Acórdãos

Tribunal de Segunda Instância

    • Data da Decisão Número Espécie Texto integral
    • 10/09/2020 532/2015 Recurso em processo civil e laboral
    • Assunto

      - Impugnação da matéria de facto e ónus especificado de indicação erro concreto
      - Plantas cadastrais definitivas e seu valor jurídico – artigo 14º do DL nº 3/94/M, de 17 de Janeiro
      - Acção de reivindicação e pressupostos exigidos
      - Princípio da intangibilidade da obra pública e consequências jurídicas

      Sumário

      I – Para que este TSI possa atender à eventual divergência quanto ao decidido, no Tribunal recorrido, na fixação da matéria de facto, deverá ficar demonstrado pelos meios de prova indicados pelo Recorrente, a ocorrência de um erro na apreciação do seu valor probatório, exigindo-se, contudo e para tanto, que tais elementos de prova sejam inequívocos quanto ao sentido pretendido por quem recorre, pois não se deve ignorar que no processo civil impera o princípio da livre apreciação da prova nos termos do disposto no artigo 558º do CPC.
      II - As plantas cadastrais definitivas são documentos exarados, com as formalidades legais impostas pelo DL n.º 3/94/M, de 17 de Janeiro, pela autoridade pública competente em razão da matéria e do lugar para o efeito - a DSCC - , nos limites da sua competência definida no artigo 1º do referido diploma e dentro do círculo de actividade que o mesmo lhe atribui, sendo, por isso, documentos autênticos à luz do n.º 2 do artigo 356º e do artigo 363º do CCM, com a força probatória plena estatuída em legislação especial, mormente no artigo 14° daquele Decreto-Lei, sem prejuízo de que o seu conteúdo seja impugnável por meios probatórios idóneos nos termos legalmente fixados.
      III – Enquanto não forem impugnadas nos termos legais, nomeadamente mediante incidente de falsidade ao abrigo do disposto no artigo 366º do CCM, ou outros meios probatórios idóneos; as plantas cadastrais definitivas são provas bastantes para comprovar a área, localização e as confrontações de terreno a que as mesmas se referem, por força do disposto no artigo 14º do DL nº 3/94/M, de 17 de Janeiro.
      IV - A função do registo predial é assegurar a quem adquire um direito de certa pessoa sobre um prédio, pois o registo predial definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define.
      V – A realidade factual constante das plantas cadastrais definitivas podem ser actualizada ou corrigida mediante provas bastantes e nos termos do citado DL. Quando tal realidade é confirmada através dos depoimentos das testemunhas conhecedoras da matéria, e a decisão sobre a matéria de facto foi tomada em conformidade pelo Tribunal recorrido, não se verifica erro na apreciação das provas.
      VI - É do entendimento comum dos aplicadores do direito que, em situações normais, ao reivindicante basta alegar a presunção derivada do registo para cumprir o ónus da alegação da propriedade na acção de reivindicação. Mostrando-se que, no registo predial, a aquisição do direito de propriedade sobre a coisa reivindicada se encontrava inscrita a favor da transmitente à data em que a Autora dele a adquiriu derivadamente, em situações normais, não necessita a Autora de produzir afirmações acerca da aquisição pela transmitente desse direito, nem de provar essas afirmações.
      VII - Numa acção de reivindicação, para que esta tenha êxito, à Autora compete alegar factos dos quais resulte a aquisição da propriedade, por si ou pela pessoa que lha transmitiu, ou alegar que beneficie da presunção legal de propriedade, como a resultante do registo (artigo 7º do CRP). Uma vez reconhecido o direito de propriedade reivindicada, há lugar à consequente restituição do prédio reivindicado, a não ser que nos casos em que a possuidora ou detentora seja titular de uma posição jurídica incompatível com o dever de entrega.
      VIII - A apropriação ou ocupação de prédios alheios por entidades públicas pode apresentar-se sob vários gradientes que vão desde o desrespeito flagrante das regras sobre a expropriação por utilidade pública até situações em que a violação objectiva do direito de propriedade é resultado de comportamentos que se inscrevem na mera culpa ou é traduzida em situações que se manifestam através da violação dos limites objectivos do prédio expropriado, por vezes, em resultado de um mero erro ou de excesso na execução do acto expropriativo. Quando isso suceder e estiverem reunidos todos os pressupostos legalmente prescritos (artigo 477º do CCM), há lugar à indemnização por parte da entidade pública que expropriou silenciosamente parte da propriedade privada.
      IX - O princípio da intangibilidade da obra pública constitui, conceitualmente, a ponderação das consequências da violação do princípio da legalidade da Administração Pública, quando, apesar da sua actuação à margem da lei, redunda na prossecução do interesse público. Tal princípio encontra o seu fundamento legal nos artigos 326º e 327º do CCM (correspondentes aos artigos 334º e 335º do CC de 1966), em que estão previstas as figuras de abuso de direito e de colisão de direitos.
      X - O princípio da intangibilidade da obra pública – princípio geral do direito das expropriações – traduz-se na manutenção da posse por parte da administração quando, apesar de a posse assentar em título ilegal, não representando um atentado grosseiro ao direito de propriedade, deva ser mantida, sob pena de resultarem danos graves para o interesse público. Em contra partida, a Administração Pública deve indemnizar o particular pelos prejuízos sofridos pelo mesmo.

       
      • Votação : Unanimidade
      • Relator : Dr. Fong Man Chong
      • Juizes adjuntos : Dr. Ho Wai Neng
      •   Dr. Tong Hio Fong