Situação Geral dos Tribunais

A cláusula de proibição de concorrência não ofende a ordem pública, sendo confirmada a decisão arbitral estrangeira

       Recentemente, o Tribunal de Segunda Instância conheceu dum processo de revisão e confirmação de decisão arbitral estrangeira.

       Sucedido do caso: A requerente A é uma cadeia hoteleira de renome internacional. O requerido B exercia funções na empresa A. O contrato de trabalho celebrado entre A e B continha uma cláusula de proibição de concorrência segundo a qual, durante o prazo de 3 anos do contrato, B não devia participar de qualquer forma, em qualquer empresa que estivesse de concorrência com a principal actividade económica da empresa A ou das suas filiais, nem ser accionista com mais de 2% de uma empresa do mesmo género; e, por um período de 1 ano após o término do prazo, B não devia, directa ou indirectamente, recrutar qualquer colaborador ao nível da gestão da empresa A ou das suas filiais, em prol de qualquer empresa que estivesse de concorrência com a empresa A e as suas filiais. Todavia, em menos de 3 meses após a celebração do contrato, B anunciou a cessação da relação laboral estabelecida com a empresa A e, passado 1 mês, começou a trabalhar para a empresa C que também desenvolvia actividades de hotelaria e jogo. Assim sendo, a empresa A intentou um processo arbitral no Centro Internacional para a Resolução de Litígios do Tribunal Internacional de Arbitragem da Associação Americana de Arbitragem, a fim de interpor reivindicações contra B. Em 9 de Abril de 2013, o Centro Internacional para Resolução de Litígios proferiu decisão arbitral em que B foi condenado a pagar à empresa A uma quantia de US$250.000,00 por quebra de contrato, e, em cumprimento da cláusula de proibição de concorrência, B foi obrigado a retirar-se imediatamente do emprego com a empresa C e esteve impedido de trabalhar em marketing ou relações com clientes na indústria do jogo em Macau e Las Vegas, durante um período de 4 meses, a contar da data na qual B cessasse funções com a C.

       Intentou A a acção de revisão e confirmação de sentença estrangeira no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M., requerendo a confirmação da aludida decisão arbitral para que a mesma produzisse efeito em Macau. Por seu turno, contestou B, apontando que as duas escrituras públicas juntas pela requerente A à petição inicial em que consta a decisão arbitral que pretende ver confirmada, não se encontraram legalizadas pelos agentes diplomáticos ou consulares da República Popular da China, nem apostilhadas nos termos da alínea c) do art.º 1º da Convenção de Haia de 1961. Além do mais, a decisão em apreço, por ter proibido o requerido de trabalhar noutra empresa, ofendeu o direito da liberdade de escolha de profissão conferido pelo art.º 35º da Lei Básica aos residentes da R.A.E.M., bem como o princípio da dignidade da pessoa humana, violando, portanto, a ordem pública de Macau, por consequência, a mesma não merece confirmação.

       Entendeu o Tribunal colectivo do Tribunal de Segunda Instância que, nos termos do art.º 3, em conjugação com o n.º 1 do art.º 5º da Convenção de Haia de 1961, a “apostilha” alegada pelo requerido só era eventualmente exigida quando não houvesse dispensa pelo Estado onde o acto fosse exibido; além disso, a emissão desta só teria lugar a requerimento do signatário ou de qualquer portador do acto. A legislação da R.A.E.M. não exigiu o cumprimento obrigatório dessa formalidade, bem como as partes não apresentaram requerimento da emissão da apostilha aos Estados Unidos da América, pelo que é inquestionável a veracidade dos documentos supramencionados.

       No que concerne à ordem pública alegada pelo requerido, o Tribunal colectivo indicou que a mesma consistia no conjunto de normas e princípios jurídicos absolutamente imperativos que formavam os quadros fundamentais do sistema, portanto, inderrogáveis pela vontade dos indivíduos. E se a ordem pública interna restringia a liberdade individual, a ordem pública internacional ou externa limitava a aplicabilidade das leis exteriores a Macau. A ordem pública pode ser separada em várias matérias, tais como na segurança, na saúde, na salubridade, etc. Neste caso trata-se da ordem pública laboral. No contrato de trabalho celebrado entre B e a empresa A, aderiram ambas as partes a cláusula de proibição de concorrência, aliás, B escolheu voluntariamente perder certo grau da sua liberdade laboral em troca das regalias e condições generosas oferecidas pela empresa A, o que é completamente fundamentado no princípio da liberdade contratual; ademais, o fim da cláusula de proibição de concorrência visa salvaguardar a equidade do mercado e a concorrência saudável, proteger os segredos comerciais e os interesses estratégicos empresariais, bem como não ofender regras imperativas do sistema jurídico de Macau nem atingir o núcleo dos direitos fundamentais das pessoas. Por conseguinte, não se vislumbrou no caso, nem pelo contrato de trabalho assinado entre as partes, nem pela decisão arbitral a confirmar, nada que ofendesse a ordem pública de Macau e, por essa razão, não podia a situação caber no âmbito da previsão do art.º 1200º, n.º 1, al. f) do Código de Processo Civil.

       Pelas razões acima expostas, o Tribunal colectivo do Tribunal de Segunda Instância julgou improcedente a contestação apresentada pelo requerido, confirmando a decisão arbitral proferida pelo Centro Internacional para Resolução de Litígios do Tribunal Internacional de Arbitragem, de 9 de Abril de 2013.

       Cfr. o acórdão do processo n.º 643/2013 do Tribunal de Segunda Instância.

 

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

07/08/2014