Situação Geral dos Tribunais

Peões têm prioridade absoluta nas passadeiras de peões zebra

      No dia 24 de Novembro de 2007, da manhã, o arguido X Ip conduzia mota pela Rua XX e viu que alguns indivíduos estavam a preparar a atravessar a passadeira de peões (zebra) que ficou em frente dele, a uma curta distância. Mas o arguido, que pensava que os peões iam o deixar passar primeiro, não reduziu adequadamente a velocidade nem parou o veículo. O ofendido X Lam, que era pessoa cega da vista direita, viu a mota conduzida pelo arguido mas iniciou a travessia por achar que havia ainda uma grande distância longitudinal entre a mota e a passadeira. Quando passado mais ou menos dois metros dentro da passadeira, chegou o arguido com a sua mota, o qual não conseguiu travar a tempo e embateu no ofendido. O ofendido foi transportado ao hospital em ambulância dos Corpos de Bombeiros e ficou lá internado até 20 de Dezembro de 2007, durante o qual foi submetido à redução aberta e fixação interna das fracturas no joelho esquerdo. O embate provocou directamente ao ofendido contusão cerebral com pequena hemorragia subaracnóidea no lado direito e fracturas na articulação do tornozelo esquerdo, confirmou o diagnóstico feito no hospital. De acordo com o relatório medico-legal, até ao dia 8 de Abril de 2008, dia em que se realizou o exame médico, a vítima não recuperou ainda dos ferimentos acima descritos, estes tinham-lhe acarretado doença permanente que é grave ofensa à sua integridade física.

      O Ministério Público acusou o arguido da prática de um crime de ofensas graves à integridade física por negligência. O ofendido formulou pedido de indemnização civil, requerendo a condenação do arguido (1º requerido) e da Companhia de Seguros de Macau, S.A.R.L. (2ª requerida) no pagamento solidário de uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais no valor de MOP893.541,60. (Por a apólice de seguro, foi transferida à Companhia de Seguros de Macau, S.A.R.L. a responsabilidade civil emergente da circulação da mota conduzida pelo arguido, sendo o valor máximo da indemnização civil de quinhentas mil patacas por cada acidente.)

      Acórdão proferido pelo Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base: Condena-se o arguido pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de ofensas graves à integridade física por negligência, p.p. pelo Código Penal e pela Lei nº 3/2007 (Lei do Trânsito Rodoviário), na pena de um ano e quatro meses de prisão, suspensa a sua execução pelo período de dois anos e na pena acessória de inibição de condução pelo período de seis meses. Na parte de indemnização Civil, condenam-se os dois requeridos em pagar ao requerente X Lam uma indemnização no valor de MOP555.091,60: MOP55.091,61 pelo 1º requerido e MOP500.000,00 pela 2ª requerida, ou seja, Companhia de Seguros de Macau, S.A.R.L.

      Inconformada, a Companhia de Seguros de Macau, S.A.R.L. recorreu para o Tribunal de Segunda Instância da decisão proferida pelo Tribunal Judicial de Base, defendendo que, em primeiro lugar, o ofendido não conseguia medir precisamente a distância entre a passadeira e a mota conduzida pelo arguido e entrou a correr na passadeira de zebra, o que fez com que o arguido não conseguisse parar a mota a tempo, razão pela qual o ofendido devia assumir uma parte da responsabilidade emergente do acidente rodoviário (devendo tomar, pelo menos, 30% da responsabilidade).

      Entendimento do Tribunal de Segunda Instância: Nos termos dos artigos 32º e 37º da Lei do Trânsito Rodoviário, os peões têm prioridade absoluta nas passadeiras (vulgarmente chamadas zebras). Segundo os factos provados nesta causa, o arguido pensava que o peão em causa ia deixá-lo a passar primeiro, portanto não reduziu adequadamente a velocidade nem parou o veículo. E na altura, o ofendido conseguiu ver a mota conduzida pelo arguido e entrou na passadeira porque achava que havia ainda uma grande distância longitudinal entre a mota e a passadeira. O acidente de viação foi gerado pelo facto de o arguido não moderar a velocidade para deixar passar os peões. O Tribunal a quo não conseguiu provar o facto de que o ofendido entrou a correr na passadeira repentinamente, nem o facto “o ofendido é cego de vista direita, tendo dificuldade de percepcionar a situação no lado direito dele”. Por conseguinte, deve ser julgado improcedente este fundamento.

      Em segundo lugar, a recorrente achava que o valor de indemnização por danos não patrimoniais fixado era demasiado alto, entendendo ser razoável o valor máximo de MOP150.000,00. Entendimento do Tribunal de Segunda Instância neste aspecto: É difícil quantificar financeiramente os danos morais decorrentes de um acto ilícito, pois a saúde mental é inestimável. E a indemnização por danos morais fixada por tribunal serve apenas para tentar amenizar a dor sofrida pelo ofendido. A lei concede ao tribunal liberdade para determinar o valor de indemnização segundo os critérios objectivos e de equidade e com base em todas as circunstâncias relevantes. Só há lugar para a intervenção de tribunal de recurso quando se verifique erro grosseiro ou manifesta injustiça na decisão do tribunal a quo. Nesta causa, não se constata qualquer erro grosseiro ou manifesta injustiça na decisão do Tribunal a quo de fixação de valor de indemnização por danos morais em MOP450.000,00, nem é demasiado elevado o montante. Pelo exposto, este Tribunal não vê outro motivo atendível para baixar o valor da indemnização, assim, julga-se improcedente este fundamento invocado pela recorrente.

      Nos termos expostos, o Tribunal de Segunda Instância negou provimento ao recurso interposto pela Companhia de Seguros de Macau, S.A.R.L., mantendo a decisão a quo.

      Cfr. o acórdão proferido no processo nº 501/2011 do Tribunal de Segunda Instância.

 

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

21/05/2014