Acórdãos

Tribunal de Última Instância

    • Data da Decisão Número Espécie Texto integral
    • 11/03/2022 12/2022 Recurso em processo penal
    • Assunto

      Crime de “tráfico ilícito de estupefacientes”.
      Erro notório na apreciação da prova.
      In dubio pro reo.
      “Encomenda postal” (contendo estupefaciente).
      “Entregas controladas” (de estupefaciente).
      (Cooperação policial e judiciária).

      Sumário

      1. O “princípio in dubio pro reo” identifica-se com o da “presunção da inocência do arguido” e impõe que o julgador valore sempre, em favor dele, um “non liquet”.

      Conexionando-se com a matéria de facto, este princípio actua em todas as vertentes fácticas relevantes, quer elas se refiram aos elementos típicos do facto criminalmente ilícito – tipo incriminador, nas duas facetas em que se desdobra: tipo objectivo e tipo subjectivo – quer elas digam respeito aos elementos negativos do tipo, ou causas de justificação, ou ainda a circunstâncias relevantes para a determinação da pena.

      Porém, importa atentar que o referido o princípio (“in dubio pro reo”), só actua em caso de dúvida insanável, razoável e motivável, definida esta como “um estado psicológico de incerteza dependente do inexacto conhecimento da realidade objectiva ou subjectiva”.

      Por isso, para a sua violação exige-se a comprovação de que o juiz tenha ficado na dúvida sobre factos relevantes, e, nesse estado de dúvida, tenha decidido contra o arguido.

      Daí também que, para fundamentar essa dúvida e impor a absolvição, não baste que tenha havido “versões dispares” ou mesmo “contraditórias”, sendo antes necessário que perante a prova produzida reste no espírito do julgador – e não no do recorrente – (alguma) dúvida sobre os factos que constituem o pressuposto da decisão, dúvida que, como se referiu, há-de ser “razoável” e “insanável”.

      A violação do “princípio in dubio pro reo” exige, sempre, que o tribunal tenha exprimido, com um mínimo de clareza, que se encontrou num “estado de dúvida” quanto aos factos que devia dar por “provados” ou “não provados”.

      2. Inegável se apresenta de admitir, (como último meio), certas “medidas de investigação especiais”, estritamente necessárias à eficácia da prevenção e combate a determinado tipo de criminalidade, especialmente, relativamente à criminalidade (objectivamente) grave e de consequências de elevada danosidade social como (v.g.), sucede com o “terrorismo”, a “criminalidade organizada”, o “tráfico humano” e o “tráfico de droga”, onde a pressão das circunstâncias e das imposições de defesa da(s) sociedade(s) contra tão graves afrontamentos tem imposto meios como a admissibilidade de “escutas telefónicas”, a utilização de “agentes infiltrados” e a “entrega controlada” de estupefaciente.

      Importa é que a actuação dos agentes policiais não constitua, de qualquer forma ou circunstância, uma “interferência externa na vontade do arguido”, no sentido de o levar a praticar os factos apurados, necessário (e imprescindível) sendo de distinguir entre a “criação de uma oportunidade com vista à realização de uma intenção criminosa já existente”, em que o sujeito já está decidido a delinquir e a actuação policial apenas cria as condições à concretização – exteriorização – da dita intenção criminosa, e a (própria) criação desta mesma intenção, (antes inexistente), visando incitar à prática de uma infracção que, sem essa intervenção, não teria lugar, com vista a obter a prova duma infracção que sem essa conduta não existiria.

      Na verdade, a eventual ânsia de prevenir e combater o crime (grave) não pode legitimar comportamentos que atinjam intoleravelmente a liberdade de vontade ou de decisão das pessoas, (e isso, mesmo que tal se faça no propósito de desmascarar o criminoso, ou de pôr a descoberto a sua actividade delituosa).

      Quando se afecta intoleravelmente a “liberdade de vontade” ou de “decisão” da pessoa, a deslealdade atinge um grau de insuportabilidade que é a “integridade moral” do sujeito que acaba violada, (e, com ela, o prescrito no art. 28° da L.B.R.A.E.M.), tornando todo o procedimento “nulo” por força do art. 113° do C.P.P.M..

      Porém, desde que estes “limites” sejam respeitados, em causa não fica o equilíbrio, (ou a equidade), entre os “direitos das pessoas” enquanto fontes ou detentoras da prova e as “exigências públicas do inquérito e da investigação”.

      Resultado

      - Negado provimento ao recurso.

       
      • Votação : Unanimidade
      • Relator : Dr. José Maria Dias Azedo
      • Juizes adjuntos : Dr. Sam Hou Fai
      •   Dra. Song Man Lei