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Tribunal Administrativo da Região Administrativa Especial de Macau
Processo de Intimação para um comportamento n.º 85/13-IC

Processo n.º:85/13-IC
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SENTENÇA
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  Sociedade de Transportes Públicos Reolian, S.A. (Reolian Public Transport Co. Ltd), ora Requerente, melhor identificada nos autos, vem intentar o presente procedimento de intimação para um comportamento contra a RAEM, a Sua Excelência o Chefe do Executivo e a Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego (adiante designada por DSAT), ora Requeridos, pedindo, de forma cumulada, os seguintes:
  a. deve a RAEM ser intimada a proceder ao pagamento das facturas emitidas desde 12/06/2012 até 30/04/2013, no âmbito dos serviços prestados pela Requerente ao abrigo do Contrato de Concessão, relativas ao valor da diferença entre o preço global calculado com base nos preços unitários inicialmente constantes do referido Contrato e preço global calculado com base nos preços unitários aplicáveis a partir de 12/06/2012, por força do despacho da Sua Excelência o Chefe do Executivo, comunicado à Requerente por carta datada de 21/06/2012, no valo total de MOP36.595.900,28;
  b. deve a DSAT ser intimada a proceder à homologação/verificação das facturas referidas na a);
  c. deve a Sua Excelência o Chefe do Executivo ser intimado a praticar os actos necessários ao pagamento das facturas referidas na a);
  d. deve ser definido um prazo, não superior a 15 dias úteis, para a realização do pagamento das facturas referidas na a);
  e. deve ser determinada a aplicação aos Requeridos uma sanção pecuniária compulsória, em montante a definir pelo Tribunal, por cada dia de atraso na adopção dos comportamentos referidos nas a) e c); e
  f. deve a RAEM ser intimada a pagar os serviços prestados pela Requerente ao abrigo do Contrato, após 30/04/2013, com base nos preços unitários aprovados pelo despacho da Sua Excelência o Chefe do Executivo de 12/06/2012, e para esse efeito, a Sua Excelência o Chefe do Executivo e a DSAT serem intimados a proceder à prática dos actos necessários à efectivação desse pagamento,
  invocando para tal a verificada violação dos deveres constantes do Contrato da Prestação do Serviço Público dos Transportes Colectivos Rodoviários de Passageiros da RAEM, que os interesses afectadas por essa violação sejam dignos de tutelo jurisdicional e não possam ser devidamente tutelados por outro meio processual previsto no C.P.A.C., e tal violação possa cessar pelos pagamento e procedimentos contratuais necessários para o efeito, nomeadamente, homologação das facturas dos serviços por si prestados ao abrigo do Contrato, justificando a urgência pela demora da obtenção de uma decisão que tutela, efectiva e definitivamente, os seus interesses e direitos iria agravar, de forma considerável, a já difícil situação financeira da Requerente, a um ponto que poderá mesmo afectar a sua sustentabilidade financeira e a operação comercial da Requerente.
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  Foi apresentado um novo requerimento inicial após de ter sido notificada para o seu aperfeiçoamento.
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  Nas contestações apresentadas, todos os Requeridos vieram pugnar pela ilegitimidade da Requerente pela sua aceitação tácita da suspensão de ajustamento dos preços unitários e improcedência dos pedidos por incumprimento ou cumprimento defeituoso dos deveres contratuais pela Requerente, enquanto os Requeridos a Sua Excelência o Chefe do Executivo e a DSAT invocaram ainda as excepções dilatórias de falta de personalidade e capacidade judiciárias da DSAT e preterição de litisconsórcio necessário e erro na forma de processo, requerendo ainda o prosseguimento dos autos nos termos do recurso contencioso de actos administrativos.
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  Na resposta da Requerente, foram impugnadas as excepções invocadas pelos Requeridos e suscitada, a título subsidiário, a questão da nulidade do acto de suspensão e ausência da sua notificação.
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  Foi determinado que os presentes autos se seguem os termos do recurso contencioso de actos administrativos e as excepções relegadas para a decisão final.
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  Na pendência da instância, a Requerente veio pedir a apensação dos autos para os de acção sobre contratos administrativos já intentada junto deste Tribunal em 22/07/2013 e autuado com o processo n.º 219/13-CA, neles foram deduzidos pedidos basicamente idênticos aos dos presentes autos, divergente apenas do valor da causa em resultado da execução continuada do contrato administrativo em causa. Determinou-se relegar o conhecimento da referida questão para a decisão final e procedeu-se à inquirição das testemunhas arroladas pelas partes.
