Situação Geral dos Tribunais

Imputação reputada verdadeira de boa fé não integra o crime de difamação

        Num caso penal de acusação particular, dois assistentes, A (sociedade de fomento predial, limitada, mediador e agente imobiliário) e B (agente de mediação imobiliária) acusaram a ré C (arguida) da prática de um crime de difamação e pediram indemnização civil. São os seguintes factos principais na causa vertente: A 26 de Janeiro de 2013, a ré publicou no site de rede social “FACEBOOK” factos e comentários relativos a A e B, cujo teor era o seguinte: «Estou mesmo chateada!!!! Os agentes imobiliários de hoje não sabem mesmo trabalhar!!! Mandou-me passar uma livrança para ver um prédio. Só me disse que o prédio já não se vendia quando a livrança se tinha passado!!! Se o prédio não se vende, diga-me logo no início. Para quê passar a livrança!!! Para me divertir!!! Outro ainda pior. Usou a livrança que passei para regatear o preço, mas veio a vender a fracção a outra pessoa!!! Tenham cuidado quando arranjarem prédio. Nunca procurem as agências imobiliárias do “Sr. A G” e do “Sr. H I”!!!».

        A ré C apresentou contestação ao Tribunal, no sentido de prestar esclarecimentos e pedir a dispensa de pena.

        O 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, tendo ouvido as declarações e esclarecimentos prestados pela arguida durante a audiência de julgamento realizada pelo tribunal singular, e depois de ter analisado os factos provados e os demais dados constantes dos autos, formou a convicção de que a arguida se limitava a expor o que lhe efectivamente aconteceu, ou seja, a agente tinha tido fundamento sério para, em boa-fé, reputar a imputação verdadeira, subsumindo-se, pois, o caso à hipótese de impunibilidade prevista no art.º 174.º, n.º 2, al. b) do Código Penal. Nesta conformidade, absolveu-se a arguida da acusação.

        Inconformados com a sentença, A e B recorreram para o Tribunal de Segunda Instância, com os fundamentos seguintes: O Tribunal a quo cometeu erro notório na apreciação das provas nos autos (violou, em especial, o princípio do ónus da prova). Ademais, a matéria de facto provada era insuficiente para a formação da decisão ora em causa. Com base nisso, pediram ao Tribunal ad quem que decidisse em condenar a arguida.

        O Colectivo do Tribunal de Segunda Instância apontou o seguinte: O erro notório na apreciação da prova referido no art.º 400.º, n.º 2, al. c) do Código de Processo Penal existe quando o tribunal incorreu em erro no reconhecimento de factos, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou as regras da experiência comum. Tal erro tem que ser ostensivo.

        Após analisada a fundamentação dada pelo Tribunal a quo sobre a sua decisão, o Colectivo do Tribunal de Segunda Instância entendeu que qualquer pessoa capaz de ler o texto da sentença recorrida, depois de o ler, à luz das regras da experiência da vida quotidiana humana, não consideraria desrazoável o resultado do conhecimento de facto obtido pelo Tribunal a quo. Para além disso, não se vislumbra que o Tribunal a quo tenha violado o princípio do ónus da prova (com efeito, dos fundamentos da decisão recorrida resulta que o Tribunal a quo acabou por aceitar as declarações da arguida, admitindo que a mesma, de boa-fé, tinha reputado as circunstâncias por si publicadas na Internet como verdadeiras). Por isso, mostra-se infundada a alegação dos dois recorrentes de que o Tribunal a quo incorreu em erro notório na apreciação da prova. Em consonância com o resultado do conhecimento de facto obtido pelo Tribunal a quo, a arguida, de modo algum, não pode ser condenada.

        Acordaram no Colectivo do Tribunal de Segunda Instância em julgar improcedente o recurso interposto por A e B e, em consequência, manter a decisão a quo.

        Cfr. Acórdão do Tribunal de Segunda Instância, processo n.º 23/2014.

 

 Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

05/06/2014