Situação Geral dos Tribunais

É fixado pelo Tribunal segundo juízos de equidade o montante da indemnização por danos morais

      No dia 12 de Dezembro de 2006, à noite, o arguido Lei XX conduzia um automóvel ligeiro, circulando na rua. A pouca distância da sua frente, o peão Hoi XX (ofendido) estava a atravessar a rua, e o local onde se encontrava este estava perfeitamente dentro do alcance visual do arguido. Embora existisse uma passadeira para peões a cerca de 33,10 metros do local onde Hoi XX se encontrava, ele não a utilizou para atravessar a rua. Quando Hoi XX entrou na faixa de rodagem onde circulava o arguido, este chegou ao local e, por não ter regulado a velocidade do seu veículo com antecedência, não conseguiu travar atempadamente, vindo a embater em Hoi XX com a parte dianteira do automóvel que conduziu. Após a ocorrência do acidente, o arguido sentiu que o automóvel que conduziu tinha atropelado um peão, mas, depois de parar um bocado, deixou o local no referido veículo, sem chamar a polícia ou descer do veículo para verificar a situação. Uma hora depois, os guardas da Polícia de Segurança Pública encontraram o arguido e detectaram que o vidro dianteiro e a placa de identificação do seu automóvel tinham sido danificados. De acordo com o teste que a polícia realizou ao arguido, este tinha consumido bebida alcoólica antes de conduzir o veículo e apresentou uma taxa de alcoolemia de 1,61 g/l, superior à máxima permitida pela lei. Na altura do acidente, o automóvel ligeiro conduzido pelo arguido possuía seguro de responsabilidade civil na Companhia de Seguros Ásia, Limitada.

      O embate acima aludido causou, directamente, lesões a Hoi XX. O comprovativo médico emitido em 13 de Setembro de 2007 pelo Hospital Kiang Wu revelou que o acidente provocara invalidez permanente ao Hoi XX, com a percentagem de invalidez verificada, no início, em 15% e, mais tarde, em 20%.

      O Ministério Público acusou o arguido da prática de um crime de ofensa grave à integridade física por negligência grosseira, de um crime de fuga à responsabilidade e de uma contravenção. O ofendido Hoi XX deduziu pedido de indemnização civil contra a Companhia de Seguros Ásia, Limitada, solicitando que lhe pagasse, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, o montante total de MOP$531.646,46.

      O Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, por acórdão, condenou o arguido Lei XX pela prática de um crime de ofensa grave à integridade física por negligência grosseira e um crime de fuga à responsabilidade, respectivamente, nas penas de 1 ano e 9 meses de prisão e de 4 meses de prisão, em cúmulo jurídico, na pena única de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano. Mais condenou o arguido na pena acessória de inibição de condução por 9 meses. No âmbito do pedido cível, condenou a Companhia de Seguros Ásia, Limitada a pagar ao ofendido Hoi XX, a título de indemnização por danos patrimoniais e morais, a quantia de MOP$181.149,20, absolvendo a mesma dos demais pedidos de indemnização civil.

      Inconformado com a decisão a quo, o requerente cível veio dela recorrer para o Tribunal de Segunda Instância, tendo o Tribunal Colectivo deste apreciado a petição do recorrente nas suas quatro vertentes:

      I - Da indemnização por danos imateriais

      O recorrente considerou deficitária e irrazoável a indemnização por danos morais fixada pelo Tribunal a quo no montante de MOP$150.000,00.

      Entendimento do Colectivo do Tribunal de Segunda Instância: está em causa a fixação do montante da indemnização por danos morais ou imateriais originados por negligência, a qual é efectuada pelo juiz segundo os princípios da imparcialidade e da justiça. Porém, o juiz apenas pode fazê-la com base nos factos provados e circunstâncias concretas de cada caso concreto, sendo-lhe impossível tomar um elemento quantificável surgido noutro caso ou veredicto como critério de determinação da indemnização por danos morais, já para não falar da existência de uma fórmula de cômputo dessa indemnização.