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  Finda a inquirição das testemunhas, ambas as partes foram notificadas para, querendo, apresentarem alegações facultativas, no prazo fixado de 10 dias.
  Nas alegações facultativas, a RAEM suscitou a questão de não verificação do “periculum in mora” nos autos e pediu a declaração da inutilidade superveniente da lide por falta dos pressupostos legais previstos no art.º 132.º, n.º 3, do C.P.A.C., pelos factos de interposição de uma acção sobre contratos administrativos que tem a mesma causa de pedir com mesmos pedidos e instauração do processo de falência, faltando assim para a Requerente uma tutela jurisdicional urgente para obter “a antecipação de efeitos a produzir pela sentença no processo sobre a questão de fundo e que alteram o statu quo”.
  Alegaram ainda o 2.º e 3.º Requerido a falta da verificação do pressuposto do “periculum in mora” nos autos, injustificando a urgência e os eventuais prejuízos alegados pela Requerente.
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  O Tribunal é competente em razão da matéria, hierarquia e internacionalmente.
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  Vemos, desde já, pronunciar sobre as questões prévias suscitadas pelos Requeridos que alegaram obstar ao conhecimento dos pedidos.
  Da falta de personalidade e capacidade judiciárias da DSAT
  Entenderam o 2.º e 3.º Requerido (a Sua Excelência o Chefe do Executivo e a DSAT) se verificou nos autos a manifesta falta de personalidade e capacidade judiciária da DSAT como parte demandada, sendo um serviços público simples desprovida de personalidade jurídica e capacidade judiciária, e carecendo o Director da DSAT dos poderes para representar a DSAT no juízo.
  Prevê-se no art.º 132.º do C.P.A.C. o seguinte:
“Artigo 132.º
(Pressupostos)
  1. Quando os órgãos administrativos, os particulares ou os concessionários violem normas de direito administrativo ou deveres decorrentes de acto ou contrato administrativos ou quando a actividade dos primeiros e dos últimos viole um direito fundamental ou ainda quando, em ambas as hipóteses, haja fundado receio de violação, pode o Ministério Público ou qualquer pessoa a cujos interesses a violação cause ofensa digna de tutela jurisdicional pedir ao tribunal que os intime a adoptar certo comportamento ou a abster-se dele com o fim de assegurar, respectivamente, o cumprimento das normas ou deveres em causa ou o respeito pelo exercício do direito.
  … … … ”
  Da leitura do estatuído do citado diploma, em conformidade com o preceituado no art.º 15.º do C.P.A., se não nos afigura correcto e adequado para concluir que os “órgãos administrativos” aí se referem têm sentido diverso e dizem respeito apenas aos serviços públicos, institutos públicos ou instituições públicas com personalidade jurídica.
  Efectivamente, nos processos de recurso contencioso de actos administrativos, o legislador permite o órgão que tenha praticado o acto, ou que, por alteração legislativa ou regulamentar, lhe tenha sucedido na respectiva competência, para ser entidade recorrida (cfr. art.º 37.º do C.P.A.C.), tendo atribuído ao “órgão administrativo” recorrido quer a personalidade judiciária quer a capacidade judiciária.
  Aliás, não se aplica, no âmbito de contencioso administrativo, rigorosamente o conceito da personalidade jurídica de pessoa colectiva e regras para a sua representação previstas nos art.º 39.º, 53.º e 54.º do C.P.C..
  E o preenchimento do pressuposto processual da capacidade judiciária dos serviços públicos, institutos públicos ou instituições públicas depende da intervenção dos órgãos administrativos com atribuições ou poderes para os representar em juízo.
  Com efeito, a invocada falta de personalidade jurídica da DSAT, nos termos do art.º 2.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2008, de 18 de Fevereiro, se não considera o fundamento justificativo para dar lugar a absolvição deste Requerido da instância.
  No que concerne à sua capacidade judiciária, anota-se que no novo requerimento inicial apresentado e constante das fls. 428 a 454, veio a Requerente aditar os dois requeridos, designadamente, a Sua Excelência o Chefe do Executivo e a DSAT, no entender de dependência da prática de outros actos desses órgãos administrativos para cumprimento dos deveres do Contrato.
  Depois de ter sido notificada para indicar a pessoa a citar para representar a DSAT, foi procedida a citação ao Exmº Senhor Director da DSAT como indicado pela Requerente (cfr. fls. 455 e verso, 462 e 464 dos autos).
