Situação Geral dos Tribunais

Juízo Laboral do TJB julgou improcedente a acusação de contravenções laborais

        Em 15 de Dezembro de 1977, a arguida Sociedade de Abastecimento de Águas de Macau, S.A.R.L. (SAAM) e a Associação dos Empregados da CEM e SAAM celebraram um Acordo Colectivo de Trabalho (doravante, designado por “ACT”), aplicável aos trabalhadores da arguida. A cláusula 7.4 do ACT prevê “Quando o trabalhador se desvincular do serviço ou falecer, a Sociedade paga ao mesmo o montante de previdência calculado conforme o seu tempo de serviço, sendo que o montante anual corresponde ao salário mensal do trabalhador, que se calcula com base no montante total do seu salário no último mês de serviço.”

        A seguir, a arguida elaborou o «Manual do Empregado da SAAM» (entrou em vigor a 1 de Outubro de 2001), que estipula na sua cláusula 2.4 do capítulo II que se consideram como empregados antigos aqueles que tenham iniciado funções antes de Julho de 1982, e como novos empregados os que tenham iniciado funções depois de 1 de Julho de 1982. A cláusula 4.1 do capítulo IV do Manual estabelece a forma como se calcula o montante de previdência: salário-base no último mês de serviço × tempo de serviço × factor. Aos empregados antigos, em caso de desvinculação do serviço ou aposentação, aplicam-se as disposições do ACT.

        Cheong XX, contratado pela entidade patronal entre 24 de Novembro de 1986 e 10 de Outubro de 2012, auferiu no último mês de trabalho um salário-base de MOP$19.360,00, acrescido de subsídios mensais no valor total de MOP$3.220,00, perfazendo-se o total de MOP$22.580,00. Cheong XX aposentou-se em 10 de Outubro de 2012, momento em que recebeu da entidade patronal a quantia de MOP$501.032,57 a título de previdência, calculada apenas com base no seu salário-base mensal.

        Lei XX, contratado pela entidade patronal entre 1 de Julho de 1976 e 14 de Junho de 2012, auferiu no último mês de trabalho um salário-base de MOP$10.610,00, acrescido de subsídios mensais no valor total de MOP$1.140,00, perfazendo-se o total de MOP$11.750,00. Lei XX aposentou-se em 14 de Junho de 2012, momento em que recebeu da entidade patronal a quantia de MOP$381.496,17 a título de previdência, calculada apenas com base no seu salário-base mensal.

        Fong XX, contratado pela entidade patronal entre 3 de Novembro de 1982 e 20 de Janeiro de 2013, auferiu no último mês de trabalho um salário-base de MOP$9.590,00, acrescido de subsídios mensais no valor total de MOP$760,00, perfazendo-se o total de MOP$10.350,00. Fong XX aposentou-se em 20 de Janeiro de 2013, momento em que recebeu da entidade patronal a quantia de MOP$289.775,64 a título de previdência, calculada apenas com base no seu salário-base mensal.

        Wong XX, contratado pela entidade patronal entre 2 de Maio de 1973 e 17 de Novembro de 2012, auferiu no último mês de trabalho um salário-base de MOP$11.720,00, acrescido de subsídios mensais no valor total de MOP$1.440,00, perfazendo-se o total de MOP$13.160,00. Wong XX aposentou-se em 17 de Novembro de 2012, momento em que recebeu da entidade patronal a quantia de MOP$463.484,37 a título de previdência, calculada apenas com base no seu salário-base mensal.

        O Ministério Público, mediante processo de contravenção laboral, deduziu acusação contra a arguida, imputando-lhe a prática de quatro contravenções, com o fundamento de que, quando os seus empregados Cheong XX, Lei XX, Fong XX e Wong XX se aposentaram, a arguida lhes pagou os montantes de previdência calculados apenas com base nos respectivos salários-base mensais dos mesmos. Alegou a acusação que, à luz do clausulado no ACT outorgado entre a SAAM e a Associação dos Empregados da CEM e SAAM, o montante de previdência devia ser calculado conforme o montante total do salário mensal em que se incluía o valor dos subsídios, razão pela qual entendeu a mesma que a arguida não tinha pago totalmente os montantes devidos aos trabalhadores.

