Situação Geral dos Tribunais

Não é relevante a apresentação de queixa ou não pelo ofendido do crime de ofensa qualificada à integridade física

      O arguido A foi acusado pelo Ministério Público da prática de um crime de ofensa qualificada à integridade física, p. e p. pelos art°s 140°, n.° 1 e 2, 137°, n.° 1 e 129°, n.° 2, al. h), todos do Código Penal de Macau. Perante a desistência da queixa pelo ofendido e não oposição do arguido, o Tribunal Judicial de Base homologou a desistência e determinou o arquivamento dos autos. Inconformado com a decisão, o Ministério Público recorreu, entendendo que dada a natureza pública do supracitado crime, irrelevante era a referida desistência da queixa, pedindo assim ao Tribunal de Segunda Instância a revogação da decisão recorrida.

      O Tribunal de Segunda Instância considerou que a questão em causa reside em saber a qualificação do crime de ofensa qualificada à integridade física, bem como se é valida a subsequente desistência da queixa pelo ofendido. Nos termos do art.º 37.º do Código de Processo Penal, o Ministério Público tem legitimidade para promover o processo penal, mas nos termos dos art.ºs 38.º e 39.º do código, é um crime semi-público/particular para cujo procedimento penal depende de queixa/acusação particular, e para que o Ministério Público promova o processo, é necessário que a pessoa com legitimidade para apresentar queixa/acusação particular dê conhecimento o facto ao Ministério Público, constituindo-se assistente e deduzindo acusação particular; pelo contrário, quando não exista disposição legal expressa que restrinja o procedimento penal aplicável a determinado crime, é um crime público, constituindo nulidade insanável se o Ministério Público não instaurar processo e promover procedimento penal contra tal crime.

      Por outro lado, embora dispunha o Código Penal no seu art.º 137.º, n.º2 que o procedimento penal depende de queixa quanto ao crime de ofensa simples à integridade física, dispositivo esse não existe nos crimes previstos nos art.ºs 138.º, 139.º e 140.º, assim o Tribunal de Segunda Instância entende que o legislador já exprimiu explicitamente essa diferença e isso mais corresponde à disposição sobre a interpretação da lei prevista no art.º 8.º, n.º3 do Código Civil, sendo o art.º 140.º um pensamento orientador do legislador de aplicar pena mais severa contra o acto relativamente mais grave, artigo esse criado à base do art.º 137.º que visa acrescentar nova exigência face aos requisitos de culpa. Assim sendo, em relação ao art.º 137.º, o art.º 140.º é um tipo de crime independente e uma vez apuradas as respectivas circunstâncias agravantes pelo tribunal após feita investigação, é considerado como crime público. Com base nisso, o Colectivo julgou como crime público o crime de ofensa qualificada à integridade física, a instauração do respectivo procedimento penal não depende da queixa do ofendido, não sendo relevante a desistência de queixa, nem produzindo efeitos jurídicos.

      Pelo acima exposto, o Colectivo do TSI julgou procedente o recurso.

      Cfr. Acórdão do Tribunal de Segunda Instância, processo n.º 262/2013.

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

Aos 25 de Junho de 2014