Situação Geral dos Tribunais

RAEM conseguiu construir um sistema judiciário próprio 15 anos após o retorno à Pátria

      (Nota do editor: no dia 21 de Outubro de 2014, o jornal “Legal Daily” publicou na sua coluna “Novidades de Macau” o artigo intitulado “RAEM conseguiu construir um sistema judiciário próprio 15 anos após o retorno à Pátria”, da autoria de Gao Tong e Du Guowei, da Faculdade de Direito da Universidade de Nankai e da 1ª Sucursal da Procuradoria Popular de Tianjin, respectivamente, artigo esse que foi largamente divulgado em sites, como por exemplo “People’s News Online” e “Chinanews Online”, cujo conteúdo se passa a comunicar abaixo.)

      Em 15 de Outubro, o Chefe do Executivo da RAEM, Chui Sai On, referiu na Sessão de Abertura do Ano Judiciário 2014/2015 que Macau conseguiu construir “um sistema judiciário adequado à realidade social da RAEM”. O início da construção do sistema judiciário da RAEM pode remontar ao retorno de Macau à Pátria, momento em que, estabelecido o sistema político da Região, arrancou oficialmente a construção do sistema judiciário. Com os objectivos essenciais de salvaguardar a imparcialidade judicial e de elevar a eficiência judicial, o sistema judiciário de Macau tem promovido continuamente a sua reforma e desenvolvimento, empenhando-se em se adaptar ao novo sistema político e às necessidades sócio-económicas da Região. Passados mais de dez anos de construção, o sistema judiciário de Macau torna-se cada vez mais completo e perfeito. Até os dias de hoje, ficou formalmente estabelecido o sistema judiciário da RAEM.

      O sistema judiciário da RAEM pressupõe que os seus órgãos judiciários gozem com independência das competências de julgamento em última instância e das competências de procuradoria. Antes do retorno, Macau não era uma jurisdição autónoma, uma vez que o seu sistema judiciário fazia parte do sistema judiciário nacional de Portugal, cabendo recurso das decisões judiciais ao Supremo Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Administrativo de Portugal. De acordo com a concepção “um país, dois sistemas”, foi aprovada pela Assembleia Popular Nacional em 1993 a Lei Básica da RAEM, que confere ao Território os poderes independentes de julgamento em última instância e de procuradoria. Com vista à adaptação ao sistema judiciário posterior ao retorno, foi aprovada no ano de 1991 pela Assembleia da República Portuguesa a Lei de Bases da Organização Judiciária de Macau, nos termos da qual se criaram o Tribunal Superior de Justiça e o Ministério Público de Macau, de forma a consolidar a autonomia judicial da Região. Em Maio de 1999, por autorização de Portugal, o Tribunal Superior de Justiça passou a ter, oficialmente, o poder de julgamento em última instância. Em Dezembro do mesmo ano, no momento do retorno de Macau à Pátria, publicou-se a nova Lei de Bases da Organização Judiciária de Macau, que veio a ser um diploma basilar na construção do sistema judiciário da Região. Em consonância com a Lei de Bases da Organização Judiciária de Macau, os órgãos judiciários da RAEM são os tribunais e o Ministério Público, os quais exercem com independência as funções jurisdicionais e da procuradoria. Existem os Tribunais de Primeira Instância, o Tribunal de Segunda Instância e o Tribunal de Última Instância. Os Tribunais de Primeira Instância compreendem o Tribunal Judicial de Base e o Tribunal Administrativo. O Ministério Público tem representantes junto dos diferentes tribunais, para exercer as suas competências. Além disso, em 2004 e 2009, efectuaram-se duas revisões à Lei de Bases da Organização Judiciária de Macau, tendo-se aperfeiçoado ainda mais o sistema judiciário de Macau.

      Nos termos da Lei Básica da RAEM, Macau dispõe de autonomia judicial. Os tribunais e o Ministério Público desempenham, com independência, as funções jurisdicionais e da procuradoria, sendo livres de qualquer interferência. Em Macau, devido à sua limitada extensão territorial, as relações interpessoais são estreitas, razão pela qual estipula-se na legislação de Macau que, salvo as restrições impostas pelo nº 3 do artigo 19.º da Lei Básica, os juízes da RAEM exercem o poder judicial nos termos da lei e não estão sujeitos a quaisquer ordens ou instruções. Para além disso, estabelece-se ainda o regime de garantia profissional aos magistrados, a saber: os magistrados gozam de um alto nível de vencimento e regalias, não podendo ser exonerados ou transferidos senão nos casos previstos na lei nem responsabilizados em razão do exercício das suas funções, enfim, todos são meios para lhes dotar da capacidade de resistir às interferências por factores alheios à Justiça.

