Situação Geral dos Tribunais

Agressão gratuita ao ofendido revelou um elevado grau de culpa do arguido

        Em 27 de Fevereiro de 2007, o ofendido A e alguns amigos foram divertir-se ao bar XX em Macau. Naquela altura, B (arguido) e um homem chamado D estavam também a divertir-se no dito bar, sentados à mesa vizinha. Pelas 2h30 da madrugada do dia seguinte, o ofendido saiu sozinho do bar e ia para casa a pé. A meio caminho, o arguido e D aproximaram-se do ofendido. O arguido, primeiro, desferiu socos à orelha esquerda do ofendido, deixando-o cair no chão, e depois, atacou o corpo do ofendido com socos e pontapés. A conduta do arguido causou contusões ao ofendido em diversas partes do corpo, incluindo a aurícula da orelha esquerda, a articulação temporomandibular direita, o membro superior esquerdo e a parede torácica inferior esquerda, bem como fracturas dos 3º, 4º e 5º ossos da mão esquerda e da base do crânio, das quais necessitou o ofendido de 110 dias para se recuperar.Para o tratamento das lesões sofridas, o ofendido pagou despesas de internamento hospitalar e de tratamento médico no valor total de MOP$11.657,70. As lesões na mão esquerda do ofendido causaram-lhe uma incapacidade permanente em 6%. Na altura dos factos, o arguido e o ofendido apenas tinham 17 anos. Segundo o Certificado de Registo Criminal, no dia 14 de Outubro de 2011, o arguido foi condenado pelo Tribunal Judicial de Base, pela prática, em 23 de Abril de 2009, dum crime de ofensa simples à integridade física, na multa de MOP$9.000,00, conversível em 2 meses de prisão. O arguido pagou a multa e foi executada essa pena.

        Acordaram no Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base em condenar o arguido B, pela prática em autoria material e na forma consumada, de um crime de ofensa grave à integridade física, p. e p. pelo art. 138.º, al. d) do Código Penal de Macau, na pena de 2 anos e 9 meses de prisão, suspensa na sua execução por 3 anos. No plano civil, foi B, demandado cível, condenado a pagar, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, ao demandante cível A o montante total de MOP$161.657,70.

        O ofendido A não se conformou com o assim decidido e veio recorrer para o Tribunal de Segunda Instância. O recurso interposto pelo recorrente quanto ao segmento penal pôs em causa a medida concreta da pena fixada pelo Tribunal recorrido, invocando a leveza da pena de 2 anos e 9 meses de prisão, e pedindo a condenação do arguido a 5 anos de prisão efectiva ou, pelo menos, a anulação da decisão que suspendeu a execução da pena. No âmbito civil, o recurso atacou a decisão do Tribunal a quo que indeferiu a pretendida indemnização pelos danos emergentes da invalidez de 6%.

       A propósito da medida da pena, o Colectivo do Tribunal de Segunda Instância entendeu, em síntese, o seguinte: as circunstâncias a que o tribunal deverá atender em observância dos critérios de determinação da medida da pena estipulados nos art.s 40.º e 65.º do Código Penal, como sejam o modo de execução do facto e o grau de culpa, não podem ser elementos constitutivos do tipo de crime, sob pena da violação do princípio da proibição da dupla valoração. O Colectivo notou que nem o Ministério Público esclareceu na acusação, nem o Tribunal a quo referiu nos factos provados, o motivo ou a razão pela qual o arguido praticou os actos de ofensa qualificada, daí que se possa concluir que o arguido agrediu, de forma gratuita, o ofendido, o que mostra um alto grau de culpa do arguido e uma censurabilidade elevada. Embora o arguido tivesse apenas 17 anos na altura dos factos, esta circunstância, ainda que revele a maturidade intelectual, a capacidade de fazer autocrítica e de se emendar do arguido, as quais poderão diminuir um pouco a culpa do mesmo na determinação da pena, não consubstancia automaticamente uma circunstância atenuante especial. O arguido fez confissão na audiência de julgamento da prática dos factos ilícitos de espancamento, porém, não acompanhada de qualquer acto demonstrativo de arrependimento sincero, pelo que nem esta dará lugar à atenuação especial. Por outro lado, a conduta do arguido provocou ao ofendido uma invalidez de 6%, ou seja, o ofendido perdeu permanentemente 6% das funções do seu corpo. Atento o registo criminal do arguido, apesar de ele ter pago a multa e cumprido a pena, a sua conduta posterior ao crime realmente não nos faz crer que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma suficiente e adequada as finalidades da punição. Sintetizados os factores supramencionados, perante uma moldura penal de 2 a 10 anos, mostra-se desproporcionada e inadequada a pena de 2 anos e 9 meses de prisão suspensa na execução aplicada pelo Tribunal a quo. A medida da pena por este determinada, assim como a sua decisão de suspender a execução da pena, devem ser revogadas e substituídas por uma pena de 3 anos e 3 meses de prisão efectiva, que nos parece mais adequada. Neste caso, uma vez que não se reúne o requisito formal da suspensão da execução da pena estatuído no art. 48.º do Código Penal, fica dispensada a consideração de tal suspensão.

        Em relação à indemnização pelos danos causados à integridade física do ofendido, afirmou o Colectivo do Tribunal de Segunda Instância: apesar de serem efectivos os danos sofridos pelo recorrente, o direito à saúde física e psíquica dificilmente pode ser avaliado em dinheiro, cabendo ao Tribunal fixar o montante da indemnização segundo juízos de equidade. Da análise da supracitada factualidade assente resulta que, na sequência do acidente, o ofendido sofreu lesões graves em diversas partes corporais, atingindo 6% o grau de invalidez sofrido, o que, sem dúvida, lhe atribui o direito a uma indemnização adequada. Tendo em vista o princípio da equidade, considera o Colectivo que a indemnização civil pedida pelo demandante, na quantia de MOP$266.400,00, está em conformidade com o princípio da justiça, devendo ser deferida.

        Nos termos supra expostos, acordaram no Tribunal de Segunda Instância em julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo recorrente, decidindo: anular a medida da pena determinada pelo Tribunal a quo e passar a condenar o arguido na pena de 3 anos e 3 meses de prisão efectiva. No domínio civil, além do montante indemnizatório fixado pelo Tribunal a quo, ainda condenou o demandado cível a pagar ao ofendido uma indemnização no valor de MOP$266.400,00.

        Vide o Acórdão do Tribunal de Segunda Instância, processo n.º 995/2012.

  

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

21 de Outubro de 2014