        A arguida defendeu que, nos termos do ACT, o montante de previdência se devia calcular com base no salário-base mensal do trabalhador, tendo ela, neste sentido, já pago na totalidade os montantes devidos aos quatro trabalhadores, pelo que não violou as disposições supracitadas.

        Após o julgamento, o Juízo Laboral do Tribunal Judicial de Base manifestou o seguinte:

        É verdade que o regime jurídico das relações de trabalho no Território não estabelece o regime de previdência. Mas, sendo a previdência em causa um benefício concedido pela arguida aos seus empregados, que confere a estes direito a uma prestação patrimonial sem que haja contraprestação, tal regime de previdência, em comparação com o regime legal, é mais favorável aos trabalhadores e, como tal, válido e vinculativo para a arguida. Por outras palavras, a arguida tem a obrigação de pagar aos empregados, na sua desligação do serviço, o montante de previdência calculado de acordo com as respectivas regras. No caso sub judice, quando os quatro ofendidos se desligaram do serviço, eram-lhes devidos os montantes de previdência.

        In casu, os trabalhadores Cheong XX e Fong XX eram novos empregados, aos quais eram aplicáveis as regras de cálculo do montante de previdência previstas na cláusula 4.1 do capítulo IV do «Manual do Empregado da SAAM». Assim sendo, estes dois só tinham direito a uma quantia calculada com base no seu salário-base mensal. Como a arguida já lhes pagou aquelas quantias baseadas no salário-base, não praticou contra eles a contravenção prevista e punível pelos art.ºs 77.º e 85.º/3/5) da Lei n.º 7/2008 (Lei das Relações de Trabalho), devendo ser absolvida das duas contravenções que lhe foram imputadas em razão destes trabalhdores.

        O problema reside no seguinte: Sendo Lei XX e Wong XX empregados antigos, eram lhes aplicáveis os preceitos do ACT celebrado entre a SAAM e a Associação dos Empregados da CEM e SAAM, devendo, assim, o montante total do seu salário no último mês de trabalho servir de base ao cálculo da respectiva importância de previdência. Porém, quanto à interpretação do “montante total do salário”, existia divergência entre a arguida e os trabalhadores interessados: a primeira entendeu que isso se referia ao salário-base, sem abranger qualquer subsídio; ao passo que os últimos consideraram que aquele montante devia englobar o salário-base e os subsídios fixos.

        Acerca da compreensão do “montante total do salário”, a actual jurisprudência de Macau aponta em diferentes sentidos em casos semelhantes, sendo que nalguns casos sustenta que o “montante total do salário” deve incluir o salário-base e os subsídios (cfr. Acórdão do TSI, processo n.º 924/2012 e sentença do TJB, processo n.º CV2-11-0025-LAC), enquanto noutros casos vai no sentido de o “montante total do salário” englobar apenas o salário-base (cfr. Sentença do TJB, processo n.º CR3-13-0006-LCT e sentença do TJB, processo n.º CV2-12-0043-LAC).

        Salvo o devido respeito por opinião contrária, o Mm.º Juiz titular do presente processo concordou com o segundo ponto de vista, entendendo que, em relação aos empregados antigos, o “montante total do salário no último mês de trabalho” que serve de base ao cálculo do montante de previdência devia ser interpretado como o valor do salário-base. Nesta conformidade, julgou-se improcedente a acusação, absolvendo a arguida SAAM da imputada prática de quatro contravenções previstas e puníveis pelos art.ºs 77.º e 85.º/3/5) da Lei n.º 7/2008 (Lei das Relações de trabalho).

        Cfr. Sentença do Tribunal Judicial de Base, processo n.º LB1-13-0095-LCT.

 

 

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

15/04/2014