  Mesmo assim, não se pode acolher o entendimento da Requerente que o 3.º Requerido passou automaticamente a ser o Exmº Senhor Director da DSAT, dado que foi a pretensão explícita e inequívoca da Requerente para intimar os três Requeridos, a saber, a RAEM, a Sua Excelência o Chefe do Executivo e a DSAT, a satisfazer os pedidos deduzidos no requerimento.
  Quanto à representação da DSAT em juízo, não se vê qualquer razão o Senhor Director carece de poderes para a representar, atento em particular o disposto nos art.º 4 e 5.º da Regulamento Administrativo n.º 3/2008, art.º 6.º da Regulamento Administrativo n.º 6/1999, de 20 de Dezembro, e das alíneas 2ª e 6ª da Ordem Executiva n.º 124/2009, de 20 de Dezembro, respectivamente, além disso, donde se não pode retirar a conclusão que estes poderes de representação são poderes exclusivos atribuídos ao Sr. Director ou seus substitutos legais, ficando assim a DSAT regularmente representada, mediante procuração forense outorgada pelo Senhor Director Substituto da DSAT, com poderes subdelegados por Exmº Senhor Secretário de Obras Públicas e Transportes para representar a DSAT nos presentes autos.
  Assim sendo, não se sufraga o entendimento da Requerente que se verificou nos autos, a revelia do Director da DSAT e o obstáculo à apreciação das peças processuais apresentadas pelo 3.º Requerido.
  Pelos expostos, julga-se improcedente a referida excepção dilatória da falta de personalidade e capacidade judiciária do 3.º Requerido.
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  Da preterição de litisconsórcio necessário
  Em seguimento do disposto no n.º 3 da Cláusula 6.ª do Contrato, entenderam o 2.º e 3.º Requerido incumbe à Direcção dos Serviços de Finanças (DSF) dar indicação quanto ao cabimento da despesa e emitir o título de pagamento, para que o pagamento das facturas emitidas pela Requerente se torna efectivo. Deste modo, se justificaria a intervenção da DSF nos autos para a decisão produzir o seu efeito útil normal, ao abrigo do art.º 61.º do C.P.C., ex vi do art.º 1.º do C.P.A.C..
  Não se vê qualquer razão para acolher o assim entendido dos Requeridos.
  Estatui o art.º 61.º do C.P.C. o seguinte:
“Artigo 61.º
(Litisconsórcio necessário)
  1. Se a lei ou o negócio jurídico exigir a intervenção dos vários sujeitos da relação material controvertida, a falta de qualquer deles é motivo de ilegitimidade.
  2. É igualmente necessária a intervenção de todos os sujeitos quando, pela própria natureza da relação jurídica, ela seja necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal; a decisão produz o seu efeito útil normal sempre que, não vinculando embora os restantes sujeitos, possa regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado.”
  Dá lugar o litisconsórcio necessário quando existe pluralidade de partes principais porque a lei ou o contrato o impõem.
  Segundo o estipulado no n.º 3 da Cláusula 6.ª do Contrato em causa, cabe à DSF verificar e especificar à cabimentação orçamental da respectiva despesa antes de proceder ao pagamento mediante a passagem do título de pagamento.
  Assim, da efectivação do pagamento depende necessariamente demais trâmites ou procedimentos administrativos, não vigorando manifestamente aqui o litisconsórcio necessário convencional ou legal, nem a função exercida pela DSF, ao abrigo do art.º 15.º do Regulamento Administrativo n.º 6/2006, de 24 de Abril, se demonstra um papel significante na regulação da relação jurídica controvertida dos Requerente e Requeridos, constituindo um obstáculo à sua definição e conduzindo a não produção do efeito útil normal da sentença a proferir, pela falta da sua intervenção no pleito.
  Nesta conformidade, decide-se improceder a presente excepção invocada pelos Requeridos.
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  Do erro na forma de processo
  Alegaram pelos 2.º e 3.º Requeridos o presente procedimento preventivo e conservatório de intimação não deve utilizar-se como meio adequado para definição, ainda que provisória, de direitos e interesses, antes visando assegurar, de forma rápida, a efectivação de direitos cuja existência e titularidade são evidentes, e na sequência, não se ajuste às pretensões formuladas pela Requerente, dado que o direito a receber o preço dos serviços prestados depende de homologação das facturas, não sendo evidente a existência do direito ao pagamento.
  Segundo o princípio da tipicidade legal das formas de processo, o erro na forma de processo diz respeito à inadequação ou não ajustamento do meio processual à pretensão formulada. O que determina a forma de processo é o pedido e não a relação substantiva ou o direito subjectivo que lhe serve de base.1
  Importa-se, pois, para saber a natureza e finalidade deste espécie denominado dos procedimentos preventivos e conservatórios previsto no C.P.A.C..
