam alterar a decisão tomada pela Administração nos termos legais. Nesta circunstância, a não realização da audiência prévia não constitui vício de nulidade ou de anulação. Por outras palavras, improcede o recurso nesta parte.

        2. Da violação do disposto nos art.ºs 2.º, 4.º, 5.º e 7.º da Lei n.º 8/1999. Há recorrentes que entendem que, em sintonia com os art.ºs 2.º, 4.º, 5.º e 7.º da Lei n.º 8/1999, se presume que os portadores de Bilhete de Identidade de Residente Permanente de Macau residem habitualmente em Macau, independentemente de residirem em Macau ou noutra parte do mundo. Sobre isso, alguns Juízes consideram que, embora os recorrentes possam, de facto, residir em qualquer parte do mundo, o “local de residência” ora em análise não é o “local de residência legal”, mas sim o “local de residência efectiva”, que se presume a partir do facto de os recorrentes terem recebido o subsídio de transporte (de pessoas e bagagens), visto que, em primeiro lugar, estipula expressamente o n.º 4 do art.º 17.º do Decreto-Lei n.º 14/94/M que o exercício do direito a transporte pressupõe a fixação de residência em Portugal, e que, em segundo lugar, atenta a cobertura deste subsídio (cobre não só o transporte das pessoas do requerente e seus familiares, como também o transporte de bagagens), pode ver-se que se trata de um subsídio de transporte abonado para efeitos de fixação de residência em Portugal, e não para custear simples viagens ou destacamentos. Tendo recebido o subsídio de transporte, os recorrentes já não têm direito ao subsídio de residência, por deixarem de reunir o requisito de “continuar a residir em Macau” exigido pelo Decreto-Lei n.º 96/99/M.

        3. Da violação do disposto no art.º 10.º da Lei n.º 2/2011. Segundo os Mm.º Juízes, a questão crucial traduz-se em saber como se interpreta e se aplica, de forma precisa, a previsão do art.º 10.º da Lei n.º 2/2011. Aliás, na interpretação e na aplicação do n.º 1 do art.º 10.º da Lei n.º 2/2011, não se pode negligenciar o âmbito de aplicação delimitado no n.º 1 do art.º 1 do mesmo diploma legal, isto é, “A presente lei regula o regime do prémio de antiguidade e dos subsídios de residência e de família dos trabalhadores dos serviços públicos da Região Administrativa Especial de Macau.” Nota-se que o legislador utiliza aqui a designação específica “Região Administrativa Especial de Macau” (adiante designada por RAEM), que deve ser olhada no seu sentido específico e contexto histórico. Como todos sabem, a RAEM só se estabeleceu em 20 de Dezembro de 1999. Sendo assim, tendo em vista o âmbito de aplicação definido no art.º 1.º, n.º 1 do referido diploma, os indivíduos mencionados no seu art.º 10.º, n.º 1 devem ser “os trabalhadores dos serviços públicos que se encontrem em efectividade de funções ou desligados do serviço para efeitos de aposentação, bem como os aposentados” após o estabelecimento da RAEM, ou seja, os que mantêm vínculos com o regime da função pública da RAEM, nos quais não se incluem obviamente os trabalhadores dos serviços públicos que, antes do estabelecimento da RAEM, tenham sido aposentados e transferido a responsabilidade do pagamento das suas pensões de aposentação para a CGA, uma vez que já não existe qualquer vínculo entre estes e o regime da função pública da RAEM.

        Por outro lado, crê-se que a este preceito subjaz a intenção do legislador de estar de acordo com as correspondentes disposições da Lei Básica (art.º 98.º, n.º 2) e da Declaração Conjunta Luso-Chinesa (Anexo I, parágrafo VI), segundo as quais, a RAEM não responde pelo pagamento daspensões de aposentação ou de sobrevivência, nem de outros benefícios sociais dos funcionários públicos que tenham sido aposentados antes do estabelecimento da RAEM. Por isso, mostra-se infundada a pretensão dos funcionários que foram aposentados antes do retorno de Macau à Pátria de, com base no Decreto-Lei n.º 96/99/M, manter o direito ao subsídio de residência nos termos do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, porque o Decreto-Lei n.º 96/99/M contraria evidentemente os respectivos preceitos da Declaração Conjunta Luso-Chinesa e da Lei Básica, não podendo continuar a vigorar, segundo o art.º 8.º da Lei Básica e o princípio da prevalência do direito internacional sobre o direito interno/regional. Improcede também este fundamento.

        4. Da violação do princípio da igualdade. Alguns recorrentes ainda referiram que, aqueles que foram aposentados antes do retorno e que não optaram pela CGA nem disseram nada também não estabeleceram nenhuma relação jurídica com a RAEM, como é o caso dos recorrentes, mas que gozam eles do direito ao subsídio de residência, violando-se assim o princípio da igualdade. Conforme indicaram os Mm.ºs Juízes, os indivíduos supra identificados (no total, 90 pessoas) não estão a receber o subsídio de residência nos termos da Lei n.º 2/2011, mas sim ao abrigo das normas próprias dos seus regimes e dos diplomas que não se mostrem revogados. O legislador, ao criar o novo regime, não quis marginalizar os que serviram o Território e ficariam sem amparo se a RAEM não lhes desse a mão, situação de desamparo que já não se observa com os recorrentes, que optaram por se integrar no quadro de Portugal e que se encontram protegidos por este último. Sendo duas situações desiguais, não se viola o princípio da igualdade.

        Face ao exposto, os diferentes Tribunais Colectivos julgaram improcedentes os recursos contenciosos in questio, mantendo, assim, o acto recorrido.

        Importa apontar que, submetidos ao Tribunal de Segunda Instância mais de cem recursos semelhantes a esses, agora, os cinco Juízes da secção de processos em matérias civil e administrativa deste Tribunal decidiram unanimemente rejeitá-los por serem improcedentes, o que não obsta a que os recorrentes possam recorrer de tais decisões para o Tribunal de Última Instância no prazo legalmente fixado.

        Cfr. Acórdãos do Tribunal de Segunda Instância, processos n.ºs 197/2012, 297/2012, 317/2012 e 339/2012.

 

 

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

04/03/2014