Situação Geral dos Tribunais

Quantias da comparticipação pecuniária atribuídas pelo Governo da RAEM aos cidadãos não pertencem aos bens impenhoráveis

      Num processo de contravenção laboral realizado no 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, um indivíduo do sexo masculino foi condenado ao pagamento aos oito empregados de uma indemnização no valor total de MOP48.515,00, e mais MOP8.800,00 de multa e MOP1.003,00 de custas judicias. Dado que o referido indivíduo não cumpriu a decisão judicial de forma voluntária, contra ele o Ministério Público intentou a acção executiva junto do Tribunal Judicial de Base, requerendo ao Tribunal que fosse penhorada a quantia da comparticipação pecuniária do respectivo ano atribuída pelo Governo da RAEM ao executado, tendo, contudo, a acção sido rejeitada pelo juiz, mediante o despacho em razão do art.º 707.º, n.º1, al. b) e n.3 do Código de Processo Civil.  

      Inconformado com a decisão, dela veio o Ministério Público recorrer para o Tribunal de Segunda Instância, defendendo que o juiz do Tribunal a quo erradamente interpretou as disposições legais, requerendo assim a anulação do despacho recorrido e a autorização da penhora.

      Considerou o Tribunal de Segunda Instância que a questão chave nos autos reside em saber se as quantias da comparticipação pecuniária atribuídas pelo Governo da RAEM aos cidadãos pertencem aos “bens parcialmente impenhoráveis” previstos no art.º 707.º, n.º1, al. b) do Código de Processo Civil, bem como se o juiz pode, nos termos do art.º 707.º, n.º3 do mesmo código, totalmente isentar de penhora as respectivas quantias.

      Após feita uma comparação entre a quantia da comparticipação pecuniária e a regalia social, o Colectivo indicou que normalmente a regalia social reveste-se de carácter perpétuo e contínuo e uma vez definida por lei e reunidos os pressupostos do facto concreto, constituiu um direito económico do beneficiário. Mas é diferente da qual, a comparticipação pecuniária, como um plano criado pelo Governo de Macau tendo em consideração o bom desenvolvimento económico nos anos recentes e os lucros financeiros existentes nos anos, no sentido de atribuir riqueza aos cidadãos, de tal maneira a compensá-los por terem contribuído para esses resultados. A quantia da comparticipação pecuniária não tem ligação directa com a situação financeira do beneficiário e a situação social, a qual só varia segundo a qualidade de residente permanente e não permanente. Além disso, a quantia da comparticipação pecuniária também não é fixa, não obstante ter vindo a aumentar em todos os anos, pode ser reduzida consoante a alteração de situação económica global até que a sua atribuição possa ficar parada a qualquer momento sem constituir violação do princípio de confiança. Assim a comparticipação pecuniária tem um carácter instável, não sendo uma regalia social nem pertencendo a “bens parcialmente impenhoráveis” previstos no art.º 707.º, n.º1, al. b) do Código de Processo Civil.

      Por outro lado, o juiz também não pode isentar totalmente de penhora tal quantia ao abrigo do art.º 707.º, n.º3, uma vez que, o que se envolve nos autos é uma indemnização a pagar aos empregados, enquanto estes são presumidos que não possuem capacidade económica suficiente, como camada desfavorável, necessitando cada vez mais da protecção na lei em relação aos empregadores. Quanto às “necessidades do executado e seu agregado familiar”, o executado, de maneira nenhuma, não alegou estar ele ou seu agregado familiar em situação de insuficiência económica, nem se verificou qualquer dado nos autos que possa provar essa situação, e muitos menos se tal situação corresponde à verdade, pode o executado exercer ainda o seu direito de oposição nos termos do art.º 753.º do Código de Processo Civil. Pelo que, não estão preenchidos os pressupostos para a total isenção de penhora.

      Pelo acima exposto, o Colectivo do Tribunal de Segunda Instância julgou procedente o recurso, anulando o despacho recorrido, mais ordenando ao Tribunal Judicial de Base que procedesse à autorização da penhora requerida pelo Ministério Público, perante a inexistência de outra causa impediente.

      Cfr. Acórdão do Tribunal de Segunda Instância, processo n.º 316/2011.

 

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

29/05/2014