Situação Geral dos Tribunais

Por o domínio sobre a coisa não se tornar estável, dois infractores de roubo recorreram para o Tribunal de Última Instância que veio conceder provimento ao recurso e reduzir as penas

      Em 15 de Março de 2005, por volta da meia noite, o ofendido C passou pela Escola Portuguesa, momento em que A e B dirigiram-se ao mesmo pedindo-lhe dinheiro. C ignorou-os e continuou a caminhar, mas A e B seguiram-no. Quando C passou pela “Discoteca DD”, deu a A 20 dólares de Hong Kong por não ter outra alternativa. Insatisfeito com a referida quantia, A exigiu ao ofendido que lhe desse a carteira e todos os bens, altura em que B tirou um instrumento cortante apontando-o à parte direita da barriga do ofendido para forçá-lo a dar-lhes os bens. O ofendido foi forçado a entregar a A a sua carteira, na qual estavam 60 patacas, 40 dólares de Hong Kong e 20 RMB. A seguir, A meteu a mão no bolso esquerdo das calças do ofendido e tirou-lhe um telemóvel da marca NOKIA, naquele tempo de valor de cerca de 600 patacas. A pedido do ofendido, A devolveu-lhe o “SIM Card” no telemóvel acima referido e 20 dólares de Hong Kong. Depois de A e B irem-se embora, o fendido gritou em voz alta por socorro, momento em que os agentes da PSP que patrulharam o local o ouviram e imediatamente perseguiram A e B, e interceptaram-nos fora do Hotel Lisboa, encontrando na posse de A 60 patacas, 40 dólares de Hong Kong e 20 RMB, bem como um telemóvel da marca NOKIA.

     O Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base condenou os arguidos A e B, pela prática em co-autoria material e na forma consumada de um crime de roubo p. p. pelo art.º 204.º, n.º 2, al. b), conjugado com o art.º 198.º, n.º 2, al. f), ambos do Código Penal de Macau, respectivamente, na pena de 3 anos e 3 meses de prisão.

      Inconformados, A e B recorreram para o Tribunal da Segunda Instância que, por Acórdão proferido em 22 de Maio de 2014, julgou improcedente os recursos, mantendo a decisão a quo.

      Ainda inconformados, os dois arguidos recorreram para o Tribunal de Última Instância, alegando, em síntese, o seguinte: O Tribunal a quo, tomando como verdadeira a versão apresentada pelo ofendido, deu por provado que os arguidos praticaram roubo com instrumento cortante, enquanto nos autos não foi apreendido nenhum instrumento cortante, daí que exista erro notório na apreciação da prova. Em relação ao crime de roubo cometido pelos arguidos, devido às curtas distâncias temporal e espacial entre a subtracção dos bens do ofendido e a detenção, os dois não obtinham o domínio efectivo sobre os bens roubados, pelo que o crime foi praticado na forma tentada. Para além disso, os recorrentes ainda argumentaram que a pena aplicada é excessivamente severa, devendo ser especialmente atenuada e suspensa na sua execução.

      O TUI procedeu ao julgamento da causa, entendendo nos termos seguintes: No âmbito da apreciação da prova, vigorando no processo penal o princípio da livre apreciação da prova, nada obsta ao Tribunal que valorize todas as provas produzidas, conjugando-as com as regras de experiência comum, e forme a sua convicção de forma livre, contanto que não tire uma conclusão evidentemente inaceitável, e que não viole as regras sobre o valor da prova vinculada ou tarifada, as regras da experiência ou as legis artis na apreciação da prova. No caso dos autos, a não apreensão do instrumento cortante nos autos não afasta, por si só, a possibilidade da sua utilização pelos arguidos na prática de roubo, nem implica necessariamente a falsidade da versão apresentada pelo ofendido, visto que é possível que os recorrentes tenham abandonado o instrumento cortante utilizado para a prática do facto antes de serem interceptados pelos agentes policiais. Ademais, é verdade que o ofendido declarou na inquirição do Ministério Público que os arguidos usaram navalha, enquanto disse posteriormente no Juízo de Instrução Criminal que os arguidos utilizaram instrumento cortante, mas não se afiguram contraditórias as suas declarações, na medida em que a navalha é, evidentemente, uma espécie de instrumento cortante, daí que tal discrepância não seja susceptível de pôr em causa a credibilidade da versão do ofendido.

      No que toca à tentativa do crime, o Tribunal Colectivo entende que, tal como defenderam os dois recorrentes, o roubo se consuma quando a coisa entra, de uma maneira minimamente estável, no domínio de facto do agente da infracção. No caso vertente, a distância entre os locais de roubo (discoteca “DD”) e de detenção (Hotel Lisboa) dos recorrentes é curta, bem como o tempo que media entre os dois actos, tendo o domínio sobre os bens subtraídos estado sempre sujeito aos riscos imediatos de reacção do ofendido e dos agentes policiais. Pelo que o roubo não se consumou e deve passar a condenar os dois recorrentes pela prática na forma tentada do crime de roubo.

      No que diz respeito à medida concreta da pena, segundo entende o Tribunal Colectivo, tendo em conta que o valor dos bens subtraídos pelos recorrentes não é elevado e que estes confessaram parte dos factos, afigura-se adequada a aplicação a cada um deles uma pena de 2 anos e 3 meses de prisão. No entanto, tomando em consideração o facto de ter já passado 9 anos desde a prática do crime, período este em que o recorrente B não voltou a cometer mais crimes, enquanto o recorrente A também deixou de ter condutas ilícitas desde a sua última condenação, o que revela, de certo modo, a evolução mais recente dos recorrentes no que tange ao seu comportamento e à sua personalidade, há que decretar a suspensão da execução da pena de prisão.

      Pelo exposto, o TUI julgou procedentes os recursos, passando a condenar cada um dos recorrentes, pela prática, na forma tentada, do crime de roubo previsto e punido pelo artigo 204.º, n.º 2, al. d) do Código Penal, na pena de 2 anos e 3 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos.

      Cfr. Acórdão do TUI, processo n.º 67/2014.


Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

09/10/2014