Situação Geral dos Tribunais

O pagamento da multa não vale como aceitação da punição, ainda havendo lugar a recurso

       Em 12 de Janeiro de 2011, numa operação de inspecção de empregados ilegais, os guardas do Corpo de Polícia de Segurança Pública detectaram que o empregado A. da loja “Watson’s Wine Cellar”, sita em “The Atrium” do 3º andar do Centro Comercial do Canal Grande do Venetian Resort, não tinha documento legal que lhe permitisse trabalhar em Macau, pelo que foi elaborado o auto de notícia em relação a essa situação. No dia seguinte, o Chefe do Departamento de Inspecção do Trabalho aplicou ao A. a multa de MOP5.000,00, pela violação do disposto na alínea 1) do n.º 5 do art.º 32º da Lei da contratação de trabalhadores não residentes, bem como o notificou de que a multa deveria ser paga no prazo de 15 dias, contados a partir da data da notificação da acusação, caso contrário, essa multa seria cobrada coercivamente pela Divisão de Execução Fiscal mediante o Processo de execução fiscal. Para evitar a cobrança coerciva, o A. pagou a multa em 24 de Janeiro de 2011. Em 14 de Fevereiro, o A. interpôs recurso hierárquico contra a aludida sanção administrativa, entretanto, foi rejeitado pelo Subdirector dos Serviços para os Assuntos Laborais com fundamento na carência de legitimidade para recorrer, por A. ter aceitado tacitamente o acto punitivo. Em seguida, o A. recorreu contenciosamente para o Tribunal Administrativo, mas foi também rejeitado o recurso pela mesma razão.

       Inconformado com a decisão, o A. recorreu para o Tribunal de Segunda Instância, alegando a existência dos vícios de violação da lei, de erro nos pressupostos de facto e de nulidade na sentença recorrida.

       Apontou o Tribunal colectivo do Tribunal de Segunda Instância que a única questão que se importava resolver nesta causa, era a seguinte: será que o pagamento da multa pelo próprio administrado, antes dele mesmo recorrer hierarquicamente, sem qualquer declaração de reserva, consubstancia uma aceitação tácita do acto punitivo? Face a esta questão, existem duas opiniões contrárias na jurisprudência: por um lado, caso não houver qualquer reserva declarada pelo sancionado no pagamento da multa, deve considerar-se que a conduta deste é um fruto da vontade totalmente livre e disponível, e sem sombra de coercibilidade, nem constrangimento, razão pela qual se infere a aceitação tácita da sanção e a renúncia ao direito de impugnação pelo sancionado; e, por outro lado, caso o pagamento da multa for efectuado como modo de o sancionado escapar a uma consequência gravosa ou prejuízo maior, não lhe causará a perda do direito de impugnação mesmo que não tenha sido declarada a reserva do referido direito no pagamento da multa.

       No presente recurso, o Tribunal colectivo adoptou a segunda opinião, considerando que o recorrente pagou a multa com vista a evitar a instauração do Processo de execução fiscal contra ele e não porque quisesse renunciar ao direito de impugnação. O pressuposto de ilegitimidade de recorrer, indicado no n.º 2 do art.º 34º do Código de Processo Administrativo Contencioso, consiste na “prática espontânea” de facto incompatível com a vontade de recorrer pelo interessado. Tendo em conta que o recorrente tinha de pagar a multa num prazo de apenas 15 dias, sendo inferior ao prazo de 30 dias para interposição do recurso hierárquico, e que a notificação da acusação não lhe deu conhecimento de que a contagem do prazo para pagamento de multa seria suspensa com a interposição do recurso hierárquico, averiguou-se que, dificilmente, o pagamento de multa efectuado sob pressão do tempo seria entendido como um acto “praticado espontaneamente” em respeito à vontade totalmente livre e disponível, pelo que não se podia concluir que o recorrente tivesse revelado a vontade de não recorrer, não prejudicando, portanto, o direito dele à impugnação administrativa e ao recurso contencioso.

       Pelas razões acima expostas, o Tribunal colectivo concedeu provimento ao recurso e, em consequência, determinou a anulação da sentença do Tribunal Administrativo e do despacho do Subdirector dos Serviços para os Assuntos Laborais, ordenando à Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais para proferir a nova decisão sobre o recurso hierárquico interposto pelo A.

       Cfr. o acórdão do processo n.º 101/2012 do Tribunal de Segunda Instância.

 

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

03/07/2014