  Em termos genéricos, pode-se distinguir o processo cautelar do processo principal pela natureza que no processo principal, a autor vem exercer o direito de acção, com vista a obter uma pronúncia que proporcione a tutela jurídica adequada à situação jurídica que o levou a dirigir-se ao tribunal, e no processo cautelar, a autor pede ao tribunal uma providência destinada a impedir que, durante a pendência do processo principal, possa ficar em perigo a utilidade da decisão que naquele processo se pretende ver proferida. “O processo cautelar não possui autonomia, funcionando como um momento preliminar ou como um incidente do processo principal, cujo efeito útil visa assegurar, e portanto, ao serviço do qual se encontra.”2
  “As providências cautelares são adoptadas para prevenir a inutilidade, total ou parcial, das sentenças, seja por infrutuosidade, seja por retardamento. Existe inutilidade da sentença por infrutuosidade quando, mercê da evolução das circunstâncias, já não é possível dar corpo, no plano dos factos, ao que é determinada na sentença, pelo que se assiste à perda definitiva da utilidade pretendida no processo principal. A sentença é (parcialmente) inútil em virtude do retardamento, na medida em que, embora a sua execução seja possível e permite evitar a produção de danos futuros, a verdade é que já não está em condições de remover os danos irreparáveis ou de difícil reparação que resultaram do estado de insatisfação do direito que se manteve durante a pendência do processo.”3
  Aliás, o carácter de urgência do procedimento cautelar visa assegurar a obtenção de decisão sobre o mérito da causa com a utilidade (cfr. art.º 6.º, n.º1, alínea e) do C.P.A.C.).
  Prevê o art.º 132.º do C.P.A.C:
“Artigo 132.º
(Pressupostos)
  1. Quando os órgãos administrativos, os particulares ou os concessionários violem normas de direito administrativo ou deveres decorrentes de acto ou contrato administrativos ou quando a actividade dos primeiros e dos últimos viole um direito fundamental ou ainda quando, em ambas as hipóteses, haja fundado receio de violação, pode o Ministério Público ou qualquer pessoa a cujos interesses a violação cause ofensa digna de tutela jurisdicional pedir ao tribunal que os intime a adoptar certo comportamento ou a abster-se dele com o fim de assegurar, respectivamente, o cumprimento das normas ou deveres em causa ou o respeito pelo exercício do direito.
  2. O pedido pode ser apresentado antes ou na pendência do uso do meio procedimental administrativo ou processual contencioso adequado à tutela dos interesses a que a intimação se destina e constitui incidente quando aquele meio tenha a natureza de processo contencioso.
  3. O pedido de intimação não pode ser apresentado quando os interesses que com ele se pretendam tutelar sejam susceptíveis de defesa, em concreto, por via da suspensão de eficácia.”
  Quanto à sua finalidade, “Pretende-se obrigar os órgãos administrativos, os particulares e os concessionários a adoptarem ou a se absterem de determinado comportamento, de modo a que fique assegurado:
a) O cumprimento de normas de direito administrativo;
b) O cumprimento dos deveres concorrentes de um acto ou contrato administrativo;
c) O respeito pelo exercício de um direito fundamental.”4
  Daí resulta do art.º 132.º, n.º 1, do C.P.A.C. os pressupostos seguintes:
i) “a) Que os órgãos administrativos, os particulares e os concessionários, com a sua actividade (operações materiais, actos de facto, as chamadas vias de facto) tenham violado normas de direito administrativo ou os deveres decorrentes de acto ou contrato (no caso das alíneas a) e b) acima referidas): art. 132.º, n.º 1, CPAC;
b) Que os órgãos administrativos ou os concessionários, com a sua actividade (operações materiais, actos de facto) hajam violado um direito fundamental: art. 132.º, n.º 1 CPAC; ou
c) Que os órgãos, os particulares ou os concessionários possam muito provavelmente vir a violar (haja receio fundado de violação) normas de direito administrativo, deveres decorrentes de acto ou contrato ou um direito fundamental (art. 132.º, n.º 1, “in fine”).”5;
ii) a violação cause ofensa digna de tutela jurisdicional aos interesses titulados; e
iii) os interesses que se pretendem tutelar não sejam susceptíveis de defesa por via da suspensão de eficácia.6
  Apesar da natureza acessória e instrumental dos procedimentos preventivos e conservatórios, independente da impugnação administrativa ou contenciosa que poderia vir a ser interposta, a intimação para um comportamento, como outras providências preventivos e conservatórios, visa obter uma resolução provisória sobre o litígio para assegurar a utilidade da decisão que venha a ser proferida em processo principal (cfr. art.º 132..º, n.º2, e 136.º do C.P.A.C.).
