Situação Geral dos Tribunais

Contratos a termo celebrados com trabalhadores não residentes não se podem converter em contratos sem termo

        Em 9 de Fevereiro de 2006, um homem estrangeiro (Autor) e a Venetian Macau, S.A. (Ré) celebraram um contrato individual de trabalho com duração de três anos, convencionando as partes que o Autor desempenharia formalmente o cargo de Director Financeiro da Ré desde o dia em que obtivesse o Título de Identificação de Trabalhador Não-residente (adiante designado por TI/TNR). Mais previram que, em caso de despedimento sem justa causa, o Autor teria direito a receber os seis meses de salário base. Em 23 de Junho de 2006, na medida em que a Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais emitiu ao Autor o TI/TNR, com a validade até 31 de Agosto de 2008, o seu contrato individual de trabalho celebrado com a Ré começou a produzir efeitos. Em 7 de Agosto de 2008, antes da expiração do respectivo prazo de validade, a Ré renovou o TI/TNR do Autor, estendendo-se a sua validade até 31 de Agosto de 2010. Todavia, devido aos conflitos que depois surgiram entre as partes quanto ao benefício de passagens aéreas de que gozava o Autor, a Ré, em 22 de Junho de 2009, comunicou ao Autor, por escrito, que a relação contratual entre eles cessaria no dia seguinte, e que ela não tinha a intenção de renovar o contrato anteriormente celebrado. Cerca de um mês depois, o Autor recebeu mais uma comunicação escrita da Ré, na qual se disse, se o Autor não entendesse ter caducado o contrato de trabalho entre eles, viria por esse meio informá-lo da rescisão do contrato com justa causa.

        O Autor intentou uma acção declarativa de condenação em processo comum do trabalho no Tribunal Judicial de Base, pretendendo que fosse a Ré condenada a pagar-lhe, a título de indemnização por despedimento sem justa causa, o montante de MOP$1,687,140.24 ou de MOP$843,570.12, e ainda, a título de indemnização por danos não patrimoniais, o montante de MOP$60,000.00, acrescido dos respectivos juros. Por sua vez, a Ré deduziu reconvenção, pedindo a condenação do Autor no pagamento de MOP$331,929.36 a título de repetição do indevido. Por sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Base, foi julgada parcialmente procedente a acção e procedente a reconvenção, sendo a Ré condenada a pagar ao Autor uma indemnização no valor de MOP$843,570.12, e o Autor condenado a pagar à Ré o montante solicitado, a título de repetição do indevido.

        Depois disso, ambas as partes interpuseram recursos, tendo o Tribunal de Segunda Instância decidido, por Acórdão de 28 de Novembro de 2013, por um lado, conceder provimento ao recurso interposto pela Ré, absolvendo-a dos pedidos de indemnização formulados pelo Autor, e por outro, julgar procedente o recurso interposto pelo Autor, com absolvição deste do pedido de repetição do indevido contra ele deduzido.

        Ainda inconformado, o Autor recorreu para o Tribunal de Última Instância, alegando que, pelo facto de existir lacuna da lei no que concerne à duração do contrato de trabalho de não residentes, devia aplicar-se, por analogia, os art.ºs 21.º e 23.º da Lei n.º 7/2008, segundo os quais o seu contrato de trabalho celebrado com a Ré, cujo prazo excede ao limite máximo de dois anos, se converteu em contrato sem termo e, deste modo, não caducou automaticamente no dia 29 de Junho de 2009, o que lhe atribui o direito à indemnização.Mesmo que se entenda não ser admissível a aplicação analógica do referido regime da conversão, sempre se diria que, com a renovação do seu TI/TNR, diligenciada pela Ré, se deve considerar o contrato prorrogado até a 31 de Agosto de 2010.

        Após o julgamento, o Colectivo do Tribunal de Última Instância entendeu que, tratando-se de um caso respeitante à contratação de trabalhador não residente, é de aplicar o regime especial que tem a sua concretização em vários diplomas, incluindo os Despachos n.º 12/GM/88 e 49/GM/88 e a Lei n.º 4/98/M. Não obstante não se encontrar, nos mencionados diplomas, nenhuma norma que regule o prazo de contrato, isto não implica que existe a lacuna da lei, mas sim o legislador permite que o empregador e o empregado estipulem entre si tal matéria. Na legislação das relações laborais, tendo sempre em mente a contratação de trabalhadores não residentes, que funciona no nosso ordenamento jurídico, desde o início do regime até agora e em todo o caso, como um completamento dos recurso humanos locais, os direitos e a protecção atribuídos pela lei aos trabalhadores não residentes, na realidade, não se podem efectuar a mesmo nível e com o mesmo conteúdo em relação aos trabalhadores locais, pelo que, a conversão automática do contrato com duração superior a dois anos em contrato sem termo prevista na Lei n.º 7/2008, que é uma protecção atribuída aos trabalhadores residentes, não pode ser aplicada, por analogia, aos contratos de trabalho celebrados com os trabalhadores não residentes. Além disso, quanto à renovação do TI/TNR do Autor providenciada pela Ré, isto só pode justificar que a Ré pretendia procurar cumprir o termo do contrato inicialmente estipulado, mas já não se pode tirar aí a ilação de que o contrato se prorrogue até ao termo da renovação do TI/TNR, pois, por um lado, o período de autorização é fixado pela Administração, sem dependência do prazo requerido pela entidade empregadora nem do prazo do contrato, e por outro, a entidade empregadora não tem de renovar o contrato até ao fim do período de autorização, sob pena de violar o princípio da liberdade contratual.

        Na verdade, tanto na altura em que vigoravam o Despacho n.º 12/GM/88, o Despacho n.º 49/GM/88, a Lei n.º 4/98/M, como na altura em que vigora a Lei n.º 21/2009, o contrato de trabalho de trabalhadores não residentes não pode, como sempre, exceder o período de autorização administrativa. Assim sendo, deve-se considerar que o contrato de trabalho celebrado entre as partes em causa cessou a sua vigência a partir do dia 31 de Agosto de 2008. Não se tendo previsto a renovação automática do contrato, apesar da renovação do TI/TNR do Autor, as partes entraram, após aquele dia, numa relação contratual de facto, a que podia ser posto termo em qualquer ocasião, por qualquer delas, não tendo, pois, o recorrente direito a indemnização.

        Face ao exposto, o Tribunal Colectivo negou provimento ao recurso.

        Cfr. Acórdão do Tribunal de Última Instância, Processo n.º 2/2014.

 

 

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

20/03/2014