Situação Geral dos Tribunais

Jurisprudência do TSI diverge quanto à questão de constituir ou não crime a distribuição de cartões pornográficos

        As estatísticas indicam que o Tribunal de Segunda Instância (adiante, TSI) julgou, recentemente, oito casos envolvendo a distribuição de cartões pornográficos em espaços públicos, tendo decidido pela condenação em quatro casos (cfr. Acs. do TSI, proc.s n.ºs 597/2013, 719/2013, 766/2013 e 117/2014) e pela absolvição nos restantes quatro (cfr. Acs. do TSI, proc.s n.ºs 523/2013, 612/2013, 685/2013 e 832/2013). Cada posição foi defendida por dois dos quatro juízes intervenientes do TSI.

        No entender dos juízes que tomaram decisões condenatórias, a questão-chave nos autos reside em saber se os cartões em apreço cabem ou não no conceito de pornografia estabelecido no art.º 2.º, n.º 1 da Lei n.º 10/78/M. Se cabem, os arguidos devem ser condenados, caso contrário, serão absolvidos. Conforme a definição dada pelo n.º 1 do art.º 2.º, “são considerados pornográficos ou obscenos os objectos ou meios referidos no artigo anterior que contenham palavras, descrições ou imagens que ultrajem ou ofendam o pudor público ou a moral pública”. Com base nisto, os cartões em causa, mesmo que não contenha nenhuma das circunstâncias evidentemente pornográficas exemplificadas nas alíneas a) e b) do n.º 2 do art.º 2, não deixam de ter a possibilidade de se compreender no conceito de pornografia. Dos cartões apreendidos resulta que se encontram impressas em todos os cartões fotografias de jovens vestidas de biquíni, bem como números de contacto, constando deles ainda palavras como “Massagens”, “Serviços 24 horas até a hotel” e “Esta empresa tem beldades chinesas, japonesas, coreanas, africanas, europeias e americanas à sua escolha”. Trata-se, materialmente, duma publicitação de serviços de massagens a pedir por chamada telefónica e a prestar por mulheres jovens vestidas de biquíni a todo o tempo e até a hotel. Acreditamos profundamente que, do ponto de vista das pessoas comuns da sociedade de Macau, as mulheres que prestem serviços decentes de massagens não o fazem enquanto vestidas de biquíni, pelo que as informações publicitárias constantes dos cartões se referem a serviços de massagens não decentes que ofendem o pudor público. Assim sendo, os cartões em questão devem naturalmente ser considerados como objectos compreendidos no conceito estipulado no art.º 2.º, n.º 1 do mencionado diploma legal. Quem substancialmente divulgar, em espaços públicos, impressos de conteúdo considerado pornográfico nos termos do art.º 2.º, n.º 1 da Lei n.º 10/78/M será punido com as penas previstas no art.º 4.º, n.º 1 do mesmo diploma.

        Os juízes que decidiram pela absolvição entenderam o seguinte: O acto de distribuição de cartões pornográficos não é subsumível ao estatuído no art.º 2.º, n.º 1 da Lei n.º 10/78/M. Os “anúncios” em questão podem (certamente) ser considerados “inconvenientes”, “desagradáveis” ou até de “mau gosto”, (pois que até se anuncia a existência de “massagistas” de várias nacionalidades e com idades compreendidas entre os 18 e 25 anos). Todavia, não nos parece que os mesmos anúncios sejam “pornográficos” ou “obscenos” e que “ultrajam ou ofendam o pudor público ou moral pública”, nos termos em que estes devam ser entendidos, visto que não parecem ser de tal forma “chocantes” para se considerar que verificado está o condicionalismo descrito no aludido art.º 2.º, n.º 1. Afigura-se-nos que, para o preenchimento do disposto no art.º 2.º, n.º 1, seria necessário que as “imagens” em causa fossem “de cariz sexual explícito” e susceptíveis de ofender (“violar”), em “grau elevado” e com (alguma) “intensidade”, os “sentimentos gerais da moralidade sexual”.É óbvio que com o exposto não se quer dizer que “vale tudo”, ou quiçá, que sendo a Lei n.º 10/78/M da “década de 80” que está “caduca”, sendo hoje de se tolerar a pornografia. Não. Não se pretende, de forma alguma, dizer que se deve abandonar a “censura” à pornografia. Todavia,e como em tudo na vida, as “coisas tem de ser vistas com peso, conta e medida” e sem injustificados dramatismos ou empolgamentos.

        Cfr. Acórdãos do Tribunal de Segunda Instância proferidos nos processos n.ºs 597/2013 e 832/2013.

 Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

24/04/2014