  Voltando ao caso em apreço, veio a Requerente pedir a condenação dos indicados Requeridos para proceder ao pagamento e outros procedimentos contratuais necessários para o efeito, nomeadamente, homologação das facturas dos serviços por si prestados ao abrigo do Contrato, com fundamentos da alegada titularidade do direito ao pagamento dos preços unitários actualizados pelos serviços prestados e já homologados até 30/04/2013, pelo acto de aprovação da Sua Excelência o Chefe do Executivo de 12/06/2012, e incumprimento pelos Requeridos dos deveres impostos por esse acto de aprovação e ao abrigo dos termos do Contrato, alegando a violação dos seus direitos e interesses dignos de tutela jurisdicional.
  Bem analisados os pedidos da Requerente, não parece ser razoável dizer que o presente meio processual de intimação não se ajusta às pretensões por si formuladas, visto que o foco de intimação se prende com a tutela do interesse patrimonial ou pecuniário da Requerente através do pagamento das facturas emitidas desde 12/06/2012 até 30/04/2013, no âmbito dos serviços prestados pela Requerente ao abrigo do Contrato de Concessão, relativas ao valor da diferença entre o preço global calculado com base nos preços unitários inicialmente constantes do Contrato e preço global calculado com base nos preços unitários aplicáveis a partir de 12/06/2012, e a Requerente visa obter a homologação e pagamento das referidas facturas calculados com base nos preços unitários actualizados apenas para os seus serviços já verificados e homologados com base na quilometragem apurada, não requerendo uma condenação de afastar o procedimento de homologação das facturas para o futuro.
  No que concerne à falta da evidente ou aparente existência de direito ao pagamento por inverificação de violação dos deveres contratuais ou de ilegalidade da conduta dos Requeridos, isto tem a ver com a questão de fundo da causa, sobretudo na determinação de preenchimento ou não dos pressupostos materiais da intimação, não constituído assim motivo adequado e justificado para se traduzir em erro na forma de processo.
  Pelos expostos, julga-se improcedente a presente excepção.
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  Da litispendência e interesse em agir
  Quanto à questão da litispendência, não é menos certo que não se verifica nos autos, por esta excepção apenas poderia ser suscitada nos autos do processo n.º 219/13-CA.
  A questão que se interessa apurar é que com a interposição de acção judicial sobre contratos administrativos a que os presentes autos ficam apensados, com a dedução dos pedidos basicamente idênticos (só que a valor da causa aumenta-se em resultado da execução continuada do contrato administrativo em causa), e a invocação da mesma causa de pedir, esta relação da dependência entre o procedimento preventivo e conservatório e o eventual processo principal se justificaria a salvaguarda dos mesmos interesses processuais, ou seja, a mesma necessidade de tutela judicial (interesse em agir) nos dois espécies dos processos.
  Prevê o art.º 72.º do C.P.C.:
“Artigo 72.º
(Conceito de interesse processual)
  Há interesse processual sempre que a situação de carência do autor justifica o recurso às vias judiciais.”
  O interesse em agir consiste na necessidade ou utilidade de recurso às vias judiciais, com a pronúncia ou decisão judicial para acautelar os interesses alegados dignos de tutela.
  Sendo o procedimento cautelar faltar de autonomia e uma medida acessória e instrumental cuja utilidade faz depender de uso de outro meio procedimental administrativo ou processual contencioso, esta relação de dependência dá razão à invocação da mesma causa de pedir, versando sobre a mesma questão de fundo, ou caso contrário, o procedimento cautelar deve ser indeferida7.
  Quanto às pretensões deduzidas, segundo o preceituado do art.º 132.º do C.P.A.C., não parece que é afastado a dedução das pretensões idênticas no procedimento cautelar e no processo principal correspondente (quer procedimental administrativo quer processual contencioso), considerando o momento admissível da apresentação de intimação e o requisito de adequação do processo principal para acautelar os interesses a que a intimação se destina.
  No caso vertente, a Requerente intentou na pendência da presente instância o processo principal (acção sobre contratos administrativos) e invocou como causa de pedir nos dois processos o incumprimento dos deveres dos Requeridos impostos por acto administrativo e contrato, suscitando, nos presente autos, a necessidade de urgência, no entender que “a demora em obter uma decisão que tutele, efectiva e definitivamente, os interesses e direitos da Requerente iria agravar, de forma considerável, a já difícil situação financeira da Requerente, a um ponto que poderá mesmo afectar a sua sustentabilidade financeira e a operação comercial da Requerente – como facilmente se depreende pela consulta da Relatório de Auditoria.” (cfr. art.º 90.º do segundo requerimento inicial, das fls. 428 a 454).