      A fim de salvaguardar a imparcialidade judicial, bem como estabelecer e aperfeiçoar o seu sistema judiciário autónomo, a RAEM, ao longo dos últimos 15 anos, tem-se dedicado, principalmente, ao trabalho nos cinco aspectos a seguir indicados.

      Primeiro, a reforma judiciária de especialização. Antes do retorno, não havia nos tribunais de Macau especialização dos juízes, cabendo a um mesmo juiz julgar não só processos cíveis e comerciais, como também processos criminais. Depois do retorno, registou-se um aumento considerável do número de processos, e o antigo modelo de funcionamento deixou de ser adequado perante essa nova realidade, tendo provocado, assim, demora no julgamento das causas. Tendo em vista elevar a qualidade e a eficiência de funcionamento dos órgãos judiciais, a RAEM promoveu uma reforma judiciária de especialização. Desde 2005, foi alterado passo a passo o mecanismo de funcionamento do Tribunal Judicial de Base, tendo-se criado juízos especializados, como juízos criminais, juízos cíveis e juízos de pequenas causas cíveis competentes para resolver litígios de menor importância económica. Em 2011, modificou-se o mecanismo de funcionamento do Tribunal de Segunda Instância, tendo-se criado neste Tribunal uma sessão de processos em matéria criminal e uma sessão de processos em matérias civil e administrativa. No ano de 2013, criaram-se no Tribunal Judicial de Base um Juízo Laboral e um Juízo de Família e de Menores. Tal reforma, que durou vários anos, resultou num aumento significativo do nível de especialização da organização judiciária de Macau e na elevação da eficiência e qualidade da administração da Justiça. Por exemplo, no ano judiciário 2013/2014, o Tribunal de Segunda Instância concluiu 1.206 processos, representando um aumento de 44,95% em relação ao ano judiciário anterior. Restavam 461 processos pendentes, registando-se uma descida enorme de 39,18% em comparação com o ano transacto. Ademais, no intuito de assegurar o funcionamento eficiente do poder judiciário, ainda se estabeleceram nos tribunais e no Ministério Público de Macau serviços especialmente encarregados dos assuntos administrativos, i.e., o Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância e o Gabinete do Procurador, concretizando-se, assim, a separação entre a justiça e a administração no seio do próprio poder judiciário.

      Segundo, o reforço do pessoal judicial e a formação duma equipa judicial eficiente e profissional. Uma equipa judicial estável composta por trabalhadores suficientes constitui uma base importante para o funcionamento independente da Justiça. Contudo, nos primeiros dois anos depois do retorno de Macau à Pátria, houve uma redução do número de magistrados e funcionários judiciais. O número de juízes do Tribunal de Segunda Instância diminuiu de 7 para 5, enquanto o número de juízes do Tribunal Judicial de Base desceu de 14 para 11. Ainda saíram dos tribunais mais de 20 funcionários de justiça. Acresce que subiu em grande medida o número de processos, tornava-se cada vez mais evidente a insuficiência do pessoal judicial. Com o objectivo de resolver tal problema, o Governo da RAEM veio reforçar a selecção e a formação de magistrados e funcionários judiciais locais, vindo a conquistar resultados notáveis. Actualmente, o Tribunal de Última Instância de Macau tem 3 juízes, o Tribunal de Segunda Instância tem 10 juízes, o Tribunal Judicial de Base tem 29 juízes e o Juízo de Instrução Criminal tem 3 juízes. Por sua vez, o Ministério Público é dotado de um total de 40 magistrados, incluindo 1 Procurador, 12 Procuradores-adjuntos e 27 delegados do Procurador. Com vista ao aperfeiçoamento do regime dos magistrados e dos funcionários de justiça, ainda se promulgaram em Macau diplomas legais como o «Regulamento do curso e estágio de formação para ingresso nas magistraturas judicial e do Ministério Público» e o «Processo de recrutamento, selecção e formação dos funcionários de justiça», de forma a regular a sua selecção, formação e gestão.

