Situação Geral dos Tribunais

O recurso hierárquico interposto ao Chefe do Executivo do acto do Director dos Serviços de Finanças da liquidação de imposto é recurso hierárquico necessário

      Foram hoje julgados pelo Tribunal de Última Instância dois recursos jurisdicionais em matéria fiscal.

      Os dois casos têm a ver com a mesma questão de direito: os actos do Secretário para a Economia e Finanças que conheçam de recursos hierárquicos dos actos da liquidação oficiosa ou adicional do imposto de selo ou do imposto de selo especial (ou actos que decidem da não isenção ou da incidência do imposto) do director dos Serviços de Finanças são ou não contenciosamente recorríveis.

      O conjunto de acórdãos do Tribunal de Segunda Instância, a partir do acórdão do Processo n.º 272/2013 de 28 de Novembro de 2013entendeu que, a Lei n.º 12/2003 fez apenas alteração ao regime de recurso relativamente ao Imposto Profissional e ao Imposto Complementar de Rendimentos, e não ao regime de outros impostos, pois, no tocante a estes impostos continuasse a vigorar o regime do art.º 5.º da Lei n.º 15/96/M, isto é, nos termos das leis e regulamentos fiscais, o recurso hierárquico interposto ao Chefe do Executivo é facultativo. Assim, não pode ser interposto recurso contencioso das decisões, tomadas pelo Secretário para a Economia e Finança, com poderes delegados pelo Chefe do Executivo, que conheçam aqueles recursos hierárquicos. Para defender esta tese, o Tribunal de Segunda Instância apresentou três argumentos: primeiro, o título da Lei n.º 12/2013 se refere a alteração do Regulamento do Imposto Profissional e do Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos, e não referindo outros impostos; segundo, art.º 2.º da Lei n.º 12/2003 não fez explicitamente, tal como o art.º 5.º da mesma lei, a revogação de todas as normas que necessitam de ser revogadas; terceiro, na discussão do projecto da Lei n.º 12/2003 na Assembleia Legislativa, os deputados não terem referido a intenção de alterar o regime de recurso da Lei n.º 15/96/M.

      Vistos e rebatidos, pelo Tribunal de Última Instância, os três argumentos acima mencionados. Relativamente ao primeiro argumento, o Tribunal Colectivo indicou que a epígrafe da lei não tem valor prescritivo, só o texto da lei o faz. É que o título ou epígrafe da lei apenas anuncia em duas ou três palavras o que a lei contém. Não é possível, em muitos casos, fixar um título necessariamente curto para uma lei que pode ser extensa e tratar de muitos assuntos. Caso houver contradição entre o título e o texto da lei é o que está no texto da lei que prevalece. Mais ainda, epígrafe por epígrafe, parece que vale mais a do artigo do que a da lei. Ora, a epígrafe do artigo 2.º refere “Competências em matéria fiscal” e não “Competências e matéria de imposto profissional e de imposto complementar de rendimentos”. O que aponta para que se aplique à generalidade das leis e regulamentos fiscais.

      Em segundo lugar, a escolha do legislador no seu art.º 5.º da Lei n.º 12/2003 é a de fazer uma revogação expressa de quatro normas, porque para elas não era possível uma revogação implícita. Já no caso do art.º 2.º, seria muito mais complexa a revogação expressa, porque envolvia todas as leis e regulamentos atinentes a impostos, bem como leis orgânicas. Para evitar causar dúvida por se ter esquecido de revogar uma determinada norma, o legislador optou por fazer uma revogação tácita de todos os regimes em contrário dos anteriores, que seria muito mais prudente. Isto é simplesmente uma opção legislativa, da qual não se pode retirar nenhum argumento a favor da tese do acórdão do Tribunal de Segunda Instância.

      Enfim, o facto de os deputados não terem mencionado a alteração do regime de recurso previsto na Lei n.º 15/96/M aquando da discussão do projecto de lei na Assembleia Legislativa, não significa que o mesmo não foi alterado de facto.

      O Tribunal de Última Instância referiu que, o legislador mencionou “quando especialmente se preveja a reclamação para Comissões de Revisão” no n.º 2 do artigo 2.º da Lei n.º 12/2003 Lei, porque ele sabia bem que nem em todos os impostos existe impugnação da fixação da matéria colectável perante comissão de revisão, até existe imposto que nem sequer conhece esta comissão de revisão. Se o artigo 2.º se referisse apenas ao imposto profissional e ao imposto complementar de rendimentos não fazia nenhum sentido dizer-se “quando especialmente se preveja a reclamação para Comissões de Revisão”, já que nos termos do Regulamento do Imposto Profissional e do Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos, nestes impostos a impugnação da fixação da matéria colectável se fazia sempre para as comissões de revisão.

      Nos termos expostos, o Tribunal de Última Instância chegou à conclusão de que o artigo 2.º da Lei n.º 12/2003 se aplica a todos os impostos e, portanto, também, ao imposto de selo e imposto de selo especial, revogou o artigo 5.º da Lei n.º 15/96/M e derrogou as normas das leis e regulamentos fiscais que previam o recurso contencioso dos actos do director dos Serviços de Finanças, e foi por causa disso que o Tribunal de Última Instância concedeu provimento aos dois recursos, revogou os acórdãos recorridos e determinou que o Tribunal de Segunda Instância conhecesse do mérito dos dois recursos contenciosos, se nada a tal obstar.

      Cfr. os acórdãos proferidos nos processos nº 31/2004 e 32/2014 do Tribunal de Última Instância.

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

23/07/2014