  Portanto, constitui objecto em ambos processos o apuramento da actividade alegada violadora dos deveres impostos aos Requeridos, certo é que aqui se não pressupõe a definição da “existência de direito ao pagamento” nem se fala precisamente a “procedência da pretensão” da Requerente.
  Pois, a única razão se deixa para justificar uma decisão provisória de obter o pagamento alegado faltoso e o respeito do seu direito ao pagamento pelos Requeridos, é para evitar o agravamento da difícil situação financeira, ou seja, no entendimento da Requerente, a decisão definitiva da regulação do presente litígio que venha a ser proferida naqueles autos de acção sobre contratos administrativos poderia perder a sua utilidade com a demora na obtenção (“periculum in mora”).
  Entendeu a Requerente não se aplicar o pressuposto de “periculum in mora” no presente procedimento cautelar de intimação, porém, o Tribunal não se acolhe o assim entendido.
  Efectivamente, não se prevê, pela forma explícita, no art.º 132.º do C.P.A.C., o referido requisito, como se vê no art.º 326.º, n.º 1, do C.P.C., onde se lê:
“Artigo 326.º
(Âmbito)
  1. Sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer, se ao caso não convier nenhuma das providências reguladas no capítulo subsequente, a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efectividade do direito ameaçado.
  … … …”
  Anota-se que o procedimento preventivo e conservatório de intimação falta da autonomia cuja apresentação pode ser antes ou na pendência do uso do meio procedimental administrativo ou processual contencioso (processo principal) adequado à tutela dos interesses a que a intimação se destina, e a lei não proíbe a dedução das pretensões idênticas no procedimento cautelar e no respectivo processo principal, o critério de “periculum in mora” sublinha na necessidade da Requerente para obtenção de uma decisão da regulação de litígio que venha a ser proferida em sede de processo principal, embora seja de natureza provisória.
  “Dependendo do seu conteúdo, a regulação pode determinar a pura manutenção do statu quo; a antecipação de efeitos a produzir pela sentença a proferir no processo sobre a questão de fundo e que alteram o statu quo; ou a constituição, a título provisório, de um terceiro tipo de situação, que nem corresponde a uma coisa, nem a outra, mas que, em qualquer caso, terá por escopo ou função assegurar a manutenção ou restabelecimento do statu quo (função conservatória) ou a obtenção de novas utilidades pretendidas no processo principal (função antecipatória) (ver nota 4)
  A regulação deve ser a adequada para assegurar a justa composição dos interesses, evitando o chamado periculum in mora – isto é, o riso de que, quando o processo principal chegue ao fim e sobre ele venha a ser proferidas uma decisão, essa decisão já não venha a tempo de dar a resposta adequada às situações jurídicas envolvidas no litígio, seja porque a evolução das circunstâncias durante a pendência do processo tornou a decisão totalmente inútil, pelo menos, porque esse evolução conduziu a produção de danos dificilmente reparáveis.”8
  “Pode, no entanto, questionar-se se, por força do artigo 112.º, n.º1, o periculum in mora não deixa de ser pressuposto da adopção de qualquer providência cautelar, mesmo na situação prevista na alínea a) do n.º 1 deste artigo 120.º, e embora o preceito não o refira, talvez seja de exigir que, no caso concreto, a providência se mostre necessária para assegurar a utilidade da sentença a proferir no processo principal. Com efeito, só parece existir interesse em agir em sede cautelar quando haja fundado receio de que se perca, no todo ou pelos menos em parte, a utilidade prática da sentença pretendida no processo principal. Quando seja claro que falta esse interesse, não há, pois, necessidade de tutela cautelar e, portanto, o decretamento de uma providência, a ter lugar, já não desempenhará uma função verdadeiramente cautelar, mas de pura antecipação da tutela de fundo.
  A subscrever-se este entendimento, faça-se, em todo o caso, notar que não será, quanto a este ponto, admissível a pura e simples aplicação, no âmbito da alínea a), do critério do periculum in mora, com a concreta configuração com que ele é desenhado nas alíneas b) e c) (“fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da prejuízos de difícil reparação”), mas apenas de exigir um mínimo de necessidade na obtenção da providência, fazendo, para o efeito, apelo ao interesse processual, enquanto pressuposto de âmbito geral, também relevante em sede de admissibilidade da tutela cautelar.”9
  Não assiste razão para se deixar acompanhar o assim entendido por o pressuposto de “periculum in mora” ser inerente ao interesse em agir da tutela cautelar e valer para qualquer tipo de providência cautelar, cujo preenchimento de que a concessão da intimação depende.