      Tendo em conta o grau de lesões corporais sofrido pelo ofendido - em particular, a incapacidade permanente verificada em 20% - à duração e o processo dos tratamentos médicos a que o mesmo se submeteu, o nível de influência da invalidez sobre a sua vida e trabalho, assim como, claro, as situações que atenuam relativamente a obrigação de indemnização decorrente da negligência, afigura-se evidente que se mostra baixo o montante de MOP$180.000,00 inicialmente pedido pelo demandante cível a título de indemnização por danos morais, já a indemnização fixada pelo Tribunal a quo na quantia de MOP$150.000,00 parece ser desconforme com o princípio da equidade. Não se pode perder de vista que a invalidez de 20% constitui de per si um dano efectivo. Há que perceber o que significa a perda de um quinto da capacidade corporal duma pessoa saudável, e em que medida tal perda prejudica a sua saúde física e psíquica. Importa ainda lembrar que a saúde física e psíquica dos homens tem um valor inestimável, sendo que a indemnização por danos morais prevista pela lei a favor dos ofendidos se limita a oferecer alguma consolação aos ofendidos através da indemnização em dinheiro, não podendo, pois, ser configurada como apreciação pecuniária do corpo humano. Assim sendo, no exercício do poder de julgar segundo juízos de equidade conferido pela lei, o julgador não pode ter o pensamento habitual de que a respectiva parte solicitaria sempre um montante ressarcitório superior àquele eventualmente fixado pelo tribunal. Em relação às 180.000,00 patacas pretendidas pelo demandante cível, sendo tal montante já bastante baixo, o Tribunal não tem margem para o reduzir equitativamente, e muito menos para desvalorizar a integridade física da pessoa humana com a ligeira redução de 30.000,00 patacas. Nestes termos, é procedente o recurso do recorrente nesta parte, alterando-se, consequentemente, o montante fixado pelo Tribunal a quo a título de indemnização por danos morais para o montante pedido pelo demandante cível, isto é, MOP$180.000,00.

      II - Da indemnização por perda de salário futuro

      Conforme alegou o recorrente no seu pedido cível, ele teria trabalhado, pelo menos, mais cinco anos, mas, na sequência do acidente em causa, não teve outro remédio senão demitir-se, tendo deixado de obter, por isso, MOP$331.636,00.

      O Colectivo do Tribunal de Segunda Instância manifestou o seguinte: de facto, o Tribunal a quo absteve-se de decidir sobre o pedido neste aspecto, tendo apenas verificado a perda efectiva de salário sofrida pelo demandante.

      No entender do mesmo Tribunal Colectivo, a indemnização por danos materiais compreende não só o prejuízo efectivamente causado, como também o dano futuro cuja ocorrência é certa. O caso típico deste último consiste na perda de remunerações do trabalho causada ao lesado pelo respectivo acidente. Ora, na fixação do montante indemnizatório neste domínio, tratando-se de um pagamento antecipado e realizado numa única prestação, o montante sofrerá, pois, uma redução adequada.

      Dos factos provados resulta que, antes do acidente, o recorrente era empregado duma fábrica de vestuário, ltda., na qual ingressou em 2 de Novembro de 1998, desempenhando as funções de porteiro. Pode dizer-se com certeza que, sem o acidente no caso vertente, o recorrente teria continuado a trabalhar como porteiro até estar disposto a aposentar-se. Pese embora o recorrente não tenha levantado dúvida acerca do julgamento de facto efectuado pelo Tribunal a quo, é possível tirar-se ilação a partir dos factos provados. Sobretudo, considerando o facto de ser Macau uma comunidade conhecida no mundo pela grande proporção da população idoso masculino, além do facto de, na realidade, haver imensos porteiros de idade avançada como o recorrente (facto evidente), apesar dos factos não provados supramencionados, podemos concluir que o recorrente era capaz de continuar a trabalhar. Quanto à questão de saber poderia o mesmo trabalhar mais quantos anos, só podemos decidir segundo juízos de equidade. O recorrente tinha 71 anos de idade aquando da ocorrência do acidente. Acredita-se que ele poderia trabalhar até aos 75 anos de idade. Como o recorrente já obteve a indemnização por danos emergentes equivalente a 273 dias de salário (de12 de Dezembro de 2006 a 11 de Setembro de 2007), conta-se, para efeitos de cálculo da perda de salário futuro, o período que vai desta última data até 4 de Agosto de 2010 (1059 dias no total).