      Terceiro, a promoção do uso da língua chinesa nos processos judiciais. Consagra a Lei Básica da RAEM que são línguas oficiais da RAEM as línguas chinesa e portuguesa. No entanto, devido ao arranque tardio do processo de localização judicial, a língua mais utilizada nos primeiros momentos após o retorno era a língua portuguesa. Como a maior parte dos interessados nos processos não sabia falar português, surgiram-lhes muitos inconvenientes em intervir nas acções judiciais. Por esse motivo, a RAEM tem-se empenhado na promoção da utilização da língua chinesa nos processos judiciais, havendo, designadamente, criado a Comissão para Estudo da Utilização das Línguas Chinesa e Portuguesa nos Tribunais, subordinado directamente ao Conselho dos Magistrados Judiciais, elaborado actos processuais bilingues e organizado cursos de tradução e interpretação. Com vários anos de esforços, a língua chinesa passou a ser a língua dominante nos processos judiciais em Macau, o que facilita muito a intervenção processual das partes. Veja-se o exemplo do ano judiciário 2008/2009, em que 70% das sentenças dos tribunais foram elaboradas em chinês e português, e foi totalmente resolvido o problema da utilização da língua chinesa no Tribunal de Última Instância, no Tribunal Administrativo, no Juízo de Instrução Criminal e no Juízo de Pequenas Causas Cíveis do Tribunal Judicial de Base, enquanto nos demais Juízos do Tribunal Judicial de Base, atingiu 75% a taxa de utilização da língua chinesa ou das línguas chinesa e portuguesa.

      Quarto, a promoção da transparência judicial. Tendo em vista acabar com a falta de publicidade existente no funcionamento judiciário antes do retorno de Macau à Pátria, bem como facilitar a intervenção processual das partes, a RAEM levou a cabo uma reforma de transparência judicial. Em Setembro de 2001, entrou em funcionamento a página electrónica dos tribunais de Macau, na qual são comunicados atempadamente os resultados da distribuição, marcação e julgamento dos processos, assim como as vendas judiciais, para conhecimento das partes processuais. Os tribunais e o Ministério Público ainda aproveitam as suas páginas electrónicas para publicar a tempo acórdãos, casos típicos, relatórios de trabalho, estruturas orgânicas, notícias, etc., medida essa que, de facto, aumentou a publicidade e a transparência do trabalho dos tribunais e do Ministério Público.

      Quinto, a reforma dos processos judiciais. A reforma do sistema judiciário concretiza-se, muitas vezes, através da reforma dos processos judiciais. A RAEM, ao mesmo tempo que deu princípio à reforma do sistema judiciário, encetou a reforma dos processos judiciais. Diligências como a introdução do conceito de processo legítimo e a reforma do processo sumário e do mecanismo de reconciliação criminal aumentaram consideravelmente a eficiência de julgamento dos processos e impulsionaram a optimização do sistema judiciário.

      Após mais de dez anos de desenvolvimento, ficou formalmente construído na RAEM um sistema judiciário orientado essencialmente para a concretização da imparcialidade judicial e a elevação da eficiência judicial. Claro, isso não significa que se tenha posto termo à reforma do sistema judiciário, antes pelo contrário, demonstra que a reforma vai-se aprofundando. Neste momento, não deixam de existir no sistema judiciário de Macau muitos problemas que prejudicam a imparcialidade e a eficiência judiciais, nomeadamente, a insuficiência das garantias profissionais aos magistrados, a necessidade duma maior especialização na organização judiciária e o facto de a reforma do processo judicial obviamente não conseguir acompanhar o ritmo da reforma do sistema judiciário. Tais problemas carecem de ser resolvidos passo a passo, à medida que o sistema judiciário da RAEM se vai aperfeiçoando, para atingir o objectivo final de formar um sistema judiciário adequado à realidade social de Macau.

      (Autores: Gao Tong e Du Guowei, da Faculdade de Direito da Universidade de Nankai e da 1ª Sucursal da Procuradoria Popular de Tianjin, respectivamente)

 

28/10/2014