Situação Geral dos Tribunais

Pela prestação ilegal de alojamento foram punidos tanto o explorador como o controlador da pensão

      Em Junho de 2011, numa acção de combate à prestação ilegal de alojamento, o pessoal de inspecção da Direcção dos Serviços de Turismo (DST) entrou na fracção autónoma sita no Edf. XX, 39º andar, A, cujo arrendatário era um homem de nacionalidade sul-coreana, A, que trabalhava como “bate-fichas” num casino. O pessoal da DST encontrou na fracção autónoma três indivíduos de nacionalidade sul-coreana, um indivíduo de nacionalidade filipina e um indivíduo que não conseguiu exibir documento de identificação, os quais não eram residentes da RAEM, nem detinham autorização especial de permanência ou autorização de permanência de trabalhador não-residente. O Director da DST ordenou selar a porta da fracção autónoma em causa e suspender à mesma o abastecimento de água e de electricidade. Na fracção ainda se encontraram cartões-de-visita em nome dum homem de nacionalidade sul-coreana, B, apresentado como prestador de serviço de “guesthouse” (pensão), pelo que se veio proceder ao interrogatório deste. Declarou B no interrogatório que, em Agosto de 2010, sob recomendação de A, ele arrendou um quarto da fracção autónoma arrendada por A.Além de si próprio e de A que moravam naquela fracção autónoma, A alojava frequentemente outros indivíduos de nacionalidade sul-coreana na mesma fracção autónoma e disse que aqueles eram amigos dele. B alegou se ter alojado na referida fracção autónoma apenas por quatro meses e, depois, ter alugado a fracção autónoma sita no 38º andar, A, através duma outra agência imobiliária. O arguido confirmou que o nome nos cartões-de-visita supracitados era o seu nome coreano, referindo, porém, que os cartões-de-visita foram impressos e utilizados por A, que utilizava o seu nome para angariar jogadores. Disse que o número de telemóvel nos cartões-de-visita foi registado em nome de A e usado pelo mesmo. Declarou ainda que A lhe devia um grande montante de dinheiro, mas que não conseguia contactá-lo desde Março de 2011. Então, como ainda detinha a chave da fracção autónoma 39.º-A, deslocou-se directamente ao apartamento à procura de A, encontrando, todavia, apenas o telemóvel com o aludido cartão telefónico. Por isso, ele levou tal telemóvel como objecto de hipoteca e tem-no utilizado desde então até ao presente, suportando por si próprio as despesas com esse cartão telefónico. B acrescentou que, desde o desaparecimento de A, o amigo deste lhe entregava as rendas da fracção autónoma 39º-A, e que ele, por sua vez, as entregava à agência imobiliária.

      É de notar que o pessoal de inspecção detectou que B, apesar de já não residir na fracção autónoma 39º-A, continuava a tomar conta dos assuntos gerais do imóvel, tais como contratar empregadas para fazer limpeza e para preparar comidas coreanas. Ademais, B não conseguiu justificar porque foi ele que entregava as rendas à agência imobiliária. Ainda por cima, do facto de ter sido B que usava o número de telemóvel nos cartões-de-visita e pagava as despesas do telemóvel pode deduzir-se que pertenciam a si mesmo os cartões-de-visita e o número de telemóvel.

      Em Março de 2012, o Director da DST deduziu acusação contra A, considerado explorador da fracção autónoma em apreço, e B, considerado controlador da mesma, imputando-lhes a violação da Lei n.º 3/2010 (proibição de prestação ilegal de alojamento). Em Maio de 2012, B apresentou contestação escrita, na qual requereu a audição de A e de todos os indivíduos encontrados na dita fracção autónoma no dia em que foi efectuada a inspecção. No entanto, a pretendida audiência não teve lugar. Em Junho de 2012, o Director da DST, por despacho, aplicou uma multa de MOP$200.000,00 respectivamente a A e B.

      Inconformado, B interpôs recurso contencioso para o Tribunal Administrativo, invocando a falta de audiência das referidas testemunhas antes da decisão por parte da Administração, ou seja, a omissão de diligência essencial para a descoberta da verdade, para além da existência na respectiva decisão de vícios, como seja a falta de fundamentação. Tal recurso contencioso foi julgado procedente. O Director da DST não se conformou e interpôs recurso jurisdicional para o Tribunal de Segunda Instância (TSI).

      Conforme manifestou o TSI, geralmente, a não audição de testemunhas oferecidas pelo arguido após acusação contra si formulada, constitui uma ofensa ao seu direito de audiência e defesa, circunstância que é determinante da nulidade procedimental insuprível. Se for de ponderar que o depoimento de testemunhas já não trará novidades em relação ao que o procedimento já adquiriu, será diligência inútil proceder à sua audição, sendo que, nesse caso, a omissão da diligência não corresponderá à nulidade procedimental. Portanto, deve o instrutor ponderar, em face das circunstâncias concretas, o peso e a relevância que a audição de testemunhas possa ter para a descoberta da verdade. Para tal, o arguido que requerer a audição deve apresentar a devida justificação, isto é, deve esclarecer em que medida o depoimento das pessoas arroladas é fundamental e indicar os pontos de facto acerca dos quais pretende fazer prova com o seu oferecimento. Todavia, B, em vez de fazer assim, limitou-se a deduzir o pedido de audiência.

      Na realidade, a Administração tudo fez para contactar A, porém sem êxito, daí ser impossível a audição de A. Além de tudo, no caso vertente, mesmo B não sendo arrendatário da fracção habitacional, nem o “explorador” directo da actividade de alojamento ilegal, tinha consciência do que se passava no interior da fracção, contratou empregadas domésticas estrangeiras, uma para limpeza do apartamento, outra como cozinheira, efectuava o pagamento da renda da fracção e detinha cartões-de-visita em seu nome apresentado como prestador de serviço de “guesthouse” (pensão), factos esses que demonstraram que era B o “controlador” dessa fracção autónoma. Assim sendo, o depoimento das testemunhas quando muito apenas poderia servir para esclarecer que B não era o “explorador” directo da actividade ilícita no local da fracção, mas já não podia mudar o facto de ter ele participado nessa actividade ilícita enquanto “controlador”. Por esse motivo, mesmo que não se ouçam as testemunhas, pode B ser punido nos termos do art.º 10.º, n.º 1 da Lei n.º 3/2010. Por outro lado, relativamente à fundamentação, se a Administração indeferiu tacitamente a pretendida audição das testemunhas, não pode tal acto tácito, por natureza, ter fundamentação, razão pela qual o TSI não entendeu que o caso traduzisse preterição de formalidades essenciais, vício de falta de fundamentação ou representasse violação do princípio da participação a que se referem os art.ºs 87.º, n.º 2 e o art.º 10.º do Código do Procedimento Administrativo. Por fim, o TSI também julgou não verificados os demais vícios alegados por B.

      Pelo exposto, o TSI concedeu provimento ao recurso jurisdicional interposto pelo Director da DST e,consequentemente, revogou a sentença recorrida; ao mesmo tempo, julgou improcedente o recurso contencioso interposto por B, confirmando, assim, o despacho do Director da DST.

      Cfr. Acórdão do TSI, processo n.º 517/2013. 

 

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

01/09/2014