Situação Geral dos Tribunais

Devido à omissão de informações relevantes em certidões de registo predial, a Administração da R.A.E.M. é condenada a indemnizar as partes

       Em 20 de Setembro de 2006, os indivíduos de apelido “Kou” e “Cheang” adquiriam, por meio duma escritura de compra e venda outorgada num cartório notarial privado, aos indivíduos de apelido “Iong” e “Ng” uma fracção autónoma para habitação e uma fracção autónoma para estacionamento, sitas num edifício na Estrada Nordeste da Taipa, das quais a fracção autónoma para estacionamento foi adquirida pelo preço de MOP150.000,00. Em 29 de Janeiro de 2008, os indivíduos de apelido “Kou” e “Cheang” venderam, também, por meio de escritura de compra e venda, as supramencionadas fracções autónomas para habitação e estacionamento à sociedade A, das quais a fracção autónoma para estacionamento foi alienada pelo preço de MOP288.400,00.

       Visando concluir as duas transacções em apreço, os “Kou” e “Cheang” obtiveram, respectivamente, em 18 de Setembro de 2006 e 22 de Janeiro de 2008, da Conservatória do Registo Predial da R.A.E.M. duas certidões de registo predial, delas constavam informações que demonstravam que a fracção autónoma para estacionamento em causa estava livre de quaisquer ónus ou encargos. Todavia, na verdade, num processo de execução corrido no Tribunal Judicial de Base, o Juiz ordenou a penhora de uma quota de 157/306 avos do parque de estacionamento em que se situa a fracção autónoma para estacionamento em causa. Só que o parque de estacionamento é um bem indivisível, razão pela qual a Conservatória do Registo Predial não efectuou o registo particular de cada unidade-parque. Em 10 de Setembro de 2009, no aludido processo de execução, o Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base determinou adjudicar a fracção autónoma para estacionamento em causa à exequente, sociedade B.

       Posteriormente, a sociedade A intentou acção em tribunal contra os indivíduos de apelido “Kou” e “Cheang”, na qual pediu a anulação do contrato de compra e venda celebrado em 29 de Janeiro de 2008. O Tribunal Judicial de Base proferiu sentença em 18 de Julho de 2012 que anulou o contrato de compra e venda da fracção autónoma para estacionamento em causa, bem como condenou os “Kou” e “Cheang” a restituir à sociedade A a quantia de MOP288.400,00, a título de preço de aquisição da referida fracção autónoma para estacionamento, a quantia de MOP9.085,00, a título de imposto de selo pela referida aquisição, a quantia de MOP4.243,68, a título de despesas de registo e escritura, e dos demais custos, a quantia de MOP5.083,63, a título de juros pagos pelo empréstimo contraído para aquisição daquele bem e a quantia de MOP908,42, a título de prémios de seguro, quantias essas acrescidas dos juros, à taxa legal.

       Após a sentença, os “Kou” e “Cheang” intentaram no Tribunal Administrativo uma acção para efectivação de responsabilidade civil extracontratual contra a R.A.E.M., com fundamento nos danos patrimoniais provocados pelas certidões de registo predial, emitidas pelo pessoal da Conservatória do Registo Predial, de que constam as informações inexactas, pedindo a condenação da Ré no pagamento das supracitadas quantias e dos respectivos honorários advocatórios.

       Tendo apreciado o caso, o Tribunal Administrativo apontou que naquela causa tratava-se duma acção, prevista no Decreto-Lei n.º 28/91/M, que exige à Administração da R.A.E.M. assumir responsabilidade civil extracontratual dos seus órgãos ou agentes por actos de gestão pública que provocam danos a administrados. Conforme o sucedido do caso, a Conservatória do Registo Predial emitiu, respectivamente, em 18 de Setembro de 2006 e 22 de Janeiro de 2008, duas certidões de registo predial a pedido dos interessados, das quais na primeira certidão verificou-se a omissão do registo relevante sobre a penhora da fracção autónoma para estacionamento em causa determinada no ano de 2000 pelo Tribunal Judicial de Base da R.A.E.M., enquanto na segunda certidão, embora não houvesse a omissão do referido registo, registou-se apenas a penhora de 157/306 avos do parque de estacionamento e não se identificou, concretamente, o titular da quota penhorada. Pois, seria difícil de confirmar se a quota alienada estava ou não livre de quaisquer ónus ou encargos, caso não se procedesse à verificação complementar. Assim sendo, o Juiz provou que nas duas certidões de registo predial, emitidas em 18 de Setembro de 2006 e 22 de Janeiro de 2008 pelo pessoal da Conservatória do Registo Predial no exercício das suas funções, não foram completamente transcritas todas as informações dos registos válidos da inscrição de propriedade da fracção autónoma para estacionamento em causa, pelo que se originaram a deficiência e omissão no teor das ditas certidões de registo predial, bem como a violação do disposto nos n.ºs 1 a 3 do art.º 99º, n.º 1 do art.º 100º e n.ºs 1 e 2 do art.º 102º do Código do Registo Predial. Tal acto era considerado ilícito ao abrigo do n.º 2 do art.º 7º do Decreto-Lei n.º 28/91/M. Ademais, por falta de precaução e prudência necessárias, o pessoal da Conservatória do Registo Predial omitiu a verificação de todos os registos válidos da inscrição de propriedade, causando omissão no teor das certidões, pelo que se constatou negligência na sua conduta. Relativamente aos dois Autores, entendeu o Juiz que mesmo os notários privados que tinham conhecimentos profissionais, não conseguiram descobrir a penhora da quota adquirida em 2006 pelos Autores só com base nas duas certidões de registo predial, emitidas pela Conservatória do Registo Predial, pelo que excluiu dos Autores a culpa proveniente do acto da aquisição aos proprietários originais e da venda à sociedade A a fracção autónoma para estacionamento gravada com o ónus de penhora.

       O Juiz considerou que os Autores, por acreditarem nas certidões de registo predial emitidas pela Conservatória do Registo Predial, adquiriram a fracção autónoma para estacionamento com o registo de penhora, pelo que se verificou o nexo de causalidade adequado entre os danos sofridos pelos mesmos e as certidões de registo predial que foram emitidas, sem ter observado a lei, pelo pessoal da Conservatória do Registo Predial, devendo, portanto, a Administração da R.A.E.M. responder civilmente perante os dois Autores, ao abrigo do art.º 2º do Decreto-Lei n.º 28/91/M. Nesta conformidade, foi a R.A.E.M. condenada a indemnizar os dois Autores, pelas quantias restituídas e indemnizadas pelos mesmos à sociedade A, pela anulação do contrato de compra e venda, designadamente a quantia de MOP288.400,00, a título de preço de aquisição do imóvel em causa, a quantia de MOP9.085,00, a título de imposto de selo, a quantia de MOP4.243,68, a título de emolumentos notariais e de registo predial, honorários e outras despesas incorridas com a celebração da escritura pública, a quantia de MOP908,42, a título de prémios de seguro contra riscos de incêndio exigido pelo empréstimo hipotecário e a quantia de MOP5.083,63, a título de juros pagos até 29 de Janeiro de 2010, pelo empréstimo contraído junto a banco, perfazendo uma quantia global de MOP307.720,73, quantia essa acrescida dos juros, à taxa legal, desde 1 de Junho de 2010 até 18 de Julho de 2012, bem como dos juros legais contados desde a data da sentença até efectivo e integral pagamento, porém, foram indeferidos os restantes pedidos deduzidos pelos Autores.

       Cfr. a sentença do processo n.º 213/13-RA do Tribunal Administrativo.

 

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

16/09/2014