  Este pressuposto também justifica pelo escopo aberto da norma dos pressupostos de intimação de comportamento, sem definição de comportamento imposto ou abandonado para assegurar a finalidade de cumprimento das normas de direito administrativo ou deveres decorrente de actos ou contratos administrativos, ou o respeito do direito fundamental, permitindo assim a regulação provisória do litígio e antecipação dos efeitos pela dedução dos pedidos idênticos.
  Acresce que o pressuposto de “periculum in mora” é, de facto, um pressuposto indispensável nas providências preventivas e conservatórias não especificadas, previsto no art.º 141.º do C.P.A.C..
  Com efeito, se emprega no presente procedimento cautelar de intimação o pressuposto de “periculum in mora”, ao abrigo do art.º 141.º do C.P.A.C., e art.º 326.º, n.º 1, do C.P.C., ex vi do art.º 1.º do C.P.A.C..
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  As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciárias e mostram-se legítimas.
  Acham-se regularmente representadas.
  O processo é o próprio.
  Não há nulidades, excepções dilatórias e questões prévias de que cumpre conhecer e que obstam ao conhecimento do mérito da causa.
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  Da interposição do processo de falência
  Entendeu o 1.º Requerido com a interposição do processo de falência, determinou a perda do “periculum in mora” por se verificar já a ocorrência da situação de insustentabilidade financeira da Requerente.
  Não se pode acolher o assim entendido.
  Seja como for o motivo causador da instauração da instância de falência, até ao momento os autos de falência estão em curso e nenhuma decisão definitiva foi proferida para determinar a Requerente encontrar-se ou não em estado falido. Não há condições para reconhecer a verificada situação de insustentabilidade financeira da Requerente.
  Passa, de imediata, para analisar se verifica, in casu, o referido pressuposto de “periculum in mora”, sendo este elemento indicador e elucidativo do interesse processual do presente procedimento cautelar de intimação para um comportamento.
  No caso em apreço, alegou a Requerente “a demora em obter uma decisão que tutele, efectiva e definitivamente, os interesses e direitos da Requerente iria agravar, de forma considerável, a já difícil situação financeira da Requerente, a um ponto que poderá mesmo afectar a sua sustentabilidade financeira e a operação comercial da Requerente – como facilmente se depreende pela consulta da Relatório de Auditoria.”
  Pois, invocou a Requerente a difícil situação financeira iria agravar-se, afectando a sua sustentabilidade financeira e a operação comercial pela decisão morosa do processo principal que venha a ser proferida, requerendo uma providência com a antecipação de efeitos a produzir pela sentença a proferir no processo principal sobre a questão de fundo (acção sobre contratos administrativos) e que alteram o “statu quo”.
  No entanto, não se sufraga o invocado agravamento da difícil situação financeira merecedora de tutela jurisdicional urgente para obtenção de uma decisão com a antecipação de efeitos sobre a questão de fundo e que altera o statu quo, nem a verificação efectiva da insustentabilidade financeira da Requerente corresponder a inutilidade prática, total ou parcial, da decisão que venha a ser proferida na acção principal já interposta.
  A utilidade da decisão que venha a ser proferida na acção principal deve circunstanciar-se na conservação do interesse patrimonial ou pecuniário da Requerente, mas a mera morosidade da decisão definitiva ao reconhecimento do direito da Requerente não implica à perda definitiva da sua utilidade, tendo em consideração que a Requerente não estaria exposta ao risco de não recebimento do pagamento pelos Requeridos por sua dificuldade financeira, mas simplesmente o pagamento tardio em sequência da eventual decisão em favor dela. No que concerne a probabilidade do agravamento da já difícil situação económica da Requerente, dado que a situação económica ou a sustentabilidade financeira depende de muitos factores que a Requerente não se logrou alegar nem comprovar por exclusiva responsabilidade do prolongado incumprimento do dever do pagamento pelos Requeridos, não se permite chegar a conclusão de que o retardamento da regulação definitiva do litígio no processo principal poderia causar lesão grave e dificilmente reparável aos interesses e direitos da Requerente.
