Situação Geral dos Tribunais

Concessão de escusa requerida pela Juíza com base em relação íntima

      O Ministério Público acusou B da prática, em autoria material e na forma consumada, dum crime de ofensas graves à integridade física por negligência, previsto e punido pelo Código Penal de Macau e pela Lei do Trânsito Rodoviário.O respectivo processo foi distribuído para o 3º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, que iria realizar o julgamento em processo comum singular.

      Foi distribuído o processo para a Juíza A, que se tornou juíza titular do processo e depois, pediu legalmente ao Presidente do Tribunal da Segunda Instância a escusa, invocando, em síntese, os fundamentos seguintes: “o arguido B é o cunhado da esposa do irmão mais velho do meu marido, e apesar de não ser íntimo o grau, a família do arguido mantém, nos últimos 10 anos, com a minha família uma relação de profunda intimidade. Ao longo dos anos, o arguido teve, com frequência, refeições comigo, além de fizemos juntos compras, visitas à casa e trocas de presentes. Nos últimos anos, o arguido também participou nas festas de aniversário do meu filho realizadas na minha casa. Por existir, quer na aparência, quer na realidade, relação íntima entre mim e o arguido, uma vez que tal relação é revelada, quer do ponto de vista do lesado, quer do ponto de vista do público, eu não sou necessariamente capaz de se comportar com imparcialidade no julgamento do processo, e seja qual for o resultado, a sua imparcialidade será posta em causa pelo público.”

      Tendo admitido o pedido em causa, entendeu o TSI que no âmbito do Código de Processo Penal de Macau, para efeitos de garantia da imparcialidade do julgador, foram estabelecidos dispostos para impedimentos (art.º 28.º e art.º 29.º), recusas e escusas (art.º 32). A imparcialidade exige que o juiz não tenha qualquer juízo prévio ou preconceito no respeitante aos assuntos e pessoas envolvidos no processo a julgar. Porém, a mera imparcialidade do juiz não é suficiente, também é necessário que o juiz se apresente imparcial na aparência e perante o público.

      In casu, a Juíza A mencionou no seu pedido que tinha com o arguido uma relação de afinidade em grau não íntimo, e não se entendeu que tal situação era suficiente para gerar desconfiança sobre a imparcialidade dela como juíza titular do supracitado processo penal. No entanto, a requerente alegou na sua declaração que a sua família tinha, na aparência e na realidade, com a família do arguido uma relação íntima, que constituiu de forma suficiente o motivo grave a suscitar dúvida sobre a imparcialidade da requerente no julgamento do crime praticado pelo arguido B.

      Com base nisso, o colectivo do TSI acordou em conceder escusa à Juíza A de tribunal singular do 3º Juízo Criminal do TJB, e o julgamento do processo penal acima referido cabe ao juiz substituto legal.

      Cfr. o Acórdão do Tribunal de Segunda Instância, Processo n.º 96/2014.

 

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

14/04/2014