Situação Geral dos Tribunais

Absolvição do crime de emprego ilegal, justificada pelo facto de contrato de empreitada não constituir relação de trabalho

      Em 21 de Junho de 2012, guardas do Corpo de Polícia de Segurança Pública descobriram numa loja de rés-do-chão que quatro residentes do Interior da China (incluindo Tam X, empregador dos outros três) estavam lá a fazer trabalhos de remodelação. Na altura, Tam X, portador do salvo-conduto para deslocação a Hong Kong e Macau, permanecia em Macau na qualidade de visitante, sem possuir qualquer documento legal que lhe permitia trabalhar aqui. O empreiteiro da obra de remodelação na referida loja era o arguido Chan X, que subadjudicou a obra a Tam X no dia 17 de Junho de 2012, pelo preço de MOP$85.000,00, para este se encarregar dos trabalhos de remodelação na dita fracção autónoma. No decurso da subadjudicação, o arguido não verificou que tipo de documento é que Tam X detinha, ainda que tivesse condições para tal e pudesse prever a eventual situação ilegal. Mesmo sabendo bem que era possível Tam X não ter documento para trabalhar em Macau, o arguido não deixou de estabelecer com ele a relação acima descrita, adoptando uma atitude de indiferença e aceitação em relação aos prováveis resultados. Nestes termos, o Tribunal Judicial de Base condenou o arguido Chan X pela prática dolosa, em autoria material e na forma consumada, de um crime de emprego ilegal previsto e punível pelo art.º 16.º da Lei n.º 6/2004, na pena de seis meses de prisão, suspensa na sua execução por dois anos.

      Não se conformando com a sentença a quo, o arguido Chan X veio dela recorrer, invocando, em síntese, os fundamentos seguintes: Ao subadjudicar a respectiva obra de remodelação a Tam X, o recorrente concluiu com este um contrato de empreitada, sendo que tal espécie de contrato, geralmente, não deve caber na situação de emprego ilegal, daí se verificar erro na aplicação da lei na decisão recorrida. Não se provou na sentença posta em causa que, na celebração do contrato de empreitada entre o recorrente e Tam X, se tenha previsto que este devesse prestar trabalho pessoalmente para receber a remuneração correspondente, pelo que a sentença recorrida padece do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada. Assim, o recorrente pediu ao Tribunal de Segunda Instância que, por convolação, o absolvesse do crime que lhe foi imputado.

      Entendeu o Colectivo do Tribunal de Segunda Instância: O recorrente apenas levantou uma questão, que consiste em saber se, com base nos factos dados como provados pelo Tribunal a quo, pode o recorrente ser condenado pelo crime que lhe foi imputado (o recorrente defendeu que não). Trata-se de uma questão de direito. In casu, o recorrente foi acusado pela prática de um crime de emprego ilegal. Geralmente, o preenchimento deste tipo de crime depende da prova do facto de o agente ter constituído relação de trabalho com indivíduos não titulares de documentos comprovativos de autorização de trabalho no Território, e da verificação de um elemento subjectivo: o conhecimento perfeito do agente do facto essencial de que os respectivos trabalhadores não tinham documentos legais para trabalhar em Macau. Ora, a particularidade deste caso concreto reside em saber se o contrato de empreitada (contrato de subadjudicação) celebrado entre o recorrente e os mencionados indivíduos do Interior da China constitui ou não uma relação de trabalho a que se refere o n.º 1 do art.º 16.º da Lei n.º 6/2004.

      De acordo com o princípio nullum crimen, nulla poena sine lege, por um lado, não está previsto na lei que a outorga de contrato de empreitada com indivíduo que não reúna condições para trabalhar em Macau é ilegal e punível por tratar dum facto criminoso. Por outro lado, se o agente tivesse celebrado com indivíduos sem condições para trabalhar em Macau um contrato de empreitada que fosse, na verdade, um contrato de trabalho, a acusação não poderia simplesmente colocar várias frases de carácter conclusivo e escritas em linguagem jurídica tal como sucedeu com a acusação no presente auto, mas antes, deveria indicar mais factos que permitam verificar os pressupostos de punibilidade em relação às actividades que possibilitaram aos indivíduos trabalharem em Macau ainda que não tivessem documentos legais para tal, ou melhor dizer, os elementos objectivos e subjectivos do crime em questão. No entanto, atentos os factos expostos nos autos, mostra-se impossível qualificar o contrato de empreitada celebrado entre o recorrente e Tam X como relação de trabalho punida pelo art.º 16.º, n.º 1 da Lei n.º 6/2004. Por esse motivo, considera-se errada a condenação imposta pelo Tribunal a quo, devendo a decisão recorrida ser anulada e o arguido ser absolvido.

      Pelo exposto, o Colectivo do Tribunal de Segunda Instância julgou procedente o recurso interposto pelo recorrente, anulando a sentença recorrida e absolvendo o recorrente do crime imputado.

      Cfr. Acórdão do Tribunal de Segunda Instância, processo n.º 377/2013.

 

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

20/05/2014