Situação Geral dos Tribunais

Deve fazer-se ao abrigo do princípio da legalidade o exercício de poderes discricionários

      No dia 2 de Agosto de 2012, a recorrente pediu ao Gabinete para os Recursos Humanos (GRH) que a autorizasse a contratar mais uma empregada doméstica não residente para tomar conta das suas crianças. O GRH indeferiu o seu pedido, com o fundamento de que a recorrente e o seu ex-marido obtiveram duas autorizações, respectivamente em 3 de Maio de 2012 e em 18 de Novembro de 2010, para contratar uma empregada doméstica por cada vez, ou seja, duas no total, de modo a cuidar das suas crianças. Em 26 de Setembro de 2012, a recorrente interpôs recurso hierárquico necessário para o Secretário para a Economia e Finanças, alegando que tinha apenas uma empregada doméstica não residente a tomar conta das três crianças, uma vez que o seu marido, tendo-se divorciado dela, abandonou a casa de morada da família, levando consigo a empregada doméstica não residente por ele contratada. Acerca desse recurso hierárquico necessário, o GRH elaborou um relatório, sugerindo a manutenção da decisão de indeferimento. Por despacho de 10 de Outubro de 2012, o Secretário para a Economia e Finanças concordou com a proposta no dito relatório e negou provimento ao recurso hierárquico necessário interposto pela recorrente. Inconformada com a decisão desfavorável do Secretário para a Economia e Finanças, a recorrente veio recorrer para o Tribunal de Segunda Instância (TSI).

      Ficou apurado pelo Tribunal o seguinte: a recorrente é advogada, aufere um salário mensal de MOP$45.000,00, e trabalha de segunda-feira a sexta-feira, das 9h30 às 20h00. Além disso, é também docente a tempo parcial duma universidade. Em 18 de Maio de 2012, a recorrente e o seu marido divorciaram-se por mútuo consentimento. Conforme o acordo de divórcio entre eles, ficou confiado à mãe, ou seja, à recorrente, o exercício do poder paternal relativo aos três filhos menores, devendo o pai, por sua vez, pagar mensalmente MOP$5.000,00 de alimentos a favor de cada filho menor.

      Conforme indicou o TSI, a questão-chave nos autos reside em saber se está correcto o acto recorrido, se existe o vício invocado pela recorrente. A entidade recorrida indeferiu o pedido da recorrente de contratação de nova empregada doméstica não residente, tendo como fundamento que a recorrente e o seu ex-marido tinham obtido, respectivamente, autorização para cada um contratar uma empregada doméstica não residente para cuidar das crianças. Assim, parece ser o factor determinante para a decisão da entidade recorrida a necessidade da recorrente.

      Entendimento do TSI: pese embora a recorrente e o seu ex-marido tenham obtido, respectivamente, autorização para cada um contratar uma empregada doméstica não residente para tomar conta das três crianças, não se deve negligenciar que se encontram os dois divorciados e separados, tendo, por isso, deixado a casa também a empregada doméstica não residente contratada pelo ex-marido da recorrente. Quer em termos fácticos quer jurídicos, a recorrente conta actualmente com uma só empregada doméstica não residente que a ajuda a cuidar das três crianças. Segundo as regras da experiência comum, salvo se a sua empregada doméstica tiver excelente capacidade de trabalho, é, indubitavelmente, trabalhoso e difícil tomar conta de três crianças ao mesmo tempo. Por outro lado, como a recorrente trabalha simultaneamente como advogada e docente a tempo parcial da Faculdade de Direito da Universidade, é-lhe realmente difícil ajudar a tomar conta das crianças devido a limitações de tempo. Apesar de o ex-marido poder prestar auxílio no cuidado das crianças, é de lembrar que já ficou confiado à recorrente o exercício do poder paternal relativo aos filhos, razão pela qual, no plano jurídico, o pai não tem o dever de tomar conta da vida quotidiana dos filhos. Por outras palavras, a empregada doméstica contratada pelo ex-marido da recorrente não se deve contar para tal efeito. Ainda por cima, com residências diferentes - por mais perto que sejam uma da outra - será impraticável e até contrário a lei chamar a outra empregada doméstica não residente para prestar auxílio na casa da recorrente (está expressamente prevista na lei que as empregadas domésticas não residentes podem apenas prestar serviços em residências determinadas).

      É inegável a Administração Pública gozar de poderes discricionários na apreciação dos pedidos de contratação de empregadas domésticas não residentes, mas o exercício de poderes discricionários não é absoluto, devendo fazer-se igualmente ao abrigo do princípio da legalidade, isto é, conforme a letra e o espírito dos art.ºs 2.º e 8.º da Lei n.º 21/2009. In casu, não há quaisquer dados nos autos que revelem a violação de tais disposições/princípio por parte do pedido de contratação da recorrente. Com base nisto, entendemos que se deve anular o acto recorrido por erro manifesto no exercício de poderes discricionários.

      Cfr. Acórdão do TSI, processo n.º 957/2012.

 

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

20/08/2014