Acórdãos

Tribunal de Última Instância

    • Data da Decisão Número Espécie Texto integral
    • 24/09/2021 66/2021 Recurso em processo penal
    • Assunto

      Recurso em processo penal.
      Crime de “tráfico ilícito de estupefacientes”.
      Condenação autónoma em dois processos.
      “Factos homogéneos” e “temporalmente conexos”.
      Mesmo “desígnio criminoso”.
      “Cumulo jurídico”.
      Conhecimento superveniente do concurso (real) de crimes.
      Analogia, (“in bonam partem”).

      Sumário

      1. Verificando-se que a arguida/recorrente foi condenada em sede de “dois processos autónomos” pela prática, em cada um deles, de 1 crime de “tráfico ilícito de estupefacientes”, e constatando-se que os “factos praticados” no âmbito de um destes processos, (com o n.° CR2-20-0187-PCC), “integra” o crime matéria do processo no qual foi interposto o recurso em apreciação, adequada é uma ponderação sobre o acerto de tal “duplicação de processos e condenações”.

      2. A “proibição da analogia” em direito penal tem os seus limites expressamente especificados no n.° 3 do art. 1° do C.P.M., (não sendo assim permitido o recurso à analogia – tão só – “para qualificar um facto como crime ou definir um estado de perigosidade, nem para determinar a pena ou medida de segurança que lhes corresponde”), ou seja, só se estendendo à chamada «analogia malam partem», portanto, aquela que seja contra o destinatário da norma, (isto é, a desfavorável), deixando de for a a analogia favorável, («in bonam partem»), que, assim, se deve ter como plenamente permitida.

      A “analogia” não deixa de consistir no “complexo de meios” dos quais se vale o intérprete para suprir a lacuna do direito positivo e integrá-lo com elementos encontrados no próprio Direito, tendo, nesta óptica, como seu fundamento, a inexistência de uma disposição precisa da lei que alcance o caso concreto.

      Isto é, o fundamento do recurso à analogia é o de que, se uma norma dispõe de certa maneira para um caso, será natural que um caso idêntico, não regulado por qualquer norma, seja resolvido da mesma forma que o primeiro, desde que procedam os fundamentos materiais ou razões justificativas da regulação do caso que uma dada norma em vigor prevê.

      Nestes termos, a analogia constitui uma forma de “lógica parcial”: o método que envolve a sua utilização na integração de lacunas traduz-se, essencialmente, numa “operação de comparação” de um caso concreto com outro, de forma a identificar as suas “diferenças” e “semelhanças”, e verificar se estas últimas são suficientemente relevantes, (portanto, mais fortes que as diferenças que as separam), de modo a que se possa enquadrar ou subsumir o referido caso omisso na estatuição da norma que regula o caso análogo.

      No fundo, a aplicabilidade da lei por analogia assenta no presumir que, se a lei prevê determinado caso e o regula de certa maneira, da mesma maneira teria regulado os outros casos relativamente aos quais procedam as razões justificativas daquela regulamentação, evitando-se, desta forma, “dissonâncias no sistema jurídico”, (cuja “unidade”, como é sabido, deve o intérprete e aplicador do direito respeitar e assegurar nos termos do art. 8°, n.° 1 do C.C.M.).

      3. Afigurando-se existir, «in casu», um “vazio legal”, e apresentando-se-nos (igualmente) justificada a sua integração com recurso à existente (analogia) da regulamentação da situação do “conhecimento superveniente do concurso” prevista no art. 72°, n.° 2 do C.P.M., adequado é adoptar como solução para a dita situação (a ratio de tal) idêntico preceito, e, assim, de desconsiderar o trânsito em julgado da decisão proferida no Processo n.° CR2-20-0187-PCC a fim de se dar a factualidade (do dia 27.12.2019) pelo qual foi a recorrente aí condenada como integrante da conduta e crime pela mesma cometido nestes autos, (que abrange o período temporal que vai de data não apurada de Setembro de 2019 a 29.12.2019).

      Resultado

      - Condenada pela prática de um (1) crime de "tráfico ilícito de estupefacientes", p. e p. pelo art. 8°, n.° 1 da Lei n.° 17/2009, (na redacção introduzida pela Lei n.° 10/2016), fixando-se-lhe a pena de 9 anos e 6 meses de prisão, (descontando-se o tempo de prisão que já cumpriu), passando a recorrente a cumprir pena à ordem destes autos, para cujo efeito, e oportunamente, se devem passar os competentes mandados de desligamento.

       
      • Votação : Unanimidade
      • Relator : Dr. José Maria Dias Azedo
      • Juizes adjuntos : Dr. Sam Hou Fai
      •   Dra. Song Man Lei