Situação Geral dos Tribunais

Concurso de responsabilidades civis, ficando o lesado arriscado pela sua opção

       Em 1996, para tratar a varicosidade na veia espermática, o lesado submeteu-se à intervenção cirúrgica de laqueação da veia espermática esquerda num hospital privado em Macau, porém, o corte ou laqueação da artéria espermática levou à insuficiência de irrigação sanguínea, dando início à necrose do testículo esquerdo. Da morte dos tecidos do testículo resultou a fibrose testicular. Posteriormente, o lesado deslocou-se a outro hospital onde lhe foi diagnosticada atrofia do testículo esquerdo que afectaria a sua capacidade reprodutora. Por conseguinte, o lesado intentou uma acção judicial no Tribunal Judicial de Base, na qual apresentou o pedido de condenação do referido hospital privado no pagamento de indemnização de MOP450.000,00 pelos danos patrimoniais e de MOP2.500.000,00 pelos danos morais sofridos. Todavia, o TJB julgou improcedente o pedido do lesado por considerar não verificado o nexo de causalidade entre a conduta dos profissionais de saúde e os danos sofridos pelo lesado e porque o lesado não logrou provar que os médicos deveriam ter optado por outra via, na intervenção no caso em apreço.

       Inconformado com a decisão, o lesado recorreu para Tribunal de Segunda Instância, alegando que, conforme os factos assentes, se concluiu a existência do aludido nexo de causalidade. A par disso, entendeu o lesado que neste caso estava envolvido um hospital privado, pelo que, do acórdão de uniformização de jurisprudência do processo n.º 23/2005 do Tribunal de Última Instância, podia deduzir-se que ao caso se devia aplicar o regime da responsabilidade civil contratual, ou seja, os médicos eram responsáveis por provar que tinham agido sem culpa, em vez de ser o Autor a provar a existência de culpa na conduta dos médicos.

       No entendimento do Tribunal de Segunda Instância, embora, conforme a dita uniformização de jurisprudência, a responsabilidade civil por actos ou omissões na prestação de cuidados de saúde em estabelecimentos públicos tenha natureza extracontratual, isto não implica que às instituições médicas privadas seja necessariamente aplicável o regime da responsabilidade civil contratual. Pelo contrário, entendeu o TSI que a responsabilidade civil das instituições médicas privadas tinha simultaneamente natureza contratual e extracontratual, e que o lesado devia optar o regime de responsabilidade, correndo os riscos da sua opção.

       In casu, afigura-se que o Autor optou pelo regime da responsabilidade civil extracontratual, pois para além de não ter alegado factos concretos e demonstrativos da existência da relação contratual entre ele e a Ré, estruturou a causa de pedir nas acções culposas e ilícitas ou omissões da Ré com as quais lhe causaram prejuízos patrimoniais e morais. Além disso, quando a Ré deduziu excepção, invocando o término do prazo da prescrição de 3 anos do direito do Autor para intentar a acção para responsabilidade civil extracontratual, o Autor, para além de não ter defendido que ao caso se devia aplicar o regime da responsabilidade civil contratual, cujo prazo da prescrição era de 15 anos, concordou que o prazo da prescrição era de 3 anos, só que ele apenas tomou conhecimento do direito que lhe assiste e da pessoa responsável em 25 de Fevereiro de 2000, consequentemente, ainda não se terminou o prazo da prescrição de 3 anos, daí se implica que o Autor concordou que a responsabilidade civil do hospital em causa tinha natureza extracontratual. Em seguida, quando o Juiz ordenou oficiosamente notificar as partes para esclarecerem a relação estabelecida entre as mesmas, veio o Autor, pela primeira vez, dizer de forma conclusiva que existia um contrato de prestação de serviços entre ele e a Ré. Contudo, com base na falta de alegação pelo Autor de factos concretos e demonstrativos da existência da aludida relação contratual e no princípio da estabilidade da instância previsto no art.º 212º do Código de Processo Civil, o TSI não considerou que esta última afirmação do Autor relevasse para a determinação do regime da responsabilidade civil aplicável ao presente caso, pelo que concluiu que o Autor optou pelo regime da responsabilidade civil extracontratual.

       Sendo o regime da responsabilidade civil extracontratual aplicável ao caso, nos termos das regras gerais do ónus da prova previstas no n.º 1 do art.º 335º do Código Civil, ao Autor cabia o ónus da prova. Como é sabido, para exigir a responsabilidade civil extracontratual da Ré, o Autor necessita de provar todos os pressupostos da responsabilidade, nomeadamente facto, ilicitude, culpa, dano e nexo causal entre o facto e o dano. In casu, embora o TSI se conformasse parcialmente com os fundamentos do recurso do Autor e provasse que os danos sofridos pelo Autor resultavam da intervenção cirúrgica, havendo portanto nexo de causalidade entre o facto e os danos, o Autor não apurou a ilicitude e culpa da Ré, pelo que se devia julgar improcedente o recurso interposto pelo Autor.

       Pelo exposto, o TSI negou provimento ao recurso interposto, confirmando a sentença recorrida.

       Cfr. o acórdão do processo n.º 288/2010 do Tribunal de Segunda Instância.

 

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

06/06/2014