Situação Geral dos Tribunais

Ordem de Despejo pela Ocupação Injustificada de Terrenos

      O Chefe do Executivo proferiu despacho em 5 de Dezembro de 2008, em que ordenou a A e B que procedessem, no prazo de 20 dias a contar da notificação, à desocupação de duas parcelas de terreno, assinaladas com as letras “A2” e “B1a” na planta cadastral, removendo os materiais e equipamentos neles depositados e a entrega das mesmas parcelas ao governo da RAEM sem direito a qualquer indemnização. Inconformados, A e B interpuseram para Tribunal de Segunda Instância recurso contencioso de anulação que foi julgado improcedente pelo mesmo tribunal e o acto administrativo recorrido foi mantido.

      Ainda inconformados, recorreram A e B para o Tribunal de Última Instância, alegando: o Tribunal de Segunda Instância analisou o pedido deles a partir de um errado pressuposto, porquanto não pretendem o direito de propriedade das parcelas de terreno em causa, apenas exigem ao Tribunal que reconheça, com base na prova documental apurada e nos depoimentos testemunhais prestados na audiência, a sua posse pública e de boa-fé sobre as mesmas parcelas.

      Factos aprovados pelo Tribunal: O terreno com as letras “A2” e “B1a” na planta cadastral não foi registado em nome particular (pessoa singular ou colectiva), nem se constituiu o seu direito de propriedade ou qualquer outro direito real de gozo, mormente não se registou a concessão do terreno por aforamento e pelo regime de locação, ao qual também não foi emitida qualquer licença de ocupação a título precário. No dia 5 de Agosto de 1976, a então Polícia Municipal emitiu a C, morador de uma barraca de madeira, a licença nº X/76, autorizando-lhe a restauração e o aumento do curral para suínos. No dia 23 de Junho de 1977, a então Polícia Municipal emitiu a C, morador duma barraca de madeira sita na Povoação de Sam Ka, Taipa, a licença nº XX/77, autorizando-lhe a restauração da barraca de madeira que se destinava a residência.O recorrente A é utilizador dos serviços da Companhia de Electricidade de Macau e dispõe da fotocópia duma “sá-chi-kai (escritura de papel da seda)”.

      Entendimento do Tribunal de Última Instância: A licença para a restauração da barraca existente no terreno e o aumento do curral para suínos é muito diversa da licença de ocupação a título precário do terreno que permite a ocupação legal do terreno para o desenvolvimento das actividades agrícolas ou actividades de outra natureza, a qual não constitui fundamento suficiente e válida para a ocupação e o uso do terreno. Os dois recorrentes não apresentaram qualquer licença de ocupação emitida conforme a Lei nº 6/80/M que estava vigente antes do dia 28 de Fevereiro de 2014. No tocante aos documentos apresentados pelos mesmos, tais como a factura emitida pela Companhia de Electricidade de Macau com a data de 2 de Fevereiro de 2009, a fotocópia duma “sá-chi-kai” e a planta cadastral emitida pela Direcção dos Serviços de Cartografia e Cadastro (DSCC), estes não são relevantes para comprovar a ocupação legal e válida das parcelas de terreno pelos dois recorrentes ou seus familiares antepassados. Importa frisar que da planta cadastral emitida pela DSCC consta uma declaração que indica expressamente que a planta cadastral “não constitui presunção do direito de propriedade sobre o terreno assinalado”.

      Em suma, o acto administrativo em questão não pode ser censurado uma vez apurados os factos de que as parcelas de terreno não foram registadas em nome particular e que os dois recorrentes e os seus familiares não possuem qualquer documento legal respeitante ao uso ou à ocupação das mesmas parcelas.

      Os dois recorrentes alegaram ainda que não podem pretender, em virtude das disposições do artigo 7º da Lei Básica da RAEM, o direito de propriedade das parcelas de terreno em causa, desejando, no entanto, que o Tribunal possa ter em conta o regime jurídico da posse estabelecido pelo Código Civil e reconheça a situação jurídica de posse efectiva e de domínio útil do terreno, que vem sendo exercida há várias décadas. Mas apontou o Tribunal Colectivo que o presente processo judicial é o recurso contencioso que serve apenas para apreciar a legalidade do acto administrativo. Para alcançarem o resultado esperado, ou seja, o reconhecimento da posse dos terrenos, devem os dois recorrentes intentar uma acção adequada, i.e., a acção declarativa de reconhecimento, sendo esta o processo judicial para declarar um direito ou a existência/não existência de um facto.

      Nos termos exposto, o Tribunal Colectivo do Tribunal de Última Instância negou provimento ao recurso.

      Cfr. o acórdão proferido no processo nº 9/2014 do Tribunal de Última Instância.

 

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

30/06/2014