Situação Geral dos Tribunais

Valor da indemnização por danos morais é fixado pelo juiz de acordo com os factos provados e situação concreta

     Em 13 de Setembro de 2005, de manhã, o arguido C conduzia um veículo ligeiro na via pública em estado de embriaguez e passou por um cruzamento sem respeitar o sinal vermelho do semáforo, embatendo com a mota conduzida pela ofendida B que chegou ali e não conseguiu travar o veículo a tempo. Do embate resultou a queda do ofendido e da mota. Em consequência desta queda, a ofendida foi seriamente ferida e sofreu de diversas lesões, nomeadamente fractura distal de rádio e ulna esquerda, fracturas cominutivas de fémur direito. A mesma foi internada e submetida a intervenção cirúrgica no Centro Hospitalar Conde de São Januário até 7 de Outubro do mesmo ano e manteve o seguimento em consulta externa de ortopedia até 28 de Novembro de 2006. As fracturas cominutivas de fémur direito já curaram mas o joelho direito ficou ligeiramente valgo (incapacidade permanente de 15%).

     O referido acidente de trânsito causou à ofendida danos económicos – despesas médicas no valor de MOP1.487,70. A ofendida recebeu alta do hospital em 7 de Outubro de 2005 mas precisou de continuar o tratamento em consulta externa. Devido à dificuldade em andar a mesma não podia trabalhar, por isso perdeu um montante de MOP27.275,00 que correspondia aos vencimentos de quase dois meses. Além disso, por causa da segunda cirurgia e do tempo de convalescença necessário, a ofendida faltou ao serviço durante o período de 10 de Junho de 2008 a 3 de Julho de 2008, no total 24 dias, o que implicou na perda do vencimento correspondente ao período referido no valor de MOP16.524,80. Por a apólice de seguro, foi transferida à Companhia de Seguros A, S.A.R.L. a responsabilidade civil perante terceiros emergente da circulação do veículo ligeiro conduzido pelo arguido C.

     O Tribunal Judicial de Base condenou o arguido C pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de ofensas à integridade física por negligência grosseira p.p. pelo Código Penal de Macau, com circunstâncias atenuantes, na pena de 1 ano e 3 meses de prisão, suspensa na sua execução por dois anos, e pela prática de uma contravenção de inobservação de sinais luminosos, p.p. pelo Regulamento do Código da Estrada, na pena de multa de MOP1000. Ademais, suspendeu a validade da sua carta de condução pelo período de nove meses. Na parte civil, condenou a Companhia de Seguros A, S.A.R.L. a pagar à ofendida B uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais no valor de MOP745.287,50, acrescido de juros legais desde o trânsito em julgado da sentença até ao pagamento integral.

     A Companhia de Seguros A, S.A.R.L. recorreu para o Tribunal de Segunda Instância, impugnando o montante da indemnização por danos morais fixado pelo Tribunal a quo e achando ser demasiado elevado o valor de 700 mil, o que é muito diferente dos valores normalmente fixados pelo Tribunal. A recorrente entendeu que deve ser fixada uma indemnização de valor não superior a 250 mil com base na seguinte razão: Comparando-se os factos provados relativos às lesões da ofendida B desta causa com os no processo de recurso nº 534/2009 do Tribunal de Segunda Instância, verificam-se, em cada um dos dois processos, duas intervenções cirúrgicas e perda parcial e permanente de capacidade (no primeiro é 15% e no segundo 14%). No processo nº 534/2009 o valor da indemnização fixado em primeira instância foi de 250 mil patacas mas foi de 700 mil patacas neste processo, constatando-se uma diferença relativa grande entre os valores das indemnizações por danos morais. Daí concluiu que o valor da indemnização por danos não patrimoniais fixado nesta causa foi demasiado elevado.

     O tribunal colectivo do Tribunal de Segunda Instância entende que a indemnização por danos morais ou por danos não patrimoniais nesta causa tem a ver com os riscos inerentes a veículos, cujo valor foi fixado com base nos princípios da justiça e da imparcialidade. O juiz só pode considerar os factos provados e a situação concreta de cada caso aquando da fixação da indemnização, não podendo utilizar outros casos ou as decisões de outros casos semelhantes como um parâmetro para a fixação da indemnização por danos morais. Não pode existir uma fórmula para o cálculo da indemnização por danos não patrimoniais. É difícil quantificar financeiramente os danos morais decorrentes de um acto ilícito, pois a saúde mental é inestimável. E a indemnização por danos morais fixada por tribunal serve apenas para tentar amenizar a dor sofrida pelo ofendido, a qual não pode ser considerada como a valorização de corpo. A lei concede ao tribunal liberdade para determinar o montante de indemnização segundo critérios objectivos de equidade e com base em todas as circunstâncias relevantes da causa. Só há lugar para a intervenção de tribunal de recurso quando se verifique erro grosseiro ou manifesta injustiça na decisão do tribunal a quo.

     Para uma mulher jovem que sofre da incapacidade permanente de 15%, a ofendida tem que enfrentar, sem qualquer escolha, as dificuldades resultantes da sua incapacidade física na sua vida futura. Razão pela qual não se mostra demasiado elevada a indemnização no montante de 700 mil que foi determinada pelo Tribunal a quo. Mesmo que se tome como referência o processo de 2009, exemplo invocado pela recorrente, e mesmo que se ignore a expressão “caso a caso” acima mencionada, o dito processo não pode servir de referência para esta causa, porquanto Macau tem-se desenvolvido rapidamente. Entende ainda que um montante de 700 mil em 2011 não se compara com o montante do mesmo valor em 2009. Por outro lado, a indemnização de 250 mil pretendida pela recorrente é deveras uma humilhação aos corpo e saúde humanos. O motivo invocado não pode ser aceite e, consequentemente, é improcedente o recurso interposto.

     O tribunal colectivo do Tribunal de Segunda Instância manteve a decisão a quo.

     Cfr. acórdão proferido no processo nº 78/2011 do Tribunal de Segunda Instância.

 

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância
13/10/2014