      Na determinação do montante indemnizatório, haverá uma redução adequada visto que se deve pagar o montante numa única prestação. O valor do salário diário (calculado com base no salário mensal, MOP$4.737,00 / 30 = MOP$157,90) multiplicado por 1059 dias é igual a MOP$167.216,10. A seguir, aplica-se o princípio de se reduzir o montante em caso de pagamento antecipado. Em virtude de ser relativamente curto o respectivo período, entendemos ser adequado descontar 10% dessa importância, o que quer dizer que o recorrente deve ser indemnizado em MOP$167.216,10 x 90% = MOP$150.494,50. Sendo assim, procede o recurso interposto pelo recorrente nesta parte.

      III - Da indemnização pela passagem aérea da testemunha

      Conforme defendeu o recorrente, por razões imputáveis ao arguido, foi adiada a audiência de julgamento, levando a que a testemunha arrolada pelo recorrente tenha sofrido uma perda com a passagem aérea de ida e volta entre Macau e as Filipinas, perda essa que deve ser reparada pelo arguido.

      Entendimento do Colectivo do Tribunal de Segunda Instância: a assunção das despesas de transporte da testemunha não se integra no objecto do processo sub judice, devendo tais despesas ser abrangidas nas custas no tribunal para ser calculadas. Ao abrigo do disposto no art.º 25.º do «Regime das Custas nos Tribunais», as testemunhas têm direito a compensação nos termos das leis de processo (n.º 1), o pagamento é adiantado por quem ofereceu as testemunhas (n.º 2); se este, depois, vir a vencer, as compensações serão pagas pela parte vencida, ou pelas partes na proporção do respectivo decaimento, de acordo com a decisão judicial na parte referente às custas (art.º 21.º, n.º 1, al. c) do Regime das Custas nos Tribunais). Por esse motivo, deve-se anular a decisão do Tribunal a quo ora recorrida, que se mostra inadequada, e passar a decidir no sentido de serem as aludidas despesas suportadas pela parte vencida na proporção em que decair. No aspecto em análise, julga-se procedente o recurso do recorrente com fundamentos diversos.

      IV - Da repartição da responsabilidade pelo acidente de viação

      O recorrente não se conformou com a decisão a quo que lhe imputou 15% da responsabilidade pelo respectivo acidente de viação, destacando que, apesar de o recorrente, na altura da ocorrência do acidente, não ter utilizado a passadeira para peões para atravessar a rua, não devia assumir 15% da responsabilidade pelo acidente in questio, já que era mais razoável atribuir-lhe 5% dessa responsabilidade.

      Segundo o Colectivo do Tribunal de Segunda Instância, o critério para a determinação da responsabilidade por acidente de viação corresponde aos requisitos da responsabilidade civil extracontratual: o facto ilícito, o dano, a culpa do agente e o nexo de causalidade entre o facto e o dano. É verdade que o ofendido não utilizou a passadeira para peões (“zebra”) situada a cerca de 33,1 metros do local do acidente para atravessar a rua, mas o local por onde ele atravessava a rua estava perfeitamente no alcance visual do arguido. Ademais, o acidente em apreço foi causado pelo facto de que o arguido, antes de chegar ao local por onde o ofendido estava a atravessar a rua, não regulou adequadamente a velocidade do seu veículo, daí que não tenha conseguido travar a tempo. Ainda por cima, o arguido conduziu sob influência do álcool. Entre a conduta do ofendido e a produção do acidente existe, no máximo, um nexo de causalidade necessária, e não um nexo de causalidade adequada. A culpa dele apenas dá origem à responsabilidade por infracção às regras do trânsito (peão que atravessou indevidamente a rua), não devendo o mesmo assumir responsabilidade civil pelo acidente. Deste modo, o arguido deve ser exclusivamente responsável pelo acidente. Contudo, à luz do princípio do dispositivo no direito civil, o recorrente assume 5% da responsabilidade civil, uma vez que o deseja. Julga-se procedente o recurso do recorrente nesta parte, atribuindo-lhe 5% da responsabilidade civil pelo acidente em causa.

      Pelo exposto, o Colectivo do Tribunal de Segunda Instância julgou procedente o recurso interposto pelo recorrente Hoi XX, passando a condenar a recorrida Companhia de Seguros Ásia, Limitada a pagar ao recorrente, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, o montante total de MOP$373.930,74, acrescido dos juros de mora desde a presente data até integral pagamento.

      Cfr. Acórdão do Tribunal de Segunda Instância, processo n.º 926/2010.

 

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

14/07/2014