Situação Geral dos Tribunais

O Tribunal de Segunda Instância declara oficiosamente extinto um procedimento penal na parte relativa à prática de um crime de ofensa à integridade física simples por desistência de queixa da ofendida

      Desde Julho de 2005, o arguido A (do sexo masculino), durante o período em que namorava com a ofendida B, espancava frequentemente a ofendida B em várias partes do corpo quando ficava mal disposto, o que levou a que a ofendida B tivesse ido ao Centro Hospitalar Conde de São Januário para receber tratamento médico. Em 21 de Junho de 2006, o arguido A telefonou à ofendida B, que na altura se encontrava na casa, para pedir um encontro, porém, tal pedido foi recusado pela ofendida B, e por causa disso, o arguido A disse à ofendida B: “Espero que não te veja na rua, senão bato-te em cada vez que te vejo (…)”. Em 23 de Junho de 2006, ao andar sozinha na rua, a ofendida B encontrou o arguido A, na altura, o arguido A puxou a ofendida B para o pátio dum edifício onde desferiu socos e pontapés no corpo da ofendida B, e depois, saiu imediatamente do local. A conduta do arguido A causou directa e necessariamente lesões à ofendida B. Conforme o relatório médico-legal, a ofendida B apresentava formação de calo ósseo (das antigas fracturas) nas 5.ª e 6.ª costelas do lado esquerdo e na 7.ª costela do lado direito. No dia 18 de Julho de 2006, da manhã, a ofendida B entrou na fracção XXX onde se encontrava o arguido A, e em seguida, ao sair da referida fracção, o arguido A fechou a porta à chave. Até às 16h50 do mesmo dia, a ofendida B só foi socorrida após à chegada da polícia.

      O Ministério Público acusou o arguido A, em autoria material e na forma consumada, da prática de 1 crime de ofensa à integridade física qualificada, 1 crime de coacção e 1 crime de sequestro. Antes da realização da audiência de julgamento de primeira instância, a ofendida B assinou um documento em que declarou desistir da queixa contra o arguido referente aos 3 crimes de ofensa à integridade física simples, 1 crime de dano e 1 crime de ameaça, tendo tal declaração de desistência de queixa mencionada no referido documento sido aceite pelo arguido.

      Em primeira instância, o Colectivo do Tribunal Judicial de Base condenou o arguido A, em autoria material e na forma consumada, na pena de 9 meses de prisão pela prática de 1 crime de ofensa à integridade física simples e na pena de 1 ano e 6 meses de prisão pela prática de 1 crime de sequestro, e em cúmulo jurídico, condenou-o na pena única de 2 anos de prisão, com a suspensão da sua execução pelo período de 3 anos.

      Inconformado com o assim decidido, veio o arguido interpor recurso ordinário para o Tribunal de Segunda Instância, requerendo que o tribunal de recurso o absolvesse dos referidos crimes conforme o princípio de in dubio por reo ou ordenasse o reenvio do processo para novo julgamento, ou pelo menos, a detenção e a prisão preventiva por si sofridas no presente processo entre 20 de Julho de 2006 e 26 de Outubro de 2006 fossem descontadas da pena de prisão global que lhe foi aplicada. Analisando o conteúdo da petição de recurso do arguido, o Tribunal de Segunda Instância verificou que o arguido entendeu materialmente que os factos provados não são suficientes para fundamentar o acórdão, existe contradição da fundamentação do acórdão do tribunal a quo e o tribunal a quo incorreu no erro notório na apreciação da prova (nomeadamente violou o princípio da livre apreciação da prova) e violou o artigo 74.º n.º 1 do Código Penal.

      Entendeu o Tribunal de Segunda Instância que o tribunal a quo já apreciou todos os factos impugnados no processo e especificou os factos provados e não provados, pelo que, o acórdão do tribunal a quo não enferma do vício previsto no artigo 400.º n.º 2 alínea a) do Código de Processo Penal. Além disso, também não se vislumbrou qualquer contradição da fundamentação do acórdão do tribunal a quo, pelo que, o acórdão do tribunal a quo não padece do vício previsto no artigo 400.º n.º 2 alínea b) do Código de Processo Penal.

      Quanto ao vício do “erro notório na apreciação da prova” previsto no artigo 400.º n.º 2 alínea c) do Código de Processo Penal, o Tribunal de Segunda Instância tem uniformemente entendido nos seus acórdãos anteriormente proferidos que o erro notório na apreciação da prova previsto no artigo 400.º n.º 2 alínea c) do Código de Processo Penal significa que o tribunal incorreu em erro ao dar como provados os factos, ou seja, o que se teve como provado e não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável, ou se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou as regras de experiência comum, e tem de ser um erro ostensivo. Assim, analisando sinteticamente os fundamentos em que se baseia o acórdão do tribunal a quo, o Tribunal de Segunda Instância entendeu que qualquer indivíduo que consiga ler o conteúdo do acórdão do tribunal a quo, após a leitura e conforme as regras da experiência da vida quotidiana, considera que o resultado do conhecimento de facto do tribunal a quo não seja irrazoável. Deste modo, o erro notório na apreciação da prova por parte do Tribunal a quo invocado pelo recorrente é efectivamente improcedente.

      Além disso, o fundamento de recurso invocado pelo arguido nos termos do artigo 74.º n.º 1 do Código Penal também não é defensável. É verdade que tal disposto legal prevê que “a detenção e a prisão preventiva são descontadas por inteiro no cumprimento da pena de prisão que lhe for aplicada”, porém, o arguido só foi condenado pelo tribunal a quo com pena suspensa, não sendo uma pena efectiva, por isso, como se procede ao “desconto”? Pelo acima exposto, o acórdão do tribunal a quo não enferma do vício invocado pelo recorrente.

      Entende o Tribunal de Segunda Instância: apesar de ser improcedente o recurso do arguido, este Tribunal ainda tem de declarar oficiosamente extinto o procedimento penal na parte relativa à prática de 1 crime de ofensa à integridade física simples pelo qual o arguido foi condenado pelo tribunal a quo por desistência de queixa da ofendida (nos termos do artigo 137.º n.º 2 e do artigo 108.º n.ºs 1 e 2 do Código Penal).

      Pelos acima expostos, o Colectivo do Tribunal de Segunda Instância julgou improcedentes os fundamentos do arguido A, porém, declarou oficiosamente extinto o procedimento penal na parte relativa à prática de 1 crime de ofensa à integridade física simples pelo qual o arguido foi condenado pelo tribunal a quo por desistência de queixa da ofendida, pelo que, só manteve o acórdão do tribunal a quo na parte relativa à condenação do arguido pela prática de um crime de sequestro e à sua medida concreta da pena, fixando o período de suspensão da execução da pena de 1 ano e 6 meses de prisão aplicada ao arguido pela prática desse crime em 2 anos e 6 meses.

      Cfr. o Acórdão do Processo n.º 355/2013 do Tribunal de Segunda Instância.

  

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

15 de Agosto de 2014