  De facto, ao contrário do estipulado nos art.º 112.º, n.º2, alínea e) e 133.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos10 (aprovado pela Lei n.º 15/2002, de 22 de Fevereiro, na redacção da Lei n.º 4-A/2003, de 19 de Fevereiro, e da Lei n.º 59/2008, de 11 de Setembro), não se prevê no nosso regime de contencioso administrativo uma providência cautelar especial de regulação provisória do pagamento de quantias, visando a tutelar as situações subjectivas dirigidas à obtenção do cumprimento de obrigações de pagar quantias em dinheiro, seja qual for a fonte de onde provenham, para evitar “o dano resultante da demora do processo principal que possa pôr em causa o sustento ou as condições de sobrevivência do requerente, ou o prosseguimento de uma actividade, como sucederá quando haja risco de insolvência ou de encerramento de empresas.11
  Não se afigura razoável que os procedimentos preventivos e conservatórios, a que se referem no nosso regime de contencioso administrativo, terem por âmbito de aplicação tal ampla para assegurar o sustento ou as condições de sobrevivência da Requerente, como se refere no direito português, com antecipação dos efeitos a produzir apesar de responsabilidade que cause a prejudicar ou lesar a situação financeira da Requerente.
  Pelos expostos, não se demonstra nos presentes autos a verificação do pressuposto de “periculum in mora”.
  Dado que a intimação pressupõe o preenchimento de todos os requisitos, a falta da verificação de algum requisito implica o recaimento integral do pedido, sem necessidade de desenvolvimento quanto aos demais requisitos. Assim sendo, julga-se improcedente a presente intimação com a consequente absolvição dos Requeridos dos pedidos.
***
  Por todo o que fica exposto, o Tribunal decide indeferir o presente procedimento cautelar de intimação para um comportamento, absolvendo-se os Requeridos dos pedidos, por se verificar, nos autos, a falta do pressuposto de “periculum in mora” (art.º 132.º e 141.º do C.P.A.C. e 326.º, n.º 1, do C.P.C., ex vi do art.º 1.º do C.P.A.C.).
  Custas pela Requerente, com 6UC da taxa de justiça.
  Registe e notifique.
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                     19 de Novembro de 2013
 Juiz de Direito
 Leong Sio Kun
1 vide《Manual de Direito Processual Civil》, 2.ª Edição, Viriato Manuel Pinheiro de Lima, Centro de Formação Jurídica e Judiciária, 2008, p.239.
2 vide《O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos》, 2.ª Edição Revista e Actualizada, Mário Aroso de Almeida, Almedina, 2003, p.72 a 73.
3 vide《Comentário ao Código de do Processo nos Tribunais Administrativos》, 3.ª Edição Revista, Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Almedina, 2010, p. 742.
4 vide《Manual de Formação de Direito Processual Administrativo Contencioso》, José Cândido de Pinho, Centro de Formação Jurídica e Judiciária, 2013, p.308.
5 vide citada《Manual de Formação de Direito Processual Administrativo Contencioso》, p.308 a 309.
6 ver adiante para a análise do pressuposto de “periculum in mora” no presente procedimento preventivo e conservatório.
7 vide《Comentário ao Código de do Processo nos Tribunais Administrativos》, 3.ª Edição Revista, Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Almedina, 2010, p. 762.
8 vide《Comentário ao Código de do Processo nos Tribunais Administrativos》, 3.ª Edição Revista, Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Almedina, 2010, p. 740 a 741.
9 vide《Comentário ao Código de do Processo nos Tribunais Administrativos》, 3.ª Edição Revista, Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Almedina, 2010, p. 796 a 797.
10 Estatui o art.º 133.º do CPTA:
“Artigo 133.º
Regulação provisória do pagamento de quantias
1 – Quando o alegado incumprimento do dever da a Administração realizar prestações pecuniárias provoque uma situação de grave carência económica, pode o interessado requerer ao tribunal, a título de regulação provisória, e sem necessidade da prestação da garantia, a intimação da entidade competente a prestar a quantias indispensáveis a evitar a situação de carência.
2 – A regulação provisória é decretada quando:
a) Esteja adequadamente comprovada a situação de grave carência;
b) Seja de prever que o prolongamento dessa situação possa acarretar consequências graves e dificilmente reparáveis;
c) Seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente.
3 – As quantias percebidas não podem exceder as que resultariam do reconhecimento dos direitos invocados pelo requerente, considerando-se o respectivo processamento como feito por conta das prestaoes alegadamente devidas em função das prestações não realizadas.”
11 vide《Comentário ao Código de do Processo nos Tribunais Administrativos》, 3.ª Edição Revista, Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Almedina, 2010, p. 887.