Situação Geral dos Tribunais

Acto administrativo sancionatório viciado por erro no pressuposto de direito deve ser anulado

        Em Abril de 2013, um guarda do Corpo de Polícia de Segurança Pública (adiante, CPSP) emitiu acusação ao ora recorrente, imputando-lhe a infracção ao disposto no art.º 48.º, n.º 1, al. 6) da Lei do Trânsito Rodoviário, devida ao estacionamento do seu automóvel num local destinado ao estacionamento de certos veículos. O recorrente apresentou, depois, contestação escrita ao Chefe do Departamento de Trânsito do CPSP (a entidade recorrida), na qual afirmou que o local em causa era o lugar de estacionamento reservado para deficientes físicos que a Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego (adiante, DSAT) o tinha autorizado a instalar perto da sua residência, além de que ele detinha cartão identificativo para deficientes físicos do seu veículo emitido pela DSAT, vindo ainda juntar documentos comprovativos. A entidade recorrida abriu instrução relativa à contestação escrita apresentada pelo recorrente. Conforme o relatório de instrução, na altura da acusação, não estava afixado no veículo objecto da acusação nenhum cartão identificativo para deficientes físicos do seu veículo, verificando-se, assim, que não estava autorizado o estacionamento desse veículo no lugar de estacionamento reservado para deficientes físicos situado no local de acusação. Em Maio de 2013, a entidade recorrida, por despacho proferido no relatório de instrução, indeferiu a contestação escrita formulada pelo recorrente e aplicou-lhe uma multa. Em Junho de 2013, o recorrente interpôs recurso contencioso do referido despacho para o Tribunal Administrativo, pedindo que fosse o acto recorrido declarado nulo, com fundamento na violação por tal acto dos seus direitos fundamentais, do princípio da reserva de lei e do princípio da legalidade.

        No tocante à alegação do recorrente de o acto recorrido ter ofendido os seus direitos fundamentais e violado o princípio da reserva de lei, dado que o recorrente, nas suas alegações, apenas indicou genericamente os respectivos fundamentos de direito, sem expor ou analisar em concreto como é que o acto recorrido tinha violado os seus direitos fundamentais e o princípio da reserva de lei, o Tribunal Administrativo entendeu que eram de improceder estes dois fundamentos.

        Quanto ao alegado desrespeito do princípio da legalidade, o recorrente invocou principalmente o art.º 48.º da Lei n.º 3/2007 (Lei do Trânsito Rodoviário) e o facto de nenhuma das outras disposições sancionar a falta de colocação no veículo do cartão identificativo para deficientes físicos do seu veículo.

        No entender do Tribunal Administrativo, em consonância com os respectivos preceitos legais, o legislador só previu sanções para o estacionamento de veículo não autorizado nos locais destinados, mediante sinalização, ao estacionamento de certos veículos, não se vislumbrando que o legislador pretendesse equiparar, para efeitos de punição, aqueles que não tenham colocado no veículo o cartão identificativo de veículos determinados, ou que o tenham posto em lugar invisível no interior do veículo, aos infractores que não tenham autorização para utilizar os locais destinados ao estacionamento de certos veículos. Tendo em vista a administração eficaz dos lugares de estacionamento reservado para deficientes físicos, inclusive a evitação da utilização desses lugares pelos não deficientes, a DSAT pôs-se a conceder autorização aos condutores com deficiência física que reúnam as respectivas condições, com atribuição do cartão identificativo para deficientes físicos do seu veículo. É verdade que, do ponto de vista da execução da lei, será mais conveniente os condutores que utilizem os lugares de estacionamento reservado para deficientes físicos, ao estacionar o seu veículo já registado como correspondente ao tipo determinado, colocarem no veículo o respectivo documento identificativo em lugar bem visível fora do veículo. Mas a entidade recorrida não pode qualificar a situação do recorrente como utilização sem autorização dum lugar de estacionamento reservado para deficientes físicos, para tomar isso como pressuposto de direito da aplicação de sanções. Sendo assim, de acordo com o art.º 48.º, n.º 1, al. 6) e n.º 3 e o art.º 138.º, n.º 2 da Lei do Trânsito Rodoviário, em conjugação com o art.º 21.º, n.º 1, al. d) do Código de Processo Administrativo Contencioso e o art.º 124.º do Código do Procedimento Administrativo, a entidade recorrida, na aplicação da lei, incorreu em erro sobre o pressuposto de direito, devendo, portanto, ser anulado por violação de lei.

        Nos termos acima expendidos, o Tribunal Administrativo decidiu anular o acto recorrido, por viciado de violação de lei.

        Cfr. Sentenças do Tribunal Administrativo, processos n.ºs 1018/13-ADM e 1020/13-ADM.

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

12/05/2014