Situação Geral dos Tribunais

Seguradora ganhou na acção de regresso contra o causador do acidente a cujo cargo ficaria o montante total da indemnização

        No dia 30 de Julho de 2001, pelas 7h30 da manhã, ocorreu um acidente de viação na Avenida Demétrio Cinatti. Na altura, o condutor interveniente no acidente conduzia um veículo ligeiro, circulando na dita Avenida, pelo lado da Avenida Marginal de Lam Mao Tong, em direcção ao Bairro Fai Chi Kei. Ao aproximar-se duma passadeira para peões, o condutor não abrandou a marcha do veículo, acabando por embater num peão que, naquele momento, atravessava a Avenida na passadeira. A vítima foi projectada e caiu no pavimento a uma distância superior a dez metros do local do embate. Apesar de ter sido transportada ao hospital para ser socorrida, a mesma acabou por falecer. Na altura do acidente, fazia bom tempo, o piso encontrava-se em boas condições e havia pouco trânsito.

        No âmbito penal, o condutor causador do acidente, por lhe ter sido detectada uma taxa de alcoolemia superior à máxima permitida (1,69 gramas por litro), foi declarado pelo Tribunal Judicial de Base como único e exclusivo culpado pelo acidente, tendo sido condenado pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de homicídio por negligência, e pela prática, em autoria material, de uma contravenção, em cúmulo jurídico, na pena única de três anos de prisão efectiva e em multa, com inibição de condução. Inconformado, o Réu recorreu para o Tribunal de Segunda Instância, que, porém, rejeitou o seu recurso, mantendo a decisão a quo. No domínio civil, pelo facto de, nessa altura, a Companhia de Seguros da China Taiping (Macau), S.A. (doravante designada por “Seguradora”) ter celebrado com o Réu um contrato de seguro relativo ao veículo então conduzido por este, a responsabilidade civil perante terceiros emergente de acidentes de viação se encontrava transferida para a Seguradora através da respectiva apólice. Por isso, o Tribunal Judicial de Base condenou a Seguradora a pagar à família da vítima uma indemnização civil no valor de MOP$1.031.68,00, e a pagar MOP$37.198,00 a título de honorários de advogados e custas judiciais.

        Em Abril de 2009, por carta registada, a Seguradora interpelou o condutor causador do acidente no sentido de proceder ao pagamento do aludido montante indemnizatório no prazo de quinze dias, caso contrário, recorreria aos meios judicias para a cobrança da respectiva dívida. Mais tarde, a Seguradora intentou acção de regresso junto do Tribunal Judicial de Base, a qual, no entanto, foi julgada improcedente. A Seguradora não se conformou, vindo interpor recurso contencioso para o Tribunal de Segunda Instância, arguindo a errada aplicação do disposto nos art.ºs 16.º e 45.º do Decreto-Lei n.º 57/94/M.

        O Tribunal de Segunda Instância entendeu, para saber se se verifica o direito de regresso da Seguradora, importar apurar se existe nexo de causalidade entre o dito acidente de viação e a condução em estado de embriaguez do Réu. Não se comprovando que o acidente tenha resultado da taxa de alcoolemia acima da permitida que o condutor detinha enquanto conduzia, não era legítimo presumir a causalidade entre o acidente e a taxa de alcoolemia verificada, presunção essa que a lei não estabelece. Reconhecendo-se a dificuldade na prova de tal nexo de causalidade, não estava o Tribunal de Segunda Instância impedido de julgar e ter ou não por provada aquela causalidade, face à globalidade dos factos e circunstancialismo apurado. Quando analisava se existia ou não nexo de causalidade entre a taxa de álcool detectada no sangue do Réu e a ocorrência do acidente, o Tribunal de Segunda Instância atendeu a um estudo norte-americano que demonstra a influência de diferentes graus de alcoolemia sobre o condutor, e analisou sinteticamente os diversos factores, inclusive o teor de álcool, ao abrigo das regras do bom senso e da experiência comum, tendo, assim, concluído que, não havendo outra explicação sobre a produção do acidente, este tinha sido causado pela condução em estado de embriaguez, ou seja, existia nexo de causalidade entre o acidente e o álcool, visto que, na altura do acidente, fazia bom tempo, o piso estava em boas condições e havia pouco trânsito, além de que ficou provado que o Réu conduzia com uma taxa de alcoolemia de 1,69 gramas por litro, e não abrandou a marcha do veículo ao aproximar-se duma passadeira, acabando por embateu num peão que nela atravessava, tendo, por isso, sido acusado pela prática do crime de condução sob influência do álcool e declarado culpado pelo acidente mencionado. Daí a Seguradora ter o direito de regresso contra o causador do acidente estipulado no art.º 16.º, al. c) do Decreto-Lei n.º 57/94/M.

        Face ao exposto, o Colectivo do Tribunal de Segunda Instância concedeu provimento ao recurso contencioso, declarando a recorrente (Seguradora) como titular do direito de regresso, condenando o condutor causador do acidente a pagar à Seguradora a quantia de MOP$1.031.68,00 correspondente à indemnização paga por esta.

        Cfr. Acórdão do Tribunal de Segunda Instância, processo n.º 325/2011.

 Